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29.5.10

(parece bolero-tequero-tequero)

Ah, se eu não tivesse me descoberto (com você?) essa enorme entusiasta do mistério, eu teria assim, que desistido de ti tantos e tantos dias atrás. Mas uma vez descoberta a coisa, não se pode (des)descobrir até ela se tornar inteira, até ela se fazer plena, até ela se fazer carne (podre ou pulsante) e não mais mistério.

18.5.10

todos os caminhos tendem a zero.

(carta para o intelecutor nome de ninguém específico).

Eu queria te contar sobre tantas tantas coisas enormes que eu nem sei por onde começar, mas quando eu falo de te contar eu quero dizer: te contar sobre a minha vida, porque não existe outra coisa que eu queira mais falar e mais esquecer que isso. Hoje não faz sentido a conversa fiada no portão sobre o sol, ou a chuva, ou esse frio que tem assolado a cidade impedindo a gente de sair sem blusa. Se for pra falar de frio, só vou saber falar sobre o frio que faz aqui dentro.

Não assim, exatamente um frio e nem é uma coisa assim como se congelasse, tavez fosse mais pra falar de vazio mesmo. O frio também atrapalha, tudo que eu sinto vontade é deitar debaixo de uma coberta enorme e quente e comer pipoca enquanto assisto filme, ou só ficar ali, sonhando acordada ou dormir pra sempre. Talvez fosse isso: dormir pra sempre, ou pelo menos acordar somente quando estivesse no seu devido lugar. Sabe, existe uma falta enorme de perespectiva que sei lá quando acontece, deve acontecer na vida de todo mundo, que é um acordar e não saber o que vai ser do resto do dia, quanto mais do resto dos dias.

Eu sei de obrigações, claro, tenho um monte delas e costumo falhar em mais da metade. Acordar mais ou menos as sete da manhã e pegar aquele ônibus cheio de gente por todos os lados ouvindo quase sempre as mesmas músicas para encontrar com as mesmas pessoas, inclusive aquelas que me fazem doer. Nesses quase quatro anos eu fui fazendo toda uma coleção de gente que me faz doer, dava até pra nomear por cores. As de rosa me fazem doer por causa de um ex-amor, as de verde me fazem doer porque me fizeram perder a esperança e as de vermelho me fazem doer porque eu amo demais.

Esses dias me disseram que se existe uma pessoa que se apega aos outros esse alguém sou eu. Nem faz tanto tempo assim, a gente estava falando sobre essa coisa de todo mundo me ver e enxergar essa pessoa descolada e desapegada com tudo. Eu pareço realmente muito desapegada, principalmente quanto eu me sinto amada. Quando eu vejo uma certeza de amor eu costumo me desapegar, ou fingir um desapego, quase uma indiferença mórbida, mas pelo contrário, eu amo demais. Devem existir uma três ou quatro pessoas vestidas de vermelho, elas me fizeram doer por amar demais. E se foram junto com meu desapego.

Hoje passei o dia inteiro pensando em coisas atrás de coisas, eu tenho querido tanto me apegar a alguma coisa, qualquer coisa que pareça a perespectiva de um futuro mais ou menos certo, ou um futuro todo incerto, mas planos pelo menos. Essa minha vida toda feita assim as pressas, sair do colégio cair na faculdade, grudar um relacionamento no outro, as coisas foram tanto acontecendo e eu nem sei como ou quando foi. mas foi.

hoje eu queria dizer, que enquanto olho pra essa cidade cinza e vinícius canta no meu ouvido sobre a rua-nascimento-silva-cento-e-sete eu só consigo pensar em um monte de coisas que não existem. Sabe, esse monte de coisas que não existem? o meu futuro que não existe, o amor que doesse em paz que não existe. Eu estou esperando tantas coisas enormes que encham tanto a minha alma que eu me sinta completamente incapaz de escolher uma cor pra minha alma sem dizer que eu só acho que ela é assim, colorida, de tão imensa.

Não é muito, assim, é quase nada quando você coloca em palavras: eu quero viver do que eu gosto e quero ter um amor que me leve pra fazer piquenique aos domingos. Quer dizer, o que é pedir viver do que se ama e um grande amor? As palavras diminuem tanto o sentido das coisas as vezes, e parece até pouco querer isso, mas na verdade é imenso. E difícil. E desde que parece ter se tornado tão dificil encarar essa falta de nos meus dias cinzas que eu só sinto uma melancolia enorme, uma melancolia maior do que os ônibus que eu tenho que pegar todo dia.

Tudo tem parecido de um esforço imenso, quase sobre humano, tudo tem parecido demais. E de parecer demais parece impossível. E parecendo impossível dá vontade de largar. É isso, eu quero largar todo esse vazio essa incerteza, essa enorme ausência de. Quero largar os ônibus, as pessoas com caras iguais. Quero largar também as pessoas que eu colori, as que me fazem doer. Quero largar tudo aquilo que eu um dia amei demais pra poder amar outra coisa, sabe? E mais que amar outra coisa eu quero amar qualquer coisa que pareça certa, e não ficar me dando assim, me entregando seca do jeito que tem sido, sabendo que não se pode esperar nada em troca e mesmo assim esperando o mundo.

Você sabe, qualquer pessoa sem perspectivas costuma esperar o mundo de qualquer coisa e costuma amar demais qualquer coisa. Qualquer coisa que seja, só pela perspectiva de quem sabe ser feliz. Eu quero a impossibilidade. Eu quero ser imensa. Eu quero andar na rua, trombar com um total desconhecido e ouvir ele me dizer que ele é meu estranho e que eu posso pular.

Eu quero pular na vida, meu deus. Eu quero ver as coisas fazendo algum sentido, qualquer sentido que seja. Eu quero amar, eu quero ser amada, eu quero os frios na barriga, eu quero aquela felicidade que de tão grande dá medo de quebrar. Eu quero sair desse vazio, desse ser sem sal, desses ônibus, desse frio, desse acordar as sete da manhã e principalmente dessa ausência que me invade, que é maior que a minha alma.

Eu quero um caminho, tom estava me cantando hoje, sabe? "é preciso acabar com essa tristeza, é preciso inventar de novo o amor". Eu quero tanto. Mas todos os caminhos que eu encontro, tendem a zero.

14.5.10

punchdrunk lovesick.

(and no singalong)

- e qual é o sentido nisso tudo?
- nisso o que?
- nisso. Eu e você
- era pra existir um sentido?
- deveria. ou sou eu, eu sempre tento achar um sentido nas coisas.
- não existe.
- talvez não exista.
- não é talvez. não existe. existe a improbabilidade de acontecer as coisas que aconteceram e foi isso que fez a gente ser isso, eu e você.
- pra você a gente é alguma coisa?
- não sei. pra você?
- hoje qualquer coisa pra mim seria capaz de ser alguma coisa.
- até eu?
- inclusive. você já é.
- e qual é o sentido?
- não existe sentido. se existisse, você não seria nada.
- por que?
- porque eu descobri hoje que eu sei que você vai me deixar. exatamente do jeito que me encontrou.
- é isso que você acha?
- eu tenho certeza. eu fui uma improbabilidade. eu existo porque em você existe uma série de fatores que permite que hoje eu seja eu e você seja você e exista um quase-nós. depois, não vai existir nada.
- eu não sei se vai ser assim.
- é porque agora você se sente sentimental o suficiente pra me amar.
- e depois?
- depois você vai me esquecer.
- e você?
- eu vou saber que você foi fruto da minha improbabilidade. desses fatores de existência que incluem na vida da gente que qualquer pessoa que aparece pode preencher os vazios todos que existem e mesmo que ela não caiba nos vazios por aquele momento a gente faz caber. e parece que preenche.
- eu preencho os seus vazios?
- por enquanto sim.
- e depois?
- depois é você que não vai deixar mais eu preenchê-los com você.

diálogo imaginário número do fim em reticências.

- oi.
- oi.
- é legal essa música que você tá ouvindo.
- eu sei.
- eu fiz uma influência notável em você, hahaha.
- nem tão notável assim. mas a música é boa.
- para mentes evoluídas.
- é. me diz uma coisa, por que você resolveu falar comigo agora?
- eu não sei, eu acho que eu sinto sua falta.
- como?
- como assim, como?
- embora você pareça não saber, existem inúmeros jeitos de se sentir falta. e você provavelmente sente falta dessa amiga-mãe que eu costumava ser pra você.
- é só saudades.
- não é, é dependência. você podia me deixar em paz, cara.
- eu queria que a gente continuasse amigos.
- você devia ter pensado nisso antes de fazer tudo isso que você fez.
- tudo isso o que?
- tudo isso que você sempre faz. não se explicar, pedir umas desculpas sem sal, fingir que eu não existo e depois agir como se nada tivesse acontecido.
- eu só não sabia como me aproximar.
- eu sei, eu não estou te culpando.
- então você vai ser minha amiga?
- eu nunca deixei de ser sua amiga.
- por que?
- porque eu nunca fui sua amiga, apesar de ser.
- e o que isso quer dizer?
- todas as coisas que mesmo que eu explicasse em diagramas você não entenderia.
- caramba, eu não queria te magoar.
- mas magoou.
- eu te peço desculpas.
- eu já te desculpei.
- e esqueceu?
- impossível esquecer.
- como você me desculpou então?
- porque eu te conheço tanto que sei fazer um tratado justificando o porquê de você ter agido assim comigo. e o pior é que todo esse tratado faria sua ação tão tremendamente justificável que não tem como não te desculpar.
- e qual é o sentido nisso tudo?
- existe e não existe um sentido. existe todo o sentido de todo o porquê de você ter feito todas essas coisas, mas nisso tudo não existe um sentido.
- o que você acha que vai acontecer comigo?
- te dou seis meses pra você se decepcionar. três pra pensar em me pedir desculpas. e mais o resto da sua vida pra você não fazer nada a respeito.
- você realmente acha que eu errei né?
- eu tenho certeza.
- e por que?
- porque eu te conheço.
- e o que vai acontecer?
- não sei, eu só sei que um dia você vai voltar a ser triste.
- por que?
- porque toda essa felicidade é pela metade e por mais que você tente justificar que toda a felicidade nunca é perfeita, todo mundo sabe que não é assim.
- eu não sei o que te dizer quando você me diz essas coisas.
- você nunca soube. mas eu sei o que você diria. diria pra eu te esquecer, que você está em outra agora e que você está feliz e embora eu esteja apegada a uma imagem, a imagem que existe na verdade é essa e tem aquela palavra que você gosta muito que se chama "desapego" que você ia usar também e com ela justificaria suas babaquices.
- e você?
- eu ia fazer que sim com a cabeça, te dar um abraço, e dizer que eu espero que você seja feliz.
- e o que você vai fazer agora?
- a mesma coisa.
- e vai ser sincero?
- exceto a parte em que eu concordo com você.
- por que?
- porque eu sei que não é assim.
- por que?
- porque qualquer um sabe que não é assim.
- e eu?
- você precisa ouvir que está certo, ganhar um abraço e ouvir alguém dizer que espera que você seja muito feliz.
- mas eu espero ser muito feliz, e eu sei que eu estou certo.
- você acha que você está certo, e ninguém vai te provar ao contrário agora.
- você quer dizer que eu vou descobrir que você é o amor da sua vida?
- não, eu não sou o amor da sua vida. eu nunca fui, nunca senti assim.
- e quem é então?
-o dia que você encontrar você vai perceber que a felicidade quando é de verdade, geralmente é completa.
- você realmente acha que esse dia vai chegar?
- os dois. o que você descobre que está triste e o outro em que descobre a felicidade completa.
- e onde você vai estar?
- do seu lado.
- quer dizer, eu vou estar com você?
- não. é que existe uma coisa que você ainda não percebeu. Eu sempre vou estar ao seu lado, independentemente de. eu vou olhar pra você, concordar, te dar um abraço e esperar que você seja muito feliz.
- e qual é a diferença se você está fazendo isso agora?
- é que eu espero pelo dia que seja sincero. e que embora eu diga que eu espero que você seja muito feliz, no fundo eu já saiba que você vai ser.

- eu te amo.
- eu sei, eu te amo exatamente do mesmo jeito.
- e como é isso?
- é um eterno estar um do lado do outro até esperar o dia que ao desejar que o outro seja feliz, e ao fazer isso, olhar nos olhos e perceber que ele já é.

Porque todo amor de verdade só se (re)transforma em amor.

11.5.10

A insustentável leveza do ser. (sendo tereza)

"Em trabalhos práticos de física, qualquer aluno pode fazer experimentos para verificar a exatidão de uma hipótese científica. Mas o homem, porque não tem senão a vida, não tem nenhuma possibilidade de verificar a hipótese através de experimentos, de maneira que não saberá nunca se errou ou acertou ao obedecer um sentimento..."

De tudo que me lembro, lembro da minha vocação para tereza. Lembro dessa absurda vontade de sair do meu espaço medíocre para viver um grande amor. Grande. Imenso. Enorme. De tudo que eu lembro, lembro de querer coencidências. Me encontrastes de novo as seis da tarde e foi as seis da tarde que nos encontramos pela primeira vez. Espero alguém que me ame como se ama uma mulher, e me puxe pelo braço dizendo: "a minha mulher". Mulher no sentido de ter alguma coisa de virtude e ao mesmo tempo alguma coisa de subimissa. Penso em noites atrás de noites em que nada se diz, ou se faz, mas se dorme e acorda de mãos dadas e se sabe o tamanho amor que cabe naquele momento. Quanto amor cabe num entrelassar de mãos? Só que nesse ser tereza, não cabem sabinas. Por mais que todas as sabinas de todas as terezas só terem consigo aquele encamento que existe em todo ser humano que escolhe ser livre - e carnal - nunca me couberam sabinas. Existe em mim esse ar interiorano cheio de fotografias que só espera amar, amar e depois amar mais um pouco. E um amor que perdoa as sabinas todas, embora eu saiba que tudo que eu sempre quis é ser única.

Tenho amado demais. rápido e ligeiro e tenho pensado em cada possibilidade como um novo ( e grande!) possível amor. Espero quem sabe ir embora para depois encontrar de novo as seis da tarde e achar possível somente porque assim queria o destino. Eu tenho esperado demais do destino, dos encontros fortuitos em busca de amores conturbados e grandes, com piqueniques no parque ou não, aqui ou em qualquer cidade desse planeta. Eu tenho esperado me agarrar a qualquer coisa, meu deus, eu ando tão presa em tudo isso que eu não quero que eu só espero que alguem me liberte e me redima. Me redima assim, por amor. E que eu diga que foi por amor que eu me redimi, que foi pelo destino que aconteceu e que foi no entrelaçar das mãos ao dormir que se concebeu. E tudo isso sendo tão tereza. E tantas sabinas aí rodando e me roubando meus grandes amores, porque os homens, ah, os homens se encantam muito facilmente com essa liberdade que possuem as sabinas e ficam as terezas, as mulheres dignas, esperando o entrelaçar de mãos.

Foi exatamente nesse oco que ficou enquanto ele foi querer sabinas e eu fiquei esperando o entrelaçar de mãos que você me apareceu. Exatamente assim como se faz nos tais encontros fortuitos, destinos, sabe-se-lá-que-nome-se-dá a esses encontros sem nome que se fazem na vida da gente. E sem nem querer eu enxerguei tão-tão rápido em você a possibilidade de me tirar desse meu mundo tão pequeno, não sem perspectivas novas. Eu me apeguei tanto a imprevisibilidade dos fatos, daquele dizer que as coisas acontecem quando a gente menos espera e são essas coisas assim, as que você não procura que te tiram desse pequeno mundo de desamores tão conhecidos e te fazem tereza. É isso que eu sem querer enxerguei em você, rápido. A possibilidade do entrelaçar as mãos e dormir. A possibilidade de sentir a insustentável leveza de ser.

Mas hoje não sei, tudo tão cheio de dúvidas, de incertezas, tão um querer-ser-sem-saber. Deus me livre, eu te disse, deus me livre de outra decepção dessas. Eu queria tão pouco, eu só queria ser a sua tereza, a sua mulher, mas sem sobra de nenhuma sabina. tão única, importante, perfeita. tão amada e sublime que eu esqueceria todas essas minhas pequenezas, todos esses meus desamores, toda essa bagagem de amar demais e além da conta e depois me perder no meio de tudo isso. Eu tenho todo um medo, um medo de ter inventado tudo isso e não existir na verdade amor nenhum. E na verdade nem existe, eu estou me agarrando na possibilidade. Eu estou me agarrando tanto em você com os meus braços, com as minhas pernas e principalmente com as minhas palavras que eu nem sei se ainda tem jeito. De um jeito tão rápido e cru que é quase um nó desses, que parecem não desatar. Não sei explicar. Não sei como deve ser.

É que eu queria ser a sua tereza, eu queria ser a sua única tereza, aquilo que você chama de amor. Mas hoje eu acordei me sentindo tão a sua sabina. E tenho certeza que quando eu olhar pro lado, você já vei ter me deixado. E vai estar dançando com a sua tereza escolhida, num quarto de hotel que eu nunca conheci.

"Para que um amor seja inesquecível, é preciso que os acasos se juntem desde o primeiro instante, como passarinhos sobre os ombros de são francisco de assis"

8.5.10

Tem que beber pra falar o que deseja.

Não teve bar, não teve encontro e não teve magia nenhuma naquele dia, mas ela pensou que foi a primeira vez que ela pensou em escrever pra ele. Sem poesia, magia, ou cortesia nenhuma e sem encontros de olhares ou conversas mágicas, mas pensou. Foi exatamente depois de ouvir uma música dessas que falam de qualquer coisa - amor talvez? - cheias de lugares comuns que teria lhe dedicado não fosse uma frase dessas que falam de beijos e de casar. Ainda muito cedo pra dizer exatamente assim, sem metáfora nenhuma que queria chamar ele pra conversar e depois casar e separar. Ainda que houvessem as poesias implicitas e os exageros de literatura era tudo muito aparente. E ainda não era hora de coisas aparentes. Era a hora de dizer as coisas, mas assim, como quem não diz, estupidamente como se deve fazer nos jogos de amor que ela estava acostumada - embora nunca tivesse aprendido nada - a fazer há alguns anos.

Não teve nada, foi só uma música dessas que tocam em rádio que a fez pensar que talvez queria lhe dizer tudo aquilo, mas tudo aquilo ainda não deveria ser dito e então pensou escrever tudo de um modo que não parecesse que ela queria dizer alguma coisa a ele, especificamente, sendo tudo aquilo que ela estava dizendo totalmente cabível de ser dito para qualquer pessoa que habitasse o planeta terra e fosse capaz de ser amado.

Queria além de dedicar músicas, muito mais que isso - muito mais do que dedicar simplesmente coisas não escritas por ela que queiram dizer aquilo que ela não sabe -, queria dizer. Dizer um universo de coisas e fazer todo um outro universo de perguntas dessas que só chegam depois de enormes madrugadas deitados na grama olhando as estrelas, possivelmente no frio quando timidamente o interlocutor percebe no ouvinte uma estranha sintonia que alguns chamariam "atração inevitável" e sente vontade abraçar por subito o ouvinte, embora saiba que o máximo que vai fazer é concordar e sorrir, depois de dizer alguma coisa que queira dizer tudo, mas sem dizer muito - bem menos que o suficiente - mas o necessário. É quando um homem e uma mulher percebem um no outro a possibilidade de um grande amor.

Mas não existe gramado, noites frias, estrelas, nem interlocutor, nem ouvinte nem duas pessoas que habitam o mesmo espaço e conversam, existe isso. Todas aquelas coisas que mais do que dedicar ela queria dizer, mas como dizer tudo quando lhe faltam as palavras? Ou as palavras até sobram, e existem mas parecem extremamente inexatas para o momento. Dizer, assim, olha eu tenho sentido a sua falta e você se tornou uma coisa dentro da minha vida que eu não sei como foi, mas aconteceu e aconteceu também de hoje eu querer te escrever, e mais ainda além de querer te escrever aconteceu de eu ouvir essa música que me lembrou você em tantos aspectos, nesses aspectos que eu inventei, sabe, porque existem ainda tantos aspectos pra eu conhecer e odiar ou amar, ou querer levar comigo pra sempre. Existe aí tanta coisa no mundo pra descobrir que eu queria descobrir com você e queria que você me ajudasse a descobrir, mas hoje - e aí ela colocaria o dia e a hora exatos - eu queria dizer que eu senti a sua falta, assim, vai saber como, mas senti.

Então esquece de dizer - lá existe maneira de dizer tudo isso, assim? - e só rabisca nos rascunhos "essa foi a primeira vez que eu pensei em escrever pra você" sabendo que não vai escrever e dizer coisa alguma e muito menos falar daquela música. E sai cantarolando meio alto, meio feliz, meio envergonhada e um tanto esperançosa "vou te chamar para casar e separar/Vou te chamar para beijar e apanhar/Ô garçom, serve logo essa cerveja/ Tem que beber para fazer o que deseja" pensando em chamar o garçom e quem sabe (até) pedir a tal cerveja se tudo isso fizer ela rabiscar no caderno: "essa foi a primeira vez que eu te disse alguma coisa" e esperar por mais vinte e nove mil primeiras vezes rabiscadas - musicais e coloridas.

2.5.10

Sua menina.

" Você trata muito mal sua menina, um dia ela vai puxar o carro. De sua barba mal feita, seu catarro. Um dia ela vai encher o saco. Você trata muito mal sua princesa, um dia ela vai virar a mesa. Seu olhar só vê o seu umbigo. Um dia ela vai ficar comigo.

Você olha para ela com desprezo, como um déspota destrata uma empregada. Das grades do orgulho onde está preso, você maltrata a sua namorada. Seu terno engomado, seu perfume, seu tédio, seu remédio digestivo, seu eterno pesadelo de ciúme. Um dia desses ela vai te dar motivo. E ficar comigo. E ficar comigo sim. Vai ficar comigo. Vai ficar comigo só.

Você trata muito mal sua pequena, um dia ela vai sair de cena. E o remorso vai te torturar sem pena, quando a vir ao meu lado no cinema. Você trata muito mal o seu amor, não rega com carinho a sua flor. Depois de ver o que você já fez, com certeza ela vai sumir de vez. Vai sumir comigo. Vai fugir comigo. Vai sumir comigo sim.

Vai ficar comigo. Ficar só comigo. E você vai ficar só. "

(Arnaldo Antunes - Sua menina)

E se fosse simples como diz arnaldo, seria um clic. Mas não é. E o que é o amor senão uma peça em que as pessoas de despem do orgulho antes de entrar em cena e empalidecem na sacada esperando alguém que (quem sabe ) nem vai voltar, de braços abertos e mals de alzhaimer, esquecendo tudo e prontos pra começar (tudo) outra vez. Apegados apenas a (in)certeza de serem felizes, imensamente felizes. E amarem. Tanto. E só.