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16.12.10

I want to live where soul meets body.

Tem tanta coisa que eu quero te dizer, e eu digo isso loucamente, minha cabeça quer te cuspir tudo isso que a gente devia-ter-sido-não-foi. Guardei todo o sentimento, teu, todo-teu num caderno preto na gaveta. Fiz um relicário da nossa história, uma via crucis de sentimento. Amor, você não tem o direito de me deixar assim, segurando no pé da mesa, roendo as unhas a te esperar entrar por aquela porta e dizer que ainda-me-ama que ainda-me-quer que nunca-deixou-de-me-amar. Eu lembro do dia que você me deixou, lama nos seus tênis sujos e foi. E eu fiquei. Fiquei no frio, na chuva, no desamparo, no desconsolo. Por que você não me contou que no meio disso tudo tinha outra mulher, outro problema, outro universo? Eu ia te entender, ia deixar você ir pra depois voltar. Mesmo que meu primeiro impulso fosse te agarrar pelos pêlos e pelos cabelos, e te dizer "fica comigo fica comigo por favor" que eu não sei viver sem você, e não sei mesmo, olha, meu deus, não sei mesmo. Não soube naquele dia, não soube nos entremeios, não sei até hoje viver sem você e você me culpe se quiser por ter construído tantos castelos assim, tantos lugares, ter deitado tantos dias debaixo das estrelas e sonhado tanta coisa que não-ia-ser com você.

Quanta locura cabe aquí dentro, amor, quanto desespero. E pensar que era eu quem tratava amor como fórmula matemática. Te olhei da primeira vez, fiz um cálculo-base que resultou em dizer pra você que "olha, eu gostei de você, mas não dá não. A gente tem essas chances de 10% de ficar juntos, e eu não quero tentar, não quero sofrer, não quero. não quero" esperneei, como criança birrenta, mimada que eu sempre fui. Aí você não me apareceu com flores, me negou todos os poemas e descambou a me mostrar realidades. Me levou pro café, me mostrou sua alma sem querer, me emprestou todo seu universo dentro de uma caixinha e me deu de presente. E depois que alguém dá o universo pra alguém, eu sabia - e todo mundo sabe - não tem volta. Mesmo no meio da minha sensatez, um dia eu te olhei e dentro daqueles teus olhos tristes eu vislumbrei todo o meu futuro, com as minhas xícaras de café bem postas numa mesa que eu tinha acabado de imaginar. E depois que imaginei não quis outra coisa que não todo o resto dos meus dias preenchidos com café naquela mesa que eu tinha acabado de imaginar. É tudo tão louco nesse mundo, quem ia imaginar que um dia eu ia esbarrar em você e depois dessa minha mania tonta de falar mais do que eu devia, a gente ia descobrir uma afinidade eterna? Pois é, foi assim, tudo tão ridículo e sonso. Um dia eu dividi o refrigerante com você e meses depois minha vida toda já estava nas suas mãos, e eu só sorria quando você sorria também. Que loucura saber comprar seus biscoitos preferidos no mercado, trocar minhas bolachas integrais de aveia pelas suas de chocolate, justo eu, que nunca me deixei atrasar dez minutos na vida por causa de outra pessoa, estava ali, atrasando meus planos todos pra que eles começassem a andar junto com os teus.

Hoje eu leio tuas cartas e sei, que tudo aquilo era pra ter dado certo desde a primeira vez. Cada palavra sua só ia caber em mim, e se eu ainda escrevo, é pra você. Todas essas pilhas de cartas sem endereço nem remetente, endereçadas à você no coração. Mas aí um dia você levantou e foi, não olhou pra trás. Quem você pensa que você é pra desarrumar minha vida assim, pra deixar minha mesa sobrando uma xícara e meu coração com um buraco imenso. Sou eu quem empurro o prato, eu que digo não-quero-mais. Eu que largo o certo em busca das aventuras, eu que racionalizo amor porque fazendo contas de a + b acho que seria mais feliz com c e aí vou, derrubo tudo, desalinho a ordem do universo, arranco mais um grande-amor que não é meu da mão de outra pessoa e faço um caminho todo pra santiago de compostela esperando a paz, a paz, o amor, a loucura. Mas aí você vem, me explica, com toda a calma do mundo, como se amor fosse jogo de medir, de somar de calcular e vai embora assim "querida, você precisa alcançar o mundo e eu sou uma cidade no interior". E eu querendo dizer que eu já tinha virado uma fazendeira, calçado as minhas botas, que estava farta do mundo, que eu iria viver em cima de uma montanha que fosse porque meu universo todo estava nas suas mãos. Mas você se recusou a ouvir e foi embora levando meu mundo, porque "eu sou muito pequeno, e você é grande demais pra caber aqui".

Hoje lá está você vivendo pequeno, e cá estou eu, sem mundo. Tem um universo todo pra desbravar e eu morando num quarto-e-sala no centro que não faz o mínimo sentido sem a sua xícara em cima da mesa. Quanto tempo, quanto tempo vai até você perceber que eu só sou grande porque você me deu seu universo e que não dá pra desbravar lugar nenhum, porque rapaz, você é o meu mundo. Resumitivo e reduzido assim, eu só sei enxergar o mundo lá fora se olhar pros teus olhos, senão eu me perco. Eu tinha tudo aqui dentro. Tudo. Tudo tão completo, tão cheio de vida, tão nascendo flores e violetas, gérberas, orquídeas. Todo um caminho rumo ao universo inteiro de paixões e sentimentos que eu ainda estava por provar, e meu querido, tinha que ser com você. Agora você me vai, dono da verdade, me deixa sem chão pra ir morar pequeno porque teu mundo é pequeno. Meu deus, você é imenso. Tão imenso que abriu em mim um mundo, um espaço, um buraco-negro do sentir. Que enquanto você não voltar, vai ficar resumido nessa pequenez sem fim. Nesse acordar vazio, nesse ir dormir sem vida, nessa falta de vontade de olhar pra fora porque você levou com você a minha paz. Minha paz, meu mundo, minhas bolachas integrais de aveia, minha xícara de café. Teu quarto tá arrumado esperando você voltar. Pra quando você voltar num dia de frio ou de calor, cheio de doçura ou de dor, não importa. Vai ter café na tua xícara azul, e atrás da tua cama tá escondida a passagem pro mundo. O mundo que você queria me dar, mas que levou com você no dia em que se foi. O mundo que só se abre com meus olhos no teus, minha mão na sua, no sonho que a gente sonha juntos debaixo das estrelas apagadas que a gente vê da janela no nosso apartamento pequeno. Eu juro amor, eu sou capaz de alcançar o mundo e um pouco mais, com a ponta dos dedos. No dia em que você voltar. Me olha no fundo dos olhos, me devolve meu universo, que eu juro, amor. No dia que eu te conheci, você me deu meu mundo, meu universo, a felicidade. O mundo já é nosso, amor. O mundo sempre foi nosso.

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