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19.5.12

disso tudo restam nervos muito sensíveis

(e uma eterna predisposição a permanecer calada).


A av. paulista na tv me causa desconforto. Meus pesadelos tem o som do apito do metrô anunciando a próxima estação. Estive feliz das vezes que desembarquei na consolação e acabei num cansaço eterno ao descer amedrontada as ruas abaixo do trianon-masp (não do lado do fiesp, do outro). Quando penso nos meus passos curtos na rua escura que cercavam o hospital sírio libanês (onde hoje o pedro leonardo luta pela vida) penso que podia não ter nem chegado ao hotel que abandonei por dias. Andar naquela São Paulo cheia de gente ouvindo o barulho dos próprios passos era aflição demais pra uma interiorana de passos curtos. Mas estive apática demais pra temer a minha própria morte, e evitei os taxis. Eram vários pelo caminho. Vários pontos de taxis com taxistas exaustos esperando talvez uma emergência, ou uma morte. No meio disso um muro enorme cheio de musgo e cheiro de mijo, de onde eu pensei que, hora ou outra, ia acabar saindo o bandido que roubaria meu computador, minhas roupas manchadas de vinho e vômito, minha carteira, meus cartões, minha identidade, o resto do meu dinheiro e meu perfume imitação. Eu ia perder tudo porque não quis importunar o taxista com uma dessas corridas de quatro ou cinco reais que irritam. Tudo bem, também. Se compra outro computador, se esquece das roupas, se compra outra carteira, e se tira outra identidade (a minha está parada em 1998 quando sujei minhas mãos de tinta de tirar impressão digital e, ao tentar limpar sem sucesso, manchei o uniforme de escola e a folha da prova). 

E fui indo. Deixei de ter medo naquela cidade onde não se pode ter medo. Já tinha sido tudo. Já havia me enfiado em lotações pra chegar numa avenida paulista que não conhecia, já tinha parado na mão de taxistas que criam em Deus e tentavam a terceira faculdade, já tinha passado um dia sozinha lendo miguel e seus demônios do lado de um velho que tinha um filho que tinha acabado de sair do hospital depois de ter sido pego por uma bala. As balas perdidas de uma parte de são paulo que eu não conheci, mas que tava estampada na cara do velho de boné sujo dentro da livraria chique, e no livro. Já tinha entrado num ônibus sem saber pra onde ele ia e ficado a mercê de um cobrador de ônibus sonolento (que não sabia onde era o ponto onde eu tinha que descer). Não tinha o que temer. Ia temer o quê? Um estupro, um assalto, uma morte, uma bala perdida, um seqüestro? Que jeito. Eu podia ter morrido enquanto atravessava a rua distraída, também. Podia ter sido pisoteada nas baldeações do metrô, cair nos trilhos, me meter no meio de uma briga na augusta. Só não podia me jogar das janelas dos hotéis, porque as janelas não abrem inteiras. Deixei de ter medo porque meu vô sempre esteve certo "a morte vem quando vem, e precisa de um nome". Não morri porque não tinha que. Atribuo à essa sorte, fortuna, sabe-se lá o que o mérito de eu ter conseguido ir e voltar por todas aquelas ruas, mesmo quando passava das onze da noite, mesmo quando eu não tinha idéia de onde estava, mesmo quando minha consciência gritava que era melhor pagar um taxi. Eu nunca pego os taxis que a minha consciência manda, e prefiro os riscos. 

Dessa vez, dessa vez nada, eu só não tinha mais medo de morrer. Nem de nada. Eu via toda aquela gente correndo de um lado pro outro nas baldeações, e era tudo mais ou menos como um daqueles filmes em que a cidade corre, sabe? Aquela cidade era uma imensa crise de pânico. Uma vez eu tive uma crise de pânico e era como se todos os carros fossem aquelas luzes dos filmes, que formam feixes de luz. Eu quase me encolhi no cantinho da porta do mercado, mas continuei até chegar em casa. Nesse dia percebi que o único caminho é continuar, e é por isso que eu continuava mesmo quando eu queria dar meia volta pra trás. A ligação entre as linhas não é um projeto inteligente, tampouco eu sou um projeto inteligente de ser humano. Eu, que nunca decoro os caminhos de cor porque não confio em mim, e prefiro sempre ler as placas, elas, as placas, certas do que estão apontando. O outdoor da claro me mostra que as distâncias não existem na era das telecomunicações e eu achava isso uma mentira sem fim. Olha ali, a distância entre duas pessoas é feita mesmo quando elas estão tão próximas que podem tropeçar uma na outra. Ele se distanciava de mim a cada vez que eu pisava nos seus sapatos distraída e ia se irritando enquanto esquecia de segurar a minha mão. A distância, senhora operadora de celular, começa a se fazer quando duas pessoas andam nas rua lado a lado e já não se seguram as mãos. A distância definitiva entre dois corpos vai se fazendo em presença. 

A distância fatal entre nós se deu quando estivemos tão intrinsecamente grudados que meu vômito sujou a camiseta dele. O que mata é a intimidade indesejada, não a distância (in)transponível. Eu não morri naquelas ruas que separavam a estação trianon-masp do hotel em que estava hospedada. Também não morri no meio daquela gente de show que me deixa claustrofobica, nem no avião que balançou tanto que as comissárias tiveram que encerrar o serviço de bordo feito com bolacinhas de setenta e cinco centavos. Não morri de dor quando chorava tanto que achava que meus olhos seriam capazes de secar a ponto de na areia deles ser possível cultivar cactos, que eu mandaria de presente embrulhados em papel bolha para que ele não mais se machucasse com os meus espinhos. Não me joguei da janela da sacada, nem morri de desidratação. Não morri por uma simples razão: não tinha que. A morte vem quando vem. É igualzinho amor. Amor vem quando vem e quando não vem é preciso matá-lo de vez com um nome. O nome desse foi "comportamento inadequado", mas podia ter sido até o jeito errado de dobrar as pernas, meses depois. Um já desgastado caio de redes sociais onde nos conhecemos diria que: eu poderia me aprofundar nisso e concluir que você não gosta de mim o suficiente, porque se você gostasse, gostaria também da minha tosse, dos meus dentes escuros Mas a conclusão no fim é mais simples e certeira, como a morte: não foi dessa vez. 

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