Eu acendo meus cigarros, dizem que o pulmão vai sentir os estragos disso daqui dez ou vinte anos, mas foda-se. Pra quê as pessoas querem viver tanto assim, afinal? Pra verem mais guerras, para serem despedidas de mais empregos, para terem mais desilusões amorosas? Não condeno os fumantes, nem os que abusam do álcool, nem aqueles que correm com seus carros desembestadamente nas rodovias perigosas. Não condeno quem pula de para-quedas, e nem quem sai de moto sem capacete. Não condeno quem anda na chuva sem guarda chuva, nem quem usa drogas. O instinto de auto preservação não serve pra nada, a não ser que você tenha uma família, pessoas que dependem de você, uma perspectiva de vida. Eu não tenho. Acendo um cigarro atrás do outro e espero mesmo que meu pulmão fique preto. Apodreça. Tanto faz. Cinco, dez anos a menos de uma vida besta tipo essa não faz diferença alguma. A vida não é uma ciência exata, tipo matemática, tipo física, tipo qualquer coisa que seja. E mesmo que fosse, mesmo dentro dessas exatidões existe o caos, existe a teoria da improbabilidade, o Gato de Schrödinger - o gato pode estar vivo ou morto, ninguém sabe. É tudo muito relativo. De repente sua vida toda vai se configurando em alguma coisa maravilhosa e, por algum imprevisto, um evento mínimo destrói toda a felicidade. E tudo vai por água abaixo, tudo aquilo que você demorou anos, meses, semanas pra construir. Podem haver universos paralelos, dezenas deles, onde a gente é feliz e bem sucedido, ao contrário dessa merda aqui - onde tudo sempre dá errado; mas hoje a realidade é essa daqui: destrutiva. Não há porque acordar de manhã, não há o que produzir, não há um futuro com que sonhar. Se foram os amores, todos eles, por causa das razões mais bestas possíveis: um desencontro, um sábado desastroso, uma falta de comunicação na hora em que não devia ser. Também, não há nem quem culpar; as coisas seguem seus cursos naturais, sejam eles quais forem. Eu nunca mais tinha ouvido coltrane, me encontro aqui, no segundo maço de cigarro destruindo minha vida com jazz e tabaco: eu não podia ser mais clichê. Eles me deixaram, todos eles que podiam me deixar me deixaram. Os amigos, os grandes amores, as grandes perspectivas, minhas grandes teses. Me sobrou a solidão. A solidão, minhas peças de teatro, meus filmes, minha dezena de livros inacabados. Minha vida é isso, esse projeto sem começo nem fim, sem plot incrível, sem intervenção artística nenhuma.
Seria mais fácil ser mais uma dessas pessoas que correm do jeito que dá, do jeito que podem, mesmo que tropecem, mesmo que ralem seus joelhos e acabem por dividir garrafas de vinho com gente que nem gostam muito. Pra mim tudo isso não interessa. Achei o caminho do cinema, gosto das paredes do meu quarto, não sinto necessidade de companhias vazias, sejam elas quais forem. Tenho medo, muito medo que a vida se torne essa coisa morna, essas escolhas malfeitas, esse eterno "estou aqui porque não tenho nada melhor". Se não é tão bom assim eu fico na minha. Eu, meus cigarros, meus disco de jazz envelhecidos. Eu, meu cabelo fora de corte, e as unhas sempre por fazer. É que no fim pode ser que tudo isso não tenha sentido algum. Eu tenho medo é das ponderações, de todos aqueles que não comem carne porque pode entupir as veias, dos que morrem de medo de morrer de câncer, de excesso de sódio; tenho odiado quem pratica exercícios regulares e não come carboidrato depois das seis da tarde. E que se fodam também, todos aqueles com suas certezas idiotas, sobre as suas coisas idiotas, sempre apontando dedos nas caras dos outros: "ei, você devia ir por aqui, porque por ali não vai dar tão certo assim". A vida é feita de fracassos. Todos eles, fracassos enormes. Ninguém que não fracassou, que não sentiu vontade chorar no meio fio, que não tomou um litro inteiro de vinho num dia de desespero sabe o que é viver de verdade. A gente pode estar vivendo tudo isso e descobrir que não havia mesmo sentido algum. A questão toda consiste em aceitar o mistério, aceitar que nada é certo - nem o teorema de pitágoras. Não se sabe se o gato dentro da caixa está vivo ou morto, se amanhã tem sol, se acordaremos vivos, se seremos felizes. Nada é tão exato assim. Nem as equações matemáticas, nem a chegada do homem à lua, nem a engenharia, nem os melhores escritores dos melhores livros, nem a língua portuguesa. Ninguém pode dizer que o amor vai durar pra sempre, as suas certezas bobas podem cair por terra amanhã; e eu posso viver 80 anos fumando todos os dias, enquanto alguém morre fazendo cooper depois de uma vida inteirinha dedicada à saúde. Nada dura pra sempre, meu amor. Nem eu, nem você. As vigas que constroem o prédio onde eu moro um dia ficarão carcomidas, minha pele enrrugará, seu cabelo vai cair; não seremos tão bonitos - e nem tão jovens. As paredes do meu quarto vão ter outra cor daqui alguns anos e a grande verdade é que, nada importa tanto assim frente ao todo. Nada. A grande questão é como a gente pretende levar essa vida que leva. O sentido é a gente que cria. O resto é descartável. Inclusive eu - e você.
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