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7.9.11

ring out

Fracasso é isso, é não acontecer aquilo que estava previsto, é uma curva no lugar errado, é bater de cara no poste, é ter que lidar com o inevitável, a curva mal feita da vida. Assim são os imprevistos do mundo. Estava acostumada com o fracasso, o gosto de ferrugem e sangue na boca, o soco, a queda, as mãos raladas. O correr correr e acabar chegando a lugar algum. Sensação inevitável à todo aquele que está vivo. Desculpem, fracassamos. Fracassamos nas manhãs, nas noites, nas tardes, nos céus azuis, nós fracassamos o tempo todo, todos os dias. Todo dia tem um pouco de fracasso e raiva, de expectativa frustrada, de tristeza de fim de tarde. Todo dia tem um pouco daquilo que não foi. Poderia ela quem sabe, bater na mesa, maldizer o mundo, sair sozinha na rua gritando tudo aquilo que não deu certo. Mas o mundo não é assim, tem dia que não é hora e pronto. Senta-se, toma um café, esquece-se daquilo, respira-se três vezes e continua-se a jornada. Viver não permite que se agarre tudo com a mesma mão, mesmo que às vezes pareça possível - ou até mesmo necessário. Amores escaparão pelos dedos, felicidades sumirão por entre as copas das árvores e às vezes não existe poesia nas sextas-feiras à noite. Nenhuma poesia, nem aquela felicidade embriagada, e os carros passam com suas luzes acesas, suas músicas altas e na sua vida tudo é só um desassossego meio sem nome e nem porquê. É que às vezes a vida não é feita pra fazer sentido, a vida é feita pra te dar soco na cara, pra te fazer cair, pra te deixar sem jeito de levantar. A vida é feita de entremeios meio estúpidos, de fases de transição que são tipo a adolescência. A vida fica com uma voz estranha, espinhas na cara e não sabe direito como se portar. Talvez seja isso, esse terrível entremeio de não saber direito o que se vai ser no momento em que se acorda de novo. Difícil isso, o não-saber. O fracasso enraizado em todos os pequenos momentos, os pequenos desgostos, os pequenos goles de solidão as duas da manhã. Viver nem sempre é sorte e muito poucas vezes é feito de amor. Até podia ser, até podia ser, mas houve imprevisto, não era a hora, e não foi.

2.9.11

confundo relação com inércia

Eu confundo demonstrar afeto com comida, com jogo de videogame, com pipoca com ajinomoto as duas da manhã. Confundo demonstrar sentimento com raiva, com furor, com obsessão. Sofro do mal do frio na barriga, da proteção exagerada para comigo mesma. Tenho pavor de relacionamento. Fiquei infeliz, fui infeliz, amei na hora errada, apareci entregando os papéis como uma daquelas alunas desastradas - que vejam só, eu também fui - que tropeçam em seus tênis com cadarços desamarrados e acabam por derrubar tudo no chão. Sofro de desencontro, de desencanto, de muito desencanto nas horas erradas. Imagino as relações como aquela hora em que você se pega olhando pros seus pés e se dando conta do erro terrível que é dividir a vida com uma pessoa. Trabalho com prevenção de erros, com o menor esforço. Leis quanticas das relações humanas em que, sabendo que o desinteresse posterior é inevitável, o interesse então é uma variável nula. Zero. Qualquer interesse é transformado em zero, tudo vezes zero é igual a nada. Nada. A única palavra definitiva que parece fazer parte do meu vocabulário.

Te ofereceria bolinhos de chocolate em pequenas forminhas e te daria a mão, ocasionamente, mas desconfortável. Não gosto que me peguem na mão, acho intimidade demais. Sexo é ok, dois corpos desconhecidos vagando numa cama com um objetivo meio comum. Pegar na mão significa alguma coisa como querer tocar outra parte com a ponta dos dedos. As mães seguram nas mãos de seus filhos em seus primeiros dias na escola dizendo simbolicamente que estarão com eles naquele momento dificil. O calorzinho da mão que significa apoio, proteção, eu-estou-olhando-por-você. Tocar na mão é mostrar a outra pessoa pro mundo, é se dar conta da existência dela no mesmo espaço que você. Correntes eletromagnéticas passam por vocês, troca de calor, choquinhos por problemas de eletroestática. Dar as mãos é de certa forma permitir que, por algum momento por menor que seja, a outra pessoa esteja dividindo o seu espaço no mundo com você. Eu não gosto de dividir o meu mundo, entenda - eu tenho medo.

Talvez seja possível me levar pra jantar, me olhar nos olhos, me beijar na testa. Talvez eu goste e comente qualquer coisa sobre o lugar ser agradável, duas piadas, dois sorrisos. Nunca o verbalizar o sentimento, nunca o pegar na mão, nunca o encostar no ombro por iniciativa. É como se, com sentimento, eu fosse uma massinha de modelar. Com algum cuidado ela pode virar um pedaço de coisa concreta, mas deixada de lado é apenas um rolinho de massa colorida que em potência podia ter virado uma coisa concreta, mas em ato é só aquilo que sempre foi. Uma semana, duas, um mês. Te olharia nos olhos e me certificaria que existe qualquer-coisa-que-seja dentro de você. Não acreditaria. Esperaria - no paradoxo mais incrível do ser - por uma prova concreta. O que querem dizer seus risos, seus olhares, seus convites? Eu preciso da palavra - eu, que guardo a palavra até o último minuto - eu preciso da palavra pra ter certeza. E até ela, a palavra, é incerta. Eu já menti milhares e milhares de vezes, e você pode mentir também, e então esperaria por um olhar apaixonado, mas sem nunca fazer nada para que ele acontecesse. Seria pra você como uma musa, uma obra de arte, uma coisa que merece ser admirada pelo simples fato de existir. A não-reprocidade do amor que existe entre uma coisa viva, e uma natureza morta.

Sou um pouco aquelas estátuas de pedra das lendas. Só fico viva com um pouco de lágrima. O sentimento me faz renascer. E tendo certeza do sentimento verdadeiro do outro, correspondo. Correspondo numa estranha ação-e-reação. Tudo que você me der, eu sou capaz de dar de volta, só que um pouco de energia que é disperdiçada no processo. Volta então o impulso pra você, mas com um pouco menos de intensidade. O sentimento enquanto leis da física. Atração, repelir, ação e reação ou a completa inércia. Eu confundo sentimento com lei matemática, programa de tv, palavra dita ao acaso, convites aceitos sem titubear.

Na cadeia-alimentar do sentimento, sou um ser inanimado, mecânico, pré-programado com algumas funções básicas. Respondo, alimento, te ofereço um chá. Qualquer coisa assim, que não tenha sentimento demais envolvido, dispendio de energia, não sei falar de saudades, de gostar, de amor (existe?). Não é que eu não sinta. Eu sinto. Penso em mil coisas pra dizer, ouço em loops musicas bonitas, re-conheço o sentimento nos filmes, nas novelas, nos seriados baratos. Ensaio um texto, uma ação, uma mensagem de celular, até uma ligação quem-sabe, tenho vontade eu quase-vou. Mas acabo perdida, em casa, no meio de um telefone que não vai tocar, e penso num bilhete, um recado, um sinal de fumaça. Termino enfim comendo um chocolate, e escrevendo mais um capítulo da antologia poética de mais um amor que não existirá. Amor esse que figurará nas páginas perdidas da história da minha vida destinadas às inúmeras vezes em que confundi demonstrar sentimento com comida - e nem fiz a receita por medo de errar a mão.

1.9.11

O amor é uma musica que eu não sei os acordes

(ou como estragar relações em apenas três acordes).

Não sei lidar com sentimento.
Primeira verdade universal da minha vida, primeira pessoa do singular. Não sei.
Da única vez que amei (e foi a única assim, indivizível) percebi tarde demais, porque nunca soube brincar de amor. Difícil conseguir enxergar uma coisa com a qual nunca houve um contato anterior. É como tentar reconhecer uma mesa como mesa, sem nunca ter visto uma. Se dá outro nome, se inventa, não se sabe muito bem a função da coisa nunca-antes-conhecida. Havia o ciúmes, e uma coisa grande que às vezes fazia chorar de dor, e às vezes fazia chorar de não caber. Desconfiei daquilo ser amor pelo que eu já tinha lido nos romances. Uma urgência, uma vontade de ter a coisa pra si sem que necessariamente a coisa tenha que ser sua. Se necessita do sentimento por, não se necessita da coisa em si. Só soube do amor que tinha quando te vi partir, e daí já era tarde demais. Disse quando me declarei, errada, sem postura, gaguejando e tropeçando naquilo que sempre soube usar bem - as palavras - que morava em mim o descompasso. Descompassada. Só sei dançar no sentimento fora do tempo, pisando nos meus próprios pés. Acho que ainda sinto os calos.

Depois de você, deu-se a eterna procura de um outro sentido. Amar traz um sentido ao existir. Um sentido só teu, um sentido que aparece meio desavisado. Eu te amava nos meus livros, nas músicas que você tinha me dado. Te amava nas lembranças de casa, no sofá da sala, nos pequenos souvenirs que ficaram, aqui e ali. Eu te amava na ausência, na falta, na necessidade. Te amava porque sem você eu era a mesma menina descompassada que tropeçava nos próprios pés e caia ralando o joelho - só que sem mão pra segurar e rir junto, o que deixa a vida toda de um erro-sem-fim.

Eis que houveram as novas relações e como não pisar nos próprios pés, como dançar no ritmo da música, como não ralar o joelho? Existe uma regra? existe um jeito de nascer uma compreensão sem precedentes da parte que precisa receber o amor de que você não sabe lidar com aquilo? Não sei responder. Não sei responder porque da única vez que amei cai nos joelhos do ser amado quebrando os dentes e sangrando a boca. Da única vez que amei descobri que o amor tem data de validade e desencontro. Descobri o amor quando não mais me amavam, não soube demonstrar quando devia e aí, acabou-se. Depois entrei numa busca sem fim de entender como lidar. O amor nasce? Se encontra o amor? Quando ele começa a acontecer você diz? Ou você espera sentada no seu sofá por um manual de instruções?

Não sei brincar de amor.

Difícil dizer, fazer um retrospecto, admitir de joelhos sangrantes que o fracasso sou eu. Simples dizer que tenho em mim um espírito de liberdade aguçado, que guardo em mim expectativas que as pessoas nunca serão capazes de alcançar, que sou incapaz de lidar com sentimento de um jeito que não seja trágico. É simples me explicar assim, por vício. Olhar pras novas pessoas que entram na minha vida e dizer: "olha, eu sou um fracasso, e provavelmente eu não vou atender às suas expectativas. Porque eu não sei fazer isso". Não sei se aprende-se isso. Coisas simples. Mandar mensagens de felicitações, parecer equilibrada, chamar pra tomar um café. Sou incapaz, me desculpem, sou. Veio errada a tecla que ensina como lidar com seres humanos. Comigo ou você me leva e me ganha, ou esquece de mim. Esperar qualquer coisa que seja da minha iniciativa é pedir demais, é esperar demais, é se frustrar. E daí, o amor que nem chegou a existir vai embora, e eu, ajoelhada no chão peço mais uma chance. Geralmente já é tarde demais. É como ser um daqueles cubos mágicos embaralhados demais pra querer juntar as cores certas. Quando chegar ao fim pode ser que compense, mas você prefere deixar o cubo de lado. Muitos movimentos, voltas, quebrar a cabeça, ficar com raiva, querer jogar o cubo no chão. Esse cubo que, até você compreender a sua esquisita lógica, não vai atender aos seus comandos.

O amor é o meu inventário do irremediável.

Dizem que os melhores cozinheiros erram no almoço de casa. Aprendi a escrever sobre amor, entendo na teoria, seria a melhor namorada-amante-companheira-de-aventuras do mundo, mas no fim das contas, você acostuma a ser aquele cubo mágico esquecido no cantinho da escrivaninha. Viajantes vão chegar, querer aceitar o desafio. Alguns vão durar mais, outros desistir na primeira volta, outros vão tentar bastante. E quem sabe um dia coloquem todos os meus pedaços nas faces certas desse meu existir. Mas eu sou poeta e não aprendi a amar.

E o amor é essa canção que eu insisto em cantar - mas não sei o tom. 

23.8.11

questo silencio dentro te

ninguém me entedia muito bem, era meio normal que nem todo mundo compreendesse que às vezes o problema todo dessa minha confusão era justamente essas pessoas todas tentando me dizer o que fazer, que eu não devia ficar sozinha, que eu devia me importar mais com as pessoas, ligar pra elas, dizer que eu sinto a falta delas. E eu até sinto, mas é essa obrigação que a gente acaba tendo com os outros que me mata, essa rotina. Eu tentava explicar que pra eu me sentir completa eram terrivelmente necessários esse momentos em que eu ficava só, completamente só. Eu e minha música, eu e meu quarto, eu e meus livros. Tem dia que a gente não precisa de companhia pra viver, e tudo bem. A auto suficiência parece errada, mas é o único jeito que eu aprendi de saber lidar comigo.

Eu tentava explicar esse monte de coisas pra Camila e ela me olhava como se eu fosse um desses extraterrestres, essas coisas que pertencem a algum planeta distante. Eu sei que eu olhava pra ela segurando o copo de cerveja e dizia "mas é que é assim, sabe? eu amei uma vez e amei demais e quando a gente ama demais a gente sabe que qualquer coisa que a gente sinta menos que aquilo não vai ser o suficiente". Daí ela me dizia que eu tinha que tentar, que eu tinha que me envolver mais com as pessoas, que eu tinha que correr atrás da minha felicidade, porque a felicidade a gente busca, ela não cai num potinho em cima da gente como chuva no meio do verão. Só que eu pensava que cai, cai sim. Felicidade quando vem, aparece sem avisar e todas as vezes que a gente corre atrás dela a gente tropeça. Amor também, forçar amor é tropeçar num sentimento que foi feito pra te sugar que nem coisa grande, imensa, não pra ficar colando tijolinhos com argamassa pra ver se de repente forma um castelo. Ou é, ou não é.

Tinha esses dias que eu tinha muita vontade de contar o quanto quando um amor é grande ele fica guardado ali e você aprende a conviver com ele. Não se deixa de viver, mas a gente sabe, a gente sempre sabe que certas coisas simplesmente não serão tão imensas e às vezes, às vezes na vida a gente quer escolher coisas imensas e não quer se esforçar pras coisas rasas, então é melhor ficar barquinho na correnteza do que se esforçar, remar, lutar contra as correntes do ártico e do pacífico pra no fim chegar numa dessas terras que a gente nem queria tanto desbravar assim. Não tenho querido muito nenhuma dessas terras que me aparecem, eu acho que também é um direito da gente a gente querer conhecer vários países e não criar uma casa em nenhum deles. Eu acho que sim.

E ela me dizia que não, que é necessário criar pequenas casas pra ver como funciona a cultura local e de repente eu não queria ouvir mais nada, só falar. Só falar que tudo que eu queria naquele dia, e não só naquele dia, era sair por aí sem rumo, e eu ia sozinha mesmo, não importa, às vezes cansam essas pessoas do lado da gente olhando a gente como se a gente estivesse falando uma bobagem imensa, mas não é como se doesse, é só um cansaço porque não há de se esperar compreensão de quem nunca entendeu o seu universo do jeito que ele é. E então eu queria sair andando, descobrindo esses pequenos novos universos que vivem em cada pessoa, mas só descobrir, porque o que me importa é a descoberta do novo território, não a conquista. Não quero conquistar nada, nem fincar bandeirinhas, nem mesmo dar nome a uma nova civilização. Só descobrir que elas existem, fazer contato, trocar a identidade cultural e depois partir. Porque eu gosto de descobrir e partir. Agora eu gosto disso, é o que eu quero, não tem mal nisso, não tem mal em gostar de ficar sozinho, tem mal em ser solitário. E a Camila me olhava, e não entendia nada. "Às vezes existe mais solidão com outra pessoa do que sozinho em casa" eu disse. Ela não concordou. Mas tinha entendido.

20.8.11

O vazio cresce cinco metros e explode.

A alma de escritora permanece intacta. Mas as palavras, as palavras se formam em brasa e se acabam em cinza. Existe a necessidade de me gritar para que quem sabe alguém me ouvisse. Sou um desses universos em expansão, um câncer, qualquer coisa dessas que aumenta e vai tomando conta. Tomo conta de mim, não me caibo, não me aguento e às vezes me sinto profundamente infeliz. Preciso de alguma coisa que valha a pena. O amor não existe só em forma de romance e a vida não acontece só lá fora. O que a gente precisa é de sentido, de vontade, de gana, de um jeito bonito de se viver. O que eu preciso é da palavra, viva, em forma de texto que derrama e vira um pedaço de mim vivendo no papel. O que eu preciso é da catarse, de ver a alma subindo, sumindo, fazendo sentido, pulsando. Preciso me apaixonar por alguma coisa, sentir o vento bater nos cabelos, correr e sentir a boca secar, saber que no mundo ainda há vida. Preciso de um pouco de vida. Dessa vida que não vem dos outros, essa vida que nasce de mim e derrama, daí vira palavra. É possível viver enclausurado numa masmorra. É possível fazer do meu quarto um universo particular. É possível existir sem ter com quem dividir o próprio mundo. É possível a existência de um ser humano sem que as suas idéias sejam entendidas ou sequer ouvidas. É possível viver e nunca mais querer um grande amor. É possível aguentar que todos os meus amigos sumam, que todos eles me abandonem em troca de novas vidas, é possível conseguir sobreviver num estado de solidão completa. Só não é possível viver sem dividir a existência, o ser. Só não se pode deixar de mostrar que de algum modo meu coração ainda pulsa, que bombeia o sangue, que está vivo. E o meu modo de estar viva é a palavra escrita.


Se me morrer a palavra, eu também estou morta.