Eu confundo demonstrar afeto com comida, com jogo de videogame, com pipoca com ajinomoto as duas da manhã. Confundo demonstrar sentimento com raiva, com furor, com obsessão. Sofro do mal do frio na barriga, da proteção exagerada para comigo mesma. Tenho pavor de relacionamento. Fiquei infeliz, fui infeliz, amei na hora errada, apareci entregando os papéis como uma daquelas alunas desastradas - que vejam só, eu também fui - que tropeçam em seus tênis com cadarços desamarrados e acabam por derrubar tudo no chão. Sofro de desencontro, de desencanto, de muito desencanto nas horas erradas. Imagino as relações como aquela hora em que você se pega olhando pros seus pés e se dando conta do erro terrível que é dividir a vida com uma pessoa. Trabalho com prevenção de erros, com o menor esforço. Leis quanticas das relações humanas em que, sabendo que o desinteresse posterior é inevitável, o interesse então é uma variável nula. Zero. Qualquer interesse é transformado em zero, tudo vezes zero é igual a nada. Nada. A única palavra definitiva que parece fazer parte do meu vocabulário.
Te ofereceria bolinhos de chocolate em pequenas forminhas e te daria a mão, ocasionamente, mas desconfortável. Não gosto que me peguem na mão, acho intimidade demais. Sexo é ok, dois corpos desconhecidos vagando numa cama com um objetivo meio comum. Pegar na mão significa alguma coisa como querer tocar outra parte com a ponta dos dedos. As mães seguram nas mãos de seus filhos em seus primeiros dias na escola dizendo simbolicamente que estarão com eles naquele momento dificil. O calorzinho da mão que significa apoio, proteção, eu-estou-olhando-por-você. Tocar na mão é mostrar a outra pessoa pro mundo, é se dar conta da existência dela no mesmo espaço que você. Correntes eletromagnéticas passam por vocês, troca de calor, choquinhos por problemas de eletroestática. Dar as mãos é de certa forma permitir que, por algum momento por menor que seja, a outra pessoa esteja dividindo o seu espaço no mundo com você. Eu não gosto de dividir o meu mundo, entenda - eu tenho medo.
Talvez seja possível me levar pra jantar, me olhar nos olhos, me beijar na testa. Talvez eu goste e comente qualquer coisa sobre o lugar ser agradável, duas piadas, dois sorrisos. Nunca o verbalizar o sentimento, nunca o pegar na mão, nunca o encostar no ombro por iniciativa. É como se, com sentimento, eu fosse uma massinha de modelar. Com algum cuidado ela pode virar um pedaço de coisa concreta, mas deixada de lado é apenas um rolinho de massa colorida que em potência podia ter virado uma coisa concreta, mas em ato é só aquilo que sempre foi. Uma semana, duas, um mês. Te olharia nos olhos e me certificaria que existe qualquer-coisa-que-seja dentro de você. Não acreditaria. Esperaria - no paradoxo mais incrível do ser - por uma prova concreta. O que querem dizer seus risos, seus olhares, seus convites? Eu preciso da palavra - eu, que guardo a palavra até o último minuto - eu preciso da palavra pra ter certeza. E até ela, a palavra, é incerta. Eu já menti milhares e milhares de vezes, e você pode mentir também, e então esperaria por um olhar apaixonado, mas sem nunca fazer nada para que ele acontecesse. Seria pra você como uma musa, uma obra de arte, uma coisa que merece ser admirada pelo simples fato de existir. A não-reprocidade do amor que existe entre uma coisa viva, e uma natureza morta.
Sou um pouco aquelas estátuas de pedra das lendas. Só fico viva com um pouco de lágrima. O sentimento me faz renascer. E tendo certeza do sentimento verdadeiro do outro, correspondo. Correspondo numa estranha ação-e-reação. Tudo que você me der, eu sou capaz de dar de volta, só que um pouco de energia que é disperdiçada no processo. Volta então o impulso pra você, mas com um pouco menos de intensidade. O sentimento enquanto leis da física. Atração, repelir, ação e reação ou a completa inércia. Eu confundo sentimento com lei matemática, programa de tv, palavra dita ao acaso, convites aceitos sem titubear.
Na cadeia-alimentar do sentimento, sou um ser inanimado, mecânico, pré-programado com algumas funções básicas. Respondo, alimento, te ofereço um chá. Qualquer coisa assim, que não tenha sentimento demais envolvido, dispendio de energia, não sei falar de saudades, de gostar, de amor (existe?). Não é que eu não sinta. Eu sinto. Penso em mil coisas pra dizer, ouço em loops musicas bonitas, re-conheço o sentimento nos filmes, nas novelas, nos seriados baratos. Ensaio um texto, uma ação, uma mensagem de celular, até uma ligação quem-sabe, tenho vontade eu quase-vou. Mas acabo perdida, em casa, no meio de um telefone que não vai tocar, e penso num bilhete, um recado, um sinal de fumaça. Termino enfim comendo um chocolate, e escrevendo mais um capítulo da antologia poética de mais um amor que não existirá. Amor esse que figurará nas páginas perdidas da história da minha vida destinadas às inúmeras vezes em que confundi demonstrar sentimento com comida - e nem fiz a receita por medo de errar a mão.
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