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26.9.12

Sobre caiaques e perdas

(pedacinho daquilo que um dia espero, quem sabe, chamar de livro).


(...)Foi nesse ano que elas tiveram a fantástica ideia que eu me declarasse pra minha primeira paixão platônica e, por consequência, levasse o meu primeiro fora. Fernando era um menino loiro e de olhos claros que se sentava na minha frente e torcia pelo grêmio. Conversávamos muito. Eu queria que ele fosse meu namorado, embora pouco soubesse sobre o que é "namorar" e soubesse menos ainda o que é esse tal de "amor". Um dia essas amigas me disseram que se você mandasse seu endereço e telefone pro homem amado, chegaria uma carta de amor. Coloquei meu endereço e telefone na agenda do Fernando que abriu o papel na minha frente e mal pôde disfarçar sua cara de susto. Após o incidente, Fernando nunca mais me dirigiu a palavra. Fiquei pensando se toda vez que alguém ama alguém, mas essa pessoa não o ama de volta, é necessário cortar o contato por completo. Cheguei à conclusão que sim. Eu também não conseguia olhar direito pra cara do Fernando. 

Um dia eu machuquei meu pescoço. Um incidente trágico. Corria por entre barracas recém montadas pra festa junina do colégio e enrosquei o pescoço no arame. Caí de cabeça no chão. Umas pessoas mais velhas me levaram pra enfermaria onde eu só queria que a minha mãe chegasse logo. Quem chegou foi o Fernando, trazendo em mãos uma cartinha que me dizia que eu tinha passado de ano já no terceiro bimestre. Eu agradeci. Nunca descobri se a professora obrigou ele a levar a tal carta lá embaixo, e ele foi, achando cada passo mais perto da enfermaria um passo pro inferno; ou se ele mesmo tinha levantado a mão e se oferecido pra levar a cartinha pra mim, num sinal de compaixão, caridade ou amor reprimido. Seja o que for, esse foi um dos últimos encontros com o Fernando. Ele se mudou pra uma outra cidade que nunca descobri qual era, mas preferi fantasiar que ele tinha voltado pra Porto Alegre e estava torcendo pelo grêmio. "Pelo Fernando eu torceria pelo grêmio". Esse foi o meu primeiro contato com o amor tangível. Pelo Fernando, eu torceria pelo grêmio.


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