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2.9.12

todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite

molho minha camiseta do surfista prateado com as lágrimas que agora tem caído fácil. suspiro as dores de um sábado vazio onde sair de casa não curou a dor. erros sucessivos. as três pessoas dividindo o espaço comigo não me preencheram e tampouco me satisfizeram os croissants de creme de baunilha, porque eu acho que queria o de chocolate. enquanto isso, o dinho ouro preto, em sua horrenda camisa de seda roxa, cantava canções de uma época em que eu sentia amores possíveis. thiago deve se lembrar da nossa primeira discussão ideológica sobre a qualidade musical do capital inicial. ele, deitado no meu colo, me olhando com os olhos verdes e o rosto magro dizia não entender minha predileção por esse pop-rock nacional de quinta, e eu gritava "foda-se, você é que não entende que eu tenho gostos normais". anos depois estaríamos nós dois rindo da queda que quase matou meu ídolo juvenil, que eu não achava mais tão genial assim. dinho ouro preto era então magro, velho, desgastado e dizia ter se livrado das drogas por conta do filho. nós dois pensando em ter filhos e se largaríamos os vícios por conta deles. não tinhamos vícios. ele largou o cigarro por minha causa e eu tinha dito que ok, fumaríamos um, qualquer dia desses em que eu não tivesse mais medo de morrer. ele ria dizendo que "então nunca" e eu retrucava dizendo que ele não sabia nada sobre mim. o meu amor acabou antes dele saber que hoje meu medo da morte tende a zero porque a vida me açoitou antes mesmo de eu figurar ter a mais leve das doenças graves. 

hoje, enfim, um dia vazio cheio de reflexões. todas as horas pareciam trazer em si dias, e eu não queria nada do que tinha me sido apresentado. minha mãe um pouco aflita, achando que eu tinha tido alguma desilusão amorosa e eu prevenindo que não, não mais uma, não agora. meu pai timidamente me convidando pra jantar, mas não era isso também que eu queria. eu não queria nada, bem da verdade, a não ser coragem de dizer tudo isso que entala na garganta da gente e não sai de jeito nenhum. eu queria sentar num bar, numa rede, na cama, no motel, na puta que te pariu e contar qualquer coisa sobre os meus medos, minhas impossibilidades, meu dedo que cala antes que eu disque o número que quero discar e convide pra uma cerveja. eu queria dizer sobre isso, sobre as minhas inseguranças, sobre esse medo que eu tenho de amar e ser amada depois que eu tive essa desilusão enorme. eu queria dizer sobre as minhas escolhas erradas e contar sobre toda a trajetória estúpida que me trouxe aqui onde eu estou, destilando ódio encroado, de camiseta de super-herói e calcinha de algodão furada, querendo chorar no fundinho da cama debaixo da coberta quente pedindo pelo amor de deus pra alguém me dar uma mão, um beijo de boa noite, um peito pra encostar e dizer que "olha, vai ficar tudo bem, não importa, e mesmo que não fique eu fico aqui com você". essas bobagens ridículas, qualquer bobagem ridícula dessas com filme ruim na tv, com cafuné e café porque meu deus a vida açoita e dói. 

a vida açoita e dói em tudo aquilo que a gente cala. eu já calei tanta coisa dentro de mim que agora só me resta chorar às quatro da manhã e quase pegar a garrafa de bebida escondida dentro do meu armário, aquela merda de licor st. remy que ninguém toma e ficou aqui então pra que eu desse um fim ou levasse numa outra festa. mas não pego garrafa alguma, não pego o telefone, não desabafo com ninguém que eu acho que eu errei demais para que eu consiga consertar qualquer coisa que seja, e olha, eu tô triste e fodida. fodida e mal paga num sábado ridículo onde ninguém vai me tirar pra dançar. tudo complicadíssimo dentro desse meu coração que já não bate, fica apanhando, porque eu não sei, não sei mais lidar e não sei dizer nada do que eu quero dizer. e nem são umas coisas enormes, não é amor nem paixão que arrebata é só uma vontade besta de estar junto nesses céus azuis dessa cidade de merda com suas cervejas caras demais e sua gente moderna demais. é só uma vontade grande, quase que infinita de não aguentar mais tudo isso, essas amizades tortas que ora te amam ora te deixam a ver navios. de aparecer e me deixar eu já estou farta, meu coração já apanhou mais do que devia esse ano. esse ano ele apanhou o suficiente pra ficar estirado no ringue e estão fazendo contagem até agora porque ele não levantou. e não vai levantar nem com bolero e nem com samba, não vai levantar com a minha força de vontade, florais, drogas, qualquer merda assim. 

eu me sinto cansado e penso: mea culpa, mea máxima culpa, porque eu devia ter sido mais doce quando era o momento de ser doce, mas como saber? como saber que eu ia correndo pra porta da onde sairia o macaco e ia deixar o presente na porta que eu não quis escolher? como saber que o resto do meu ano estaria fadado à falta de fome, de luz, de vontade, de comida, à falta, falta, falta e toda a falta do mundo reunida? agora eu fico aqui, tentando reparar meus erros e não consigo. daí ensaio qualquer coisa, me enrolo, escrevo um novo texto, boto qualquer música no meu iPod e saio pra correr no parque com a esperança de alguma iluminação espiritual ou que alguém esbarre em mim sem querer e me tire de tudo de uma vez, das dúvidas todas, e me mostre um novo caminho, um novo encantamento, um novo bilhete no meio do livro, um novo coração batendo rápido, um outro medo de perder que não seja esse, velhinho, enferrujadinho que eu nem sei mostrar que tenho. molho a minha camiseta de super herói que já não sou com essas lágrimas que tem gosto de cansaço. o cansaço de lutar contra o crime sozinha, sem liga, sem robin. O cansaço de ser um super herói meio ridículo, como esse surfista prateado que estampa minha camiseta verde e velha. O cansaço de saber que ainda aguenta uma vida toda correndo sozinha, mas queria alguém, só de vez em quando, pra segurar na mão, pra pegar no colo, pra oferecer café, pra ajudar a carregar o mundo. Que pesa, meu deus, como pesa. 

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