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25.9.11

eau de perfume

Lembro. Quero dizer alguma coisa, qualquer coisa assim que invadisse todos os sentidos, os poros, que fizesse uma sinestesia da alma. Qualquer coisa que fizesse a alma ter cor, gosto, cheiro, que desse pra pegar a alma com a ponta dos dedos. Ensaio. Ensaio mil e uma vezes o melhor jeito de dizer, sem que pareça muito, sem que pareça pouco, sem que pareça nem demais e nem raso. O suficiente. Queria dizer o suficiente dessa coisa assim, sabe, essa coisa que não tem nem nome nem jeito, nem denominação. Dessa coisa que chegou um dia, de madrugada, não avisou nada, não avisou como vinha e nem se ia embora. Teria nascido a coisa? o que nasceu afinal? nasceu assim de um jeito torto, estranho, linha cruzada da vida. Interferência, atraso, desvio, atalho. Caminho? Seria esse o caminho a seguir? Não sei. Sei que lembro. Lembro e repasso os momentos aqui e ali, num de cada vez, não sei o que pensar, despenso, não sei o que dizer, desdigo, tento escrever e não sai. Canto, canto para mim qualquer coisa assim sobre você, mas não isso porque essa não é a banda certa. Danço na sala, relembro de novo, ensaio uma declaração de qualquer coisa, te dedico todos os versos. Depois te esqueço, te enfio debaixo dos cobertores e saio, sou sozinha, sempre fui, te afasta, te afasta eu não sei o que te dizer. Não hoje, não assim desse jeito, amanhã talvez-quem-sabe, mas amanhã também não, amanhã é muito cedo, ou seria tarde demais? Quando é o tempo certo. Existe? o tempo, senhor relativo das coisas, apressado, cruel. Penso no instante certo e o instante se foi, se perdeu, eu me perdi. O que foi que aconteceu? o que é isso que tem acontecido? Não sei. Esqueço. Lembro de novo. Faz frio. Aquele caminho, sempre aquele caminho. Corro. Corro dez metros, vinte, trinta, cem metros, um quilômetro inteiro e quase explodo. Explodo e depois caminho. Caminho devagar pensando. Lembro. Queria dizer alguma coisa, qualquer coisa, gritar, correr, tentar explicar usando as palavras, um gesto, um cartaz, gifs animados. Queria soar menos brega, menos clichê, mais madura, queria uma ficção bonita, inventada pra dizer tudo isso. Tudo isso o que? Nem eu sei. Existe? Penso de novo em versos, saudades quem sabe, pipoca às três da tarde, uma metáfora qualquer. Uma história dessas, dois personagens, aventuras, o romantismo está nas pequenas coisas. Pequenínissimas. O mesmo verso cantado da música. Você me faz sorrir. Talvez seja isso. Talvez não. Lembro. Queria uma história inventada, qualquer coisa sublime, sentir orgulho, terminar de escrever e sorrir, explicar tudo isso, mas não consigo. Não sei dizer das coisas vivas. Só das que já morreram. E essa coisa sem nome se faz viva. Viva demais. E invade como esses perfumes baratos que impregnam. Invade e fica no nariz. Esse cheiro de perfume. E eu, que sofro do medo ancestral de perder tudo, prefiro me afastar. Me dissipo no ar como o perfume que não dura. E acabo por não dizer nada.

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