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23.9.11

Saber amar é saber deixar alguém te amar.

"No dia em que ocê foi embora eu fiquei, sozinho no mundo sem ter ninguém, o último homem no dia em que o sol morreu." Lenine - O último pôr do sol.

Ouvi essa música e dei de chorar. Foi assim, terça feira no trabalho, de tarde, uma merda. Uma merda dessas que me deixou improdutiva,  sem vontade, sem jeito, sem nada. Pensei em amor, é claro, só podia ser a falta de amor, de um amor qualquer, daquele amor. Achei que era. Acordei no outro dia, num sopetão, escrevi um outro texto desses, caramba, mais um sobre o único amor que eu tive que se foi. Só sei escrever sobre isso talvez, o tempo todo assim, esse repetir das coisas que eu já nem sei se sinto. Digo que não sei porque tenho sofrido de saudades, uma saudade imensa, uma nostalgia que me faz quase-chorar a cada vez que eu repito essas histórias de nós dois, nós três, nós quatro, nós cinco. Sofri de angústia, a semana toda. Não soube lidar. Achei que o problema comigo, depois botei o problema em você, estive descontrolada, mal, falando demais, me derramando em todas as redes socias, em todos os lugares que podia. Quase pegava na mão das pessoas e pedia pra elas conversarem comigo, pra por favor me ouvirem, olha pra mim eu preciso de atenção, eu preciso contar essas histórias pra vocês, essas coisas que me afligem tanto, preciso contar essas crônicas desse amor que se foi, esse amor que eu preciso, esse amor que eu perdi. Preciso contar do dia em que ele foi embora.

Achei que precisava. Achei que o problema todo era ele. Sempre ele.
Não era. Não dessa vez.
E talvez não tenha sido nas outras também.

Existe uma coisa em psicologia que se chama "processar o luto". O luto não processado parece causar uma espécie de problema, a curto ou a longo prazo. O luto não processado deve causar câncer. Metaforicamente falando, ou talvez não, que seja. No último ano, esse ano que passou, eu acabei perdendo muita coisa. Engraçado, só de escrever isso vem lágrima no olho. Meu melhor amigo mudou pra são paulo no fim do ano passado. Eu, essa desajeitada do sentimento, não soube direito nem chorar a partida dele. Me lembro de ter dado um abraço nele, lá embaixo, depois de uma noite de jogar videogame. Subi o elevador meio atônita. Chorei um pouco sentada no sofá e dormi. Acordei no outro dia lidando com isso como uma espécie de sonho. Quando ele se foi chegou o outro amigo. Ele também tinha data pra ir embora. Março. A gente aproveitou esse dezembro-a-março como se fossem os últimos meses da nossa existência. As noites em casa, na balada, no carro. As bebedeiras, as conversas, as saídas pra comer iscas de frango. A sucessão de festas que deu pra gente as últimas três semanas mais maravilhosas antes da ida dele. Em março ele se foi. Eu não consegui chorar no aeroporto. Eu não sei chorar as partidas, eu não sei nem dizer "eu vou sentir sua falta".

Antes deles tiveram as pequenas perdas. A amiga que começou a namorar e não mais nos emprestava a casa dela. O amigo que começou a namorar e parou de nos chamar pra dançar na sala. A gente era assim. A gente tinha essas tardes de tomar rum com coca e ouvir smiths. Depois acabava a vodka, o rum, a coca e sobrava as músicas. A gente conversava e conversava e conversava. E dançava na sala. E tinham também as tardes de macarrão e brigadeiro e conversar. Tenho sido nostalgica das tardes no shopping tomando coca e conversando. Tenho sido nostalgica de tudo, de tanta coisa que se eu fosse contar encheria três páginas inteiras. Mas esse não é o ponto. O ponto é que as pessoas foram sumindo, uma a uma, e eu fui agindo como faço sempre. Como se fosse normal, o curso da vida, como se eu não me importasse, não sentisse falta. No intervalo de um ano eu perdi todos os meus melhores amigos. Todos eles. O que sumiu da minha vida depois começou a namorar. O que mudou pra são paulo. O que foi pros estados unidos. E fiquei aqui, bicho solto nesse mundo, e meu deus o mundo é imenso pra gente se cuidar sozinha. Até daquele que eu achava chato às vezes porque me fazia dançar salsa no meio da sala e dizia que eu devia beber mais eu sinto saudades.

Depois que vocês se foram eu nunca mais me derramei inteira pra alguém. Vocês foram embora levando minhas noites de conversa sem fim, meus desabafos, minha depressão entendida. Ter que lidar com o mundo sozinha, meu deus, é muito dificil. Ter que lidar com um mundo de só sair pra beber, só sair pra dançar, nunca contar como vai a minha vida. As pessoas aqui não tem mais tempo pra isso, gente. E com as que tem eu ainda não criei essa intimidade. Só vocês me conheciam assim, tanto, pra sempre, desse jeito. Eu sinto a falta de vocês três como se tivessem tirado meu braço direito. Saudades de tomar coca no shopping e sair pesado de tanto pensar. Saudades de rum com coca, radiohead, smiths, dormir no sofá. Saudades de dançar em rodinha no meio da sala. Saudades de fazer macarrão no almoço e ficarmos todos até as dez da noite, conversando e só. Saudades de vocês, caralho, saudades de vocês. Saudades do videogame, dos videos do youtube, saudades do jeito que a gente cuidava um do outro, mesmo sem perceber. Saudades de não precisar sair e ficar sempre-sempre na loucura porque a nossa presença nos bastava. Saudades de vocês.

Saudades de vocês que eu só consegui processar e enxergar agora. Eu, que não chorei a partida de nenhum de vocês. Que não consegui contar pra ele o quanto ele me fazia falta. Que não consegui chorar nas outras duas despedidas. Que falho redondamente em mandar recados dizendo que sinto saudades. Eu, que principalmente, falho em dizer pra mim mesma o quanto eu fiquei sozinha, incompleta, sentida com a partida de cada um de vocês. Eu, o ser desapegado e autossuficiente. Eu, a independente, tenho estado perdida na vida desde que vocês se foram. Faz falta. Sinto falta. Queria vocês de novo. E hoje chorei o luto.

De resto só digo que sei que tenho falhado redondamente nas minhas novas relações. Tenho sido arredia, medrosa, esquisita, fugitiva. Não sei lidar. Não sei lidar com a possibilidade de outra pessoa que eu goste muito sumir de repente da minha vida. Daí prefiro assim, essa distância segura, esse descaso, esse meu jeito de nunca me contar demais, nunca olhar nos olhos, nunca convidar pra uma nova saída. Desajeitada, tropeçando nas palavras, me despejando demais e sendo inevitavelmente cruel.  É dificil recomeçar. Dar o primeiro passo, se abrir de novo, lidar com novas pessoas, entender que elas não te entendem tanto porque nem te conhecem tanto assim. Porque você não deixa elas te conhecerem tanto assim, então nem tem o direito de exigir. Engraçado enxergar tudo assim, às seis da tarde de uma sexta feira com chuva e se derramar num blog.

Sofro do terrível medo da perda do ser amado. E o ser amado nem sempre é o homem amado. Talvez essa tenha sido a grande epifania do dia. A maior delas foi ter percebido que eu chorei porque de fato "fiquei sozinha no mundo sem ter ninguém" me sinto "a ultima mulher no dia em que o sol morreu". Mas não porque me foi tirado o ser amado. Mas sim porque me foram tirados os amigos, amados, lindos, queridos, necessários.

Eu também preciso de outros seres humanos pra viver, mesmo que eu não saiba dizer isso com palavras. Eu sinto saudades de vocês, tanto, tantas. Mas a vida é sobre enxergar os erros e tentar recomeçar. A vida é sobre não saber como lidar, e ter que lidar.

Um desabafo que ninguém vai ler,  ou o texto menos literário e mais importante do ano.
I'm going back to the start.

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