Nunca entendi o porquê de não gostar tanto-assim de todas as histórias de amor cults do universo cinematográfico. No mundo cinematográfico existem as comédias românticas feitas para o "público em geral" e as comédias românticas feitas para um clube mais seleto. No segundo grupo se encaixam: "brilho eterno de uma mente sem lembranças" "500 dias com ela" "before sunrise" e "bafore sunshine". Coicidentemente o kaufman e o linklater, os diretores desses filmes, escreveram alguns dos filmes que eu mais gosto na vida. Só que os em que eles falam de amor simplesmente não me encantam. Hoje eu finalmente assisti "before sunrise". O filme conta a história de um casal que se encontra num trem indo pra viena e acaba por passar uma tarde e uma noite apenas juntos, sabendo que eles iriam partir pela manhã. No meio disso há diálogos sobre questões da vida, arte, amor e é claro, beijos e algum romance. Os diálogos são bem trabalhados, a história é fascinante, existe magia. Mas não me encanta. Eu me enxergo na personagem, mas não me sinto tocada. Tudo isso me fez pensar e repensar mil razões e porquês. Porque se eu me acho tão parecida com clementine the tangerine, ou com a francesa da sequencia de antes de amanhecer e antes do por do sol, eu não consigo me emocionar genuinamente com elas? por quë esses filmes que de certa forma retratam partes de mim não figuram entre os meus preferidos? A resposta veio na cena do jogo de perguntas entre os personagens de "antes do amanhecer". Eu fiz um jogo de perguntas, uma vez. Igualzinho. A partir daquilo eu consegui entender que eu não gosto desses filmes, porque esse romance já existiu na minha vida. Existe. E quando uma coisa retrata apenas a realidade, ela não é interessante. É preciso o sonho, a idelização, o mais-alguma-coisa.
Eu imagino que milhares de meninas assistam esses filmes e queiram ser clementine-the-tangerine. E queiram achar um joel. Talvez elas esperem um dia em viena conversando sobre assuntos variados e tomando vinho no parque. Diálogos interessantes, jantares, dançar no meio da rua, tomar vinho no parque, falar de sexo abertamente, discutir política no meio de um jantar romântico. Coisas-que-só-acontecem-no-cinema. O que eu presto atenção quando penso na minha vida é que todos os meus relacionamentos - dos mais duradouros aos que duraram uma noite - tiveram em si essa aura de aventura. Sempre dividi com meus amores, amantes, ficantes, homens, essa espontaneidade. Eu já discuti assuntos seríssimos andando de mão dada na rua. Já beijei no meio da calçada as três da tarde. Já dancei nos lugares onde ninguém dançava. Já rolei na grama do parque numa quinta feira à tarde. Fiz piquenique. Levei vinho pra tomar no chão do quarto. Ouvi beatles na cama. Discuti cinema, literatura, política, minha vida, deitada na cama olhando pro teto. Andei na montanha russa e na roda gigante do parque. Andei na montanha russa infantil do shopping. Levei bichinho da máquina de ursinhos do playmaster. Namorei no parque da rodoviária. Me agarrei em cantos escuros. Demonstrei amor em lugares públicos. Saltitei na rua de mão dada. Sentei no chão do carrefour. Pedi dinheiro no sinal pra dividir coca cola no shopping. Discuti sobre vida, morte e deus, na sacada da minha casa as sete da noite. Comi pipoca discutindo jean baudrillard e sua relação com matrix a uma da manhã de um dia de semana. Falei de existencialismo. Dancei na sala. Passei uma noite com um cara que ia embora pela manhã, também. Sabíamos que era a última noite das nossas vidas. Vimos pulp fiction na última noite da nossas vidas. Tentamos fazer de pulp fiction uma narrativa linear. Não conseguimos. Acabamos algum tempo depois. Não nos encontramos seis meses depois em viena. Mas foi bonito, enquanto durou foi bonito. Tudo na minha vida foi muito bonito enquanto durou.
Talvez eu tenha dificuldade em ver beleza nesses filmes porque eles fincam a beleza na coisa transitória. O amor vai acabar no momento seguinte. Personagens intensas, sempre. Todas as minhas relações nunca foram pautadas num "seremos felizes pra sempre". Eu nunca nem tinha certeza se ia continuar vendo a pessoa amanhã. Ou daqui uma semana. Na verdade, eu até hoje parto do pressuposto que todo encontro é na verdade e último e me espanto quando acontece o próximo, e no próximo eu já vou achando que vai ser o último e assim por diante. Sempre o último. Nada vai durar pra sempre. Nem pra sempre, nem até amanhã. Meu namoro mais duradouro se deu no meio da distância. 1000km de distância. Encontros mensais. Tinhamos que aproveitar todo tempo juntos como se fosse o último momento das nossas vidas. Ele me fez almoço ao som de vinícius de moraes pra dançar na sala. Ele discutiu a abertura de um restaurante chamado sgt.peppers comigo na praça de alimentação do shopping, num domingo. Ele sabia tudo que eu pensava sobre todos os assuntos do mundo. Ele sabia tudo que eu pensava sobre tudo. Precisávamos nos descobrir enquanto tinhamos tempo juntos. Nos embrenhavamos em aventuras impensáveis, roteiros turísticos improvisados, conversas que não acabavam nunca, encontros amorosos em lugares insusitados. Tinhamos urgência um do outro porque sabíamos que nos dispediriamos pela manhã. Essa manhã que às vezes demorava uma semana, mas às vezes dois ou três dias. Cada minuto com ele precisava ter em si pequenos pedaços de eternidade. Conversávamos sobre qualquer assinto, bebíamos qualquer vinho, entrávamos em qualquer restaurante. Ele me tinha como queria, eu o tinha do jeito que bem entendesse. Sempre. Corremos pra são paulo pro show das nossas vidas. Brigamos e nos amamos ao som de radiohead. Experimentamos os novos drinks, as novas músicas, vimos todos os filmes que podíamos, conhecemos todos os lugares. Nos amávamos intensamente, brigávamos intensamente, tudo intenso. Tudo como se o mundo fosse acabar pela manhã. E ia. Ela ia embora. Eu ia ficar. Nossa vida ia voltar a ser separada. Nossa relação era sazonal.
Só sei ter amores, amores talvez não seja a palavra, mas relações assim, lindas, dignas de filme alternativo. Roteiro do linklater. Conversas, diálogos bem elaborados, garrafas de vinho, música bem escolhida, coisas compartilhadas, risadas e todos eles, todos eles sem nenhuma exceção, encontros felizes que tinham em si o karma de se acabar pela manhã. E por isso tinha de ser intenso. "Essa por ser a última vez que eu te vejo". Essa vai ser a última vez que eu te vejo. A próxima é um acidente. A próxima já é a última. Nunca soube prometer nada, nunca soube lidar com regularidade, não sei o que são amores que se comem pela rotina, não sei o que é ver dvd no domingo, sair pra jantar, não querer agarrar cada minuto com as mãos porque aquele minuto pode nunca mais acontecer. Não acho o amor bonito nos filmes porque eu já vivi tudo isso. Não em viena, não fazendo anjinho na neve, não com casas se dissolvendo e programas para apagar o amor da sua vida de sua memória, mas já tive. Já tive os diálogos incríveis, já me abri sobre a minha vida, já ouvi muito sobre a vida de todos eles, já dancei, já me acabei, já passei madrugadas acordada discutindo a vida, já perdi todos os meus pudores, já passei vergonha, já fui muito feliz. Em momentos com data de validade, mas muito feliz. Eu não preciso dos filmes. Eu tenho a minha vida. A vida que às vezes é tão arte quanto a própria arte. A vida que também está programada pra acabar no momento seguinte e precisa ser vivida com intensidade. Eles todos me deixaram num trem e nos despedimos prometendo nos ver. Talvez aconteça, talvez não.
Vocês vêem beleza no inesperado e eu vejo beleza na rotina, no dia-a-dia, no trivial, no previsível, no calmo. Talvez porque só se enxergue a beleza naquilo que ainda não se tem. Queria experimentar um dia, a regularidade. A certeza do encontro no outro dia. A certeza do ter, talvez. Talvez eu odiasse. Talvez eu descobrisse que isso não é pra mim. Insatisfação. Love is a losing game. E eis que descubro que continuo jogando pelo prazer do jogo, e nunca - quase nunca - pra ganhar. Até que chegue o dia, quem sabe, o dia.
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