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25.5.08

Labios compartidos e vinho barato.

Quando eu te conheci, obviamente, você não parecia ser nada disso que eu vejo hoje. Ou isso que eu vejo hoje não é nada do que eu tinha conhecido. Eu não sei te explicar com certeza. Sei que estou acordada de madrugada, vinho barato na mão – daqueles que você adora, contrariando todas as minhas pretensões de parecer uma pessoa culta, porque no fim eu concordo com você que esse álcool melado sabor uva é quase melhor do que os vinhos caros que eu tomava antes de te conhecer – na taça, porque você tem que saber que eu também não gosto dos copos plásticos e nem dos de requeijão. É o que você chama de frescura, e o que eu chamo de não-sei-o-que-mas-eu-gosto-assim.

Pois estou eu aqui, nessa cena dramática de menina-que-mora-sozinha-e-bebe-de-madrugada, esse cigarro fedorento que você odeia numa mão, a taça de vinho de quatro reais na outra. Minha cabeça meio tonta, já se foi meia garrafa. Você vai me olhar – se você estivesse aqui, mas eu faço tudo como se de algum modo você estivesse me olhando – e dizer que eu não devia estar bebendo tanto e eu deveria parar de fumar. Eu sei de tudo isso, e na verdade, eu já parei de fumar. Por sua causa. Mas eu não te disse ainda e eu estou fumando aqui na sacada pra fazer um charme. Eu ainda gosto das formas que a fumaça toma em contraste com esse céu escuro. Você devia ver, ia gostar de tirar fotos disso. Você gosta mesmo das fotos em que eu não apareço.

Estou com o celular na mão, pronta pra te ligar outra vez, mas já é uma da manhã e você atenderia esse celular com aquela voz de sono de porque você me acordou dessa vez e hoje eu não estou com paciência pra isso. Eu só estou pensando em você, porque pensar em você é como respirar. Não era. Nunca foi. Lembro ainda do dia em que te vi pela primeira vez, aqueles seus cabelos mal cortados, seus tênis horrorosos, sua voz abafada e sua total falta de jeito para comigo. Eu não sei quando isso mudou, mas hoje sou eu que não tenho o mínimo jeito com você. Mas estou aqui, essa taça de vinho barato, minha dor de cabeça, meus pés gelados nessas meias sujando com essa poeira infernal, meus pensamentos suicidas desencorajados e você. Essa minha vontade de te esganar e essa coisa de pensar que você pode muito bem não estar dormindo e sim pensando em outra pessoa, vendo umas fotos de uma qualquer aí ou até mesmo ligando pra alguém nesse exato minuto que eu penso em lugar pra você. Você não é meu. Você só exerce um poder de auto-destruição sobre mim que os psicólogos adorariam estudar. Mas não precisa. Eu tenho noção exata do que acontece. Eu deveria te largar com essas suas calças mal cortadas, seu tênis sujo, sua mania de vinho ruim em copo de plástico, suas convicções estúpidas, esse seu jeito de se achar quase melhor do que todo mundo quando na verdade você é tão medíocre quanto. Devia te deixar aí, num canto com seu sorriso e com esse seu otimismo débil. Você devia ir embora levando as suas conversas e sua mania de não se preocupar comigo.

Esse frio que congela meu rosto. Se você estivesse aqui não ia fazer diferença nenhuma salvo eu ter meia garrafa de vinho a menos e não poder fumar. Você não é do tipo que empresta sua blusa. Além disso, eu não ia nem poder estar ouvindo essa musica em espanhol decadente e melosa que você deva odiar mais que tudo e que eu acabaria desligando pra colocar um dos seus róquiandiróusmodernetes e discordar de você quanto a melhor música do álbum, escolhendo justamente a que você mais odiou. Se você estivesse aqui, não ia me deixar ver televisão e ia implicar com essa mania de eu resolver fazer outras coisas que não ler no meu tempo livre.

Mas o que eu estava pensando mesmo, é que, não que um dia eu tenha achado que eu ia casar com você nem nada. Mas é que eu imaginava você e seus blockbusters, sabe? Esses seus heróis de brinquedo, suas brincadeiras infantis de um homem quase formado. Achei que eu sempre ia te achar a mesma conversa insuportável de sempre. Achei que eu nunca te ajudaria se um dia você chegasse vomitando na porta da minha casa, porque afinal de contas, eu odeio ajudar pessoas e principalmente as pessoas vomitadas. Mas eu me preocupo tanto... E eu não sou do tipo que se preocupa, você até deve saber disso. Mas você dorme no sofá, suja meu banheiro e eu te dou meu cobertor. Eu agüento o cheiro de azedo e ainda te digo que não me incomodou – mesmo tendo vomitado junto com você por causa do seu vômito – e que você pode contar comigo quando quiser. Você sorri, se desculpa com sua educação primorosa e me agradece com alguma piada que eu nunca riria se não tivesse sido você que tivesse me contado, simplesmente porque é estúpida. Assim como você.

Aí você me empresta um dos filmes que se eu tivesse visto sozinha eu acharia que era o tipo-de-filme-que-voce-meteria-a-boca-por-ser-tremendamente-sentimental. E aí não é. Eu choro, mas mesmo assim detesto as cenas que você amou e choro justamente na parte que você não prestou atenção. A parte que você não prestou atenção era a essência do que era eu, mas eu nem me surpreende porque você não presta mesmo atenção em mim e mesmo assim me conhece mais do que eu imagino saber.

Eu estou bêbada, essa sacada minúscula. Essa fumaça inundando todo o cubículo em que não cabe ninguém, eu aperto quando é você e eu, mas hoje eu me basto. Eu, as minhas taças de vinho barato, a fumaça do cigarro fazendo uns desenhos interessantes no céu escuro enquanto eu dou minhas baforadas e pareço uma dessas alternativóides que gostam de meninas e meninos e que usam franja, essa dor de cabeça e você dentro dela. Eu te desejo todas as coisas boas, você até deve saber disso e se eu soubesse melhor o que eu estou pensando eu te contaria amanhã logo que eu acordasse e resolvesse te ligar, como já é costume. Mas não, eu nem vou saber o que eu fiz essa noite e vou acabar dizendo mesmo que eu conheci uma música nova de uma banda que eu odiei, mas eu vou dizer que é legal só porque eu tenho certeza que você ia gostar.

Alguém me olhando de longe, um maço de cigarros acabado, uma garrafa de vinho também, agora só uma taça vazia e quente, meias sujas, frio sem blusa e pensamentos percorrendo você chamaria isso de amor. Eu chamo de qualquer-sentimento-e-ou-relação-se-é-que-se-chama-relação-dependente, ou eu nem sei que nome eu dou. Sei que a minha cabeça dói, meu hálito tem gosto de cigarro com menta – quem inventou essas babaquices? – e minha ressaca começou agora por causa desse vinho que você me ensinou a tomar. Mas dói mais ainda pelas coisas que você me ensinou a ser e mais ainda por saber que uma eu-sem-você ia ser completamente mais vazia do que essa que se embebeda e fuma enquanto ouve esse maná-música-de-novela-ja-no-puedo-compartir-tus-labios sem saber muito bem o que é compartir, mas sabendo que tem alguma coisa essa coisa de no compartir a ver com o que eu chamaria de nós se soubesse e se pudesse ser, mas que vai ser sempre você e eu.

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