Você é podre. Grande coisa, eu também sou. Somos todos podres, somos todos humanos, somos todos uns animais, farinha do mesmo saco.
Você é podre sim. E eu só estou falando isso porque eu também sou. E eu também sendo tenho todo o direito de falar. Tenho todo direito de te mostrar que a gente é podre.
Você está aí com suas roupinhas bonitas, seu rosto bem maquiado, seu banho tomado e seus livros. Isso não faz de você uma pessoa boa. Você é podre como eu, e eu sou podre como você.
Dentro de você jazem sentimentos mesquinhos. Você parece ser um modelo de pessoa, você vive dentro das etiquetas sociais impostas. Tem uma porção de coisas que escondem sua podridão, mas o fato é que você é bem podre. Você também se preocupa só com você mesmo, você fica julgando os outros como se eles fossem muito piores que você. No entanto, eles são simplesmente tão podres quanto você.
Quando não tem ninguém observando você é ciumento, você desejaria que pessoas sumissem da sua vida. Você sorri pra pessoas que você não gosta, só pra ser simpático e não fala na cara das pessoas o que você acha delas. Você finge gostar de todas as pessoas que você não suporta e finge não se importar com as pessoas que ama. Você tenta ser legal com seu chefe, com seu professor, é simpático com todas as pessoas que você encontra no elevador porque não pode se passar por uma pessoa mal-educada. Mas aí você chega em casa e é ríspido com sua mulher, ou trata mal a sua mãe. Você sempre arruma um jeito de sobressair sobre seus amigos, de parecer o mais descolado, o mais legal, o mais engraçado, o mais extrovertido e o mais bonito. Mas você sabe que detesta usar essas calças que apertam, essas suas camisetas coloridas, esses seu tênis que te custam metade do seu salário. Você odeia aquele cara com quem você divide a sua sala e a mania ridícula dele de fazer aquelas perguntas idiotas, mas pra não parecer rabugento você ri das piadas dele, quando no fundo quer bater nele com a primeira coisa que você vir pela frente.
Você não gosta de dar o seu lugar pra aquela velhinha que entra no ônibus. E aquele dia que você disse que não percebeu que ela não tinha entrado, era mentira. Você viu sim, mas disse pra você mesmo que estava cansado e fingiu estar distraído demais olhando pra janela. Você se enganou. Só pra não mostrar pra você mesmo que você é mais podre do aquele menino que disse que não ia levantar. Ele foi sincero, você só disfarçou sua podridão. Mas tudo bem, todo mundo faz isso. Podridão a gente não mostra, a gente disfarça.
Você fica desconfortável perto de pessoas gordas, você repara o quanto elas estão comendo e pensa com você mesmo que elas deviam fazer uma dieta para embelezar o mundo. Você olha torto pra todo mundo que não segue aos mesmos padrões que o seu, mas você fala nos jantares com seus amigos que é um absurdo essas pessoas preconceituosas. Quando antes de chegar lá, você desviou de um negro que estava passando do outro lado da rua por medo. Mas você disfarçou de novo sua podridão falando pra você mesmo que nesse mundo de hoje a gente tem que ser prevenido. Isso não é prevenção, é preconceito.
Aquele garoto meio gay que estuda com você... Você não gosta dele. Você sai com ele para parecer descolado e porque todo mundo está indo nos barezinhos da moda ser bissexual e beber vodka com suco de laranja enquanto fuma um cigarro e ouve alguma banda estrangeira que a MTV disse que era boa. Você não gosta dele, tem nojo, sim essa é a palavra, nojo dos bissexuais, veados, é isso que você acha deles, veados e odeia aquela barulheira que eles teimam em chamar de música. Mas você não pode ter preconceitos. Você não é podre. Você é mente aberta. Quem tem preconceitos são os outros. Você é descolado.
Pra falar bem a verdade você não gosta de economizar água. Você adora seus banhos demorados uma hora. Você não economiza água quando está sozinho. Você só recicla lixo porque senão você leva multa, porque na verdade você está pouco se lixando que as pessoas daqui a cem anos não vão ter mais mundo. Você nem vai estar vivo até lá. Você não quer ter filho porque crianças são irritantes e feias. Você joga lixo na rua quando os olhos dos outros não te observam, mas se você estiver caminhando com um amigo e vir alguém fazer isso você chama de “irresponsabilidade social". Você é hipócrita. Mas é melhor ser hipócrita do que ter “irresponsabilidade social". Pelo menos na frente dos outros.
Você vive dando desculpas. Você dá desculpas por ter atrasado, quando na verdade você nem queria ir. Você inventa desculpas por não ter ido ao aniversário daquele seu amigo, quando na verdade ficou em casa de pantufas porque você odeia ele. Você desviou daquele seu conhecido, mas disse pra ele que você estava distraído. Você matou aula e disse pra sua mãe que estava doente. Você disse pra sua namorada que estava com dor de cabeça e por isso não foi encontrá-la, mas na verdade é só porque você não suportava mais olhar pra cara dela. Você derrubou coca naquele seu amigo e achou muito bom, mas você disse que não tinha percebido. Você riu daquela menina que caiu na rua, mas você disfarçou de deu a mão pra ela. Isso são pequenas mentiras! Sim, mentiras. Você não fala mais com aquele seu amigo que mentiu porque você odeia desonestidade. Mas você mente todos os dias, todas as horas.
Você usa carteirinha falsa de estudante. Você roubou doces daquela loja quando ninguém estava olhando. Aquela menina te devolveu dois reais a mais de troco e você fingiu que não viu. Você percebeu muito bem que tinha sido o cara da sua frente que derrubou aqueles cinco reais, mas você fingiu que não viu e pegou pra você. Você tem um gato de internet do seu vizinho e o ponto adicional da sua teve a cabo você simplesmente puxou. Você não está roubando, você está sendo esperto. Todo mundo faz isso e você não quer parecer trouxa. Você reclama dos políticos na mesa do bar, você meteu a boca no mensalão e você é um dos primeiros a esbravejar dizendo que deveriam tirar aquele presidente do poder. Você é tão podre quanto eles, essas pequenas coisas que você faz são pequenos roubos. Em escala pequena, claro. Mas são. Quem sabe se você estivesse no lugar dos políticos que você tanto fala mal você não faria a mesma coisa? Você não estaria roubando, você estaria sendo esperto. Todo mundo faz isso, não é?
Ontem você fechou o vidro na cara de uma menina que estava pedindo, dizendo que você não tinha dinheiro. Você estava cheio de moedas no seu porta-luvas que provavelmente você vai gastar em alguma porcaria porque você odeia carregar moedas. Mas você disse pra você mesmo que não estava ajudando porque não quer contribuir com a exploração de menores. É mentira, você ta pouco se lixando pra esses meninos que estão pedindo por aí. Você tem nojo deles. Eles são sujos, eles cheiram mal e eles ficam te incomodando. Além do mais, eles querem o seu dinheiro. O dinheiro que você vai usar pra comprar um carro com vidros elétricos que vai fechar na cara deles e pra comprar um condomínio fechado pra ficar longe dessa gente feia que emporcalha a cidade. Você ajuda uma instituição de caridade todo mês botando um dinheiro na conta deles. É porque você tem responsabilidade social e se preocupa com os outros. Mentira. Você quer é se livrar da culpa. Se você tivesse que ir lá passar uma tarde com eles, você não iria. Você nem dá comida pras pessoas que vem pedir na sua casa porque eles são um bando de vagabundos. Você sabe que você não suporta essa gente pobre e feia. Mas você não admite e dá sua ajuda mensal. Você é podre. Mas não é só você. Ta todo mundo fazendo essas podridões pra esconder esse monte de coisa feia que pensa. Porque admitir essas coisas é mostrar que é podre. E todo mundo quer mostrar que é bonitinho pra aparecer na coluna social.
Você não se preocupa com política. Você até discute com esses seus amigos que acham que é importante e você não quer parecer um burro alienado. Na verdade, você só se preocupa com o que te afeta. E sinceramente eles ainda não estão te afetando. Eles estão lá roubando dinheiro que vai pra escola e hospital pra tratar dessa gente pobre que você preferiria que sumisse. Você tem dinheiro pra pagar um plano de saúde, ou seus pais pagam pra você e você estudou em escola particular a vida inteira e seus filhos vão ter a mesma condição. Então, sinceramente o que te importa o que eles fazem? Seu bolso continua do mesmo jeito. O único problema é essa coisa de segurança, porque eles, esses pobres marginais, ficam querendo roubar tudo que você “lutou tanto” pra conseguir. Você não liga que eles morram em ataque policial, em rebelião na FEBEM, que se dane. Um a mais, um a menos... Aliás, bem melhor um a menos porque essa gente tinha mesmo é que morrer. Você quer mesmo que todos eles se fodam. Porque eles são todos uns marginais, vagabundos e merecem morrer. Pode admitir, você não liga. E tá tudo bem. Metade dos seus amigos, bem mais da metade deles pensam da mesma maneira. Eles até falam disso fingindo que é brincadeira. Porque isso é o tipo de coisa feia de se admitir que pensa. Então eles disfarçam. Eles estão sempre disfarçando. Você também. Somos todos uns podres, mas a gente disfarça tão bem que a gente até parece bonzinho. E o que importa não é parecer?
A menina famosa da revista parece ser feliz quando na verdade é cheia de problemas. Aquele casal bonito que você viu no jornal parece ser feliz, quando na verdade o marido tem uma amante e a mulher vive na terapia. Aquela menina que senta do seu lado na faculdade parece descolada, mas na verdade ela só bebe porque odeia a própria vida. Aquela outra parece feliz “pegando” todos os meninos que vê pela frente, mas ela só queria ter alguém que realmente gostasse dela de verdade. Aquele garoto rico que você conheceu ontem parece ter uma vida maravilhosa, mas ele só tem tudo aquilo porque os pais dele acham que falta de amor se supre com dinheiro. Aquela mulher que você morreu de inveja na loja ontem porque comprou um monte de coisas parece realizada, mas na verdade ela só comprou tudo aquilo pra ver se escapa um pouco da solidão que ela sente há tempos. E a fica assim, todo mundo parecendo porque admitir que é podre é inadmissível. Você não pode falar que agüenta tal pessoa por educação, que odeia barulho de criança, que não tá nem aí pro meio ambiente, que não se preocupa com política, que preferiria que os bandidos todos morressem, que os mendigos sumissem, que aquela sua amiga fosse embora porque você detesta ela. Você não pode falar a verdade, nem o que realmente importa. Você é podre, mas fica fingindo que é bom. É o que chamam de etiqueta social. Tá todo mundo fazendo isso, vivendo suas vidas como personagens bem-interpretados e bonzinhos quando na verdade todo mundo é mais podre do que imagina. E todo mundo é podre igual.
Você só se preocupa com você, usa as pessoas quando elas são convenientes, não se indispõe com gente que você odeia porque elas podem ser úteis ainda. Você não termina com sua namorada por medo de ficar sozinho e você não admite que ama ninguém por medo de parecer ridículo. Você até comprou um cachorro pra enganar a solidão da sua casa e pra se eximir da culpa de não gostar e nem cuidar de ninguém verdadeiramente. Você é podre. Podre. Podre como todas as pessoas que você julga. Podre porque você fala mal delas quando na verdade só está com dor de cotovelo porque não conseguiu ter coragem pra falar e fazer aquelas coisas podres que ela faz. Você finge se escandalizar, mas você é tão podre quanto.
Mas tudo bem, estamos todos vivendo, superficiais, bonitinhos, bonzinhos, com nossos carros legais, nossos casamentos de fachada, nossas amizades de interesse, nossas opiniões razoáveis. Somos ponderados, razoáveis, educados, polidos, simpáticos e sociáveis. É o que chamam de convivência, de educação, de etiqueta, de sociabilidade... Como você quiser. Não é. É podridão.
E podridão disfarçada debaixo de caras bonitinhas, vozes de veludo, roupas bem cortadas e sorrisos amarelos. O que é muito, muito pior.
Mas é o mundo, você tem que se adequar. Sorria, esconda sua podridão debaixo do tapete como todo mundo e viva sem dizer a verdade pro resto da vida. Pode ser hipócrita, ridículo, feio, mesquinho. Mas não parece. É podre. Mas não parece.
E se não parece, não é. Aparência é tudo. Porque ser podre de fato nesse mundo, é mostrar o que é.
Todo o resto é completamente relevável.
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