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18.5.08

Visões de cima.

( essa postagem merecia a foto ilustrativa. Londrina da sacada de casa, por mim )


É porque às vezes você se enjoa dos clichês. E hoje sou só eu e eu mesma no meu espaço de quatro metros quadrados ou menos numa quarta feira fria e chuvosa.

Não é sobre estar aqui, e nem são somente as luzes da cidade a me entorpecer e a calmaria de ver tudo de cima. Desde os carros parecendo de brinquedo aos prédios e casas não sendo mais que pequenas luzes ao longe cortando o horizonte. As pessoas daqui onde estou, quando visíveis, não passam de formiguinhas. Insignificantes ante a imensidão do céu, a vastidão do horizonte, dentro de seu mundo particular que não posso mais do que imaginar qual é, já que daqui de cima – e algum crédito dado a minha miopia- não se pode dizer com certeza nem qual é a cor de seus cabelos. Imagina-se por algum trejeito ao andar e as cores das suas roupas, se são homens ou mulheres, se estão com pressa ou se não se preocupam com a hora de chegar.

É noite, as luzes do mercado já se apagaram – sinal de que já se passa das dez – e o movimento da cidade é bem menor do que o de horas atrás. É quase possível sentir um certo silêncio, um passarinho cantando e o ruído quase irritante de uma cigarra. A cidade de noite é cheia de esquinas escuras e medos escondidos entre ruas e passos rápidos. A cidade de noite é silêncio e mistério e o barulho de carros à caminho de casa, de diversão ou de coisa alguma. Talvez seja possível que uma dessas pessoas dentro desses carros esteja andando sem rumo pela cidade. Desbravando ruas escuras a procura de despistar as tortuosas esquinas do pensamento, com ou sem sucesso. Não é impossível que um desses carros encontre a morte num poste depois de uma desatenção e dois segundos de erro na virada do volante. É impossível saber. As coisas de cima são mais calmas e amplas. A cidade de cima é só suposição e um olho que tudo vê e quase nada enxerga. A cidade de cima são pontos luminosos ao longe, carros passando rumo a lugares que não sei dizer e pessoas que mal posso enxergar. A cidade de cima é a tela em branco para tudo o que eu quiser enxergar, é minha imensidão porque tudo parece demasiado pequenino e prédios são menores que a palma da minha mão.

A cidade daqui são ruas vazias e um emaranhado de pontos luminosos onde jazem vidas. Vidas de pessoas que nunca vi e talvez nunca veja. Vidas de pessoas que desconheço. Universos particulares como o meu, nunca inteiramente explorados por ninguém, nem por elas mesmas. A cidade de cima é um mistério. É a complexidade que meus olhos andando de um lado pro outro não consegue capturar. É a constatação que o mundo lá embaixo é vasto, rápido, misterioso e absurdamente complexo. Daqui de cima quase tudo enxergo e nada sei. Nada sei sobre a pessoa que está no carro branco a minha frente e nada sei sobre aquela outra que atravessava a rua a alguns instantes e agora mal posso ver. Não sei o que passa nas suas mentes, pra onde vão, quantos anos tem e nem mesmo o que aconteceu com elas depois que se perderam do meu campo de visão.

A cidade de cima passa muito rápido. Desvio os olhos para escrever no papel e já é uma nova cena. Assim com tudo. não sou a mesma da última frase. E a cidade não é a mesma de milésimos de segundos atrás. É tudo demasiado imenso, demasiado rápido, demasiado complexo para que não se transforme. Nada posso capturar, apenas observar o quadro mutável da cidade que aparece embaixo dos meus olhos – pequenina, porém imensa. Observo um filme sem personagens fixos, sem história, sem roteiro definido. Tudo que tenho é o que imagino, longe do chão, há metros de altura da cidade ali embaixo, mas ainda assim, dentro dela.

Pareço enorme aqui de cima, cubro a cidade que enxergo com a minha mão. Mas lá embaixo sou mais uma daquelas pessoas pequeninas que não consigo nem distinguir a cor do cabelo.

Sou um olho a observar a cidade, uma mão a lhe escrever uma história. Sou pequena ante o céu sobre mim, imenso, azul, guardando a cidade a girar.

A cidade que observo e escrevo. Mas que continuará a seguir seu caminho depois que eu for embora, ou que pare com a caneta. Podem mudar seus personagens, suas cores, seus motivos. Mas ela continuará. Imensa, complexa, rápida e viva.

Infinitamente.

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