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27.1.12

carta aberta à uma histérica.

(de outra histérica)

Você me disse hoje, (e eu imagino) quase desesperando que não aguentava mais ser assim. Lembro de você dizendo isso pelo menos umas quatro vezes, desde aquele ano em que nos conhecemos e não nos demos tanta bola. Sei que já te disse a mesma coisa, em vários outros momentos ao longo desses anos que povoam a nossa amizade distante de lugar, mas pertinho de alma. Você passou muito presente por todos os meus relacionamentos, aguentou firme meu trauma, me acompanhou em todos os meus flertes sérios ou  sem nenhuma importância. Eu te acompanhei em todos eles também, segurando a sua mão e brigando com você quando necessário. Soubemos xingar o pretendente da outra de "babaca" quando preciso, e soubemos aceitar, resignadas, o veredito da outra. Sempre nos soubemos certas. Eu soube que era verdade quando você me disse que eu idealizava demais, e você soube que era verdade quando eu te disse que você só queria ser amada. Soubemos, de comum acordo, quando estávamos nos envolvendo com homens que não iriam nunca nos encantar. E soubemos entender, compreensivas, porquê tinhamos o vício de insistir naquilo que não ia dar em nada. Torcemos pelos nossos êxitos todos, e seguramos nossas barras em pé. Te ouviria em todas as suas confissões sobre as suas neuroses, e choraria com você em todas as coisas que você estragasse por causa delas. Sei que você faria o mesmo por mim. Você, que apoia as minhas mancadas, que desabafa comigo às custas da tim, que sabe ser meu cazuza enquanto eu sou assim,  seu caio fernando, marilene a incendiária, botando fogo em tudo que vejo pela frente. Rimos juntas e abraçadas de nossas imensas pataquadas mundo afora, sabemos dos nossos vícios de seduzir, sabemos do nosso sintoma, da nossa fofura ensaiada, dos nossos textos bem escritos, da nossa paranoia sem fim. E sabemos também, que é difícil segurar essa barra de não saber amar sem fazer doer. Saimos por aí, fazendo drama antes de saber a razão, apontando dedos que não deveríamos apontar, fazendo pequenas vinganças diárias por coisas que na verdade não nos fizeram. Temos medo de ser machucadas, porque já somos demais, porque já nos destruímos diariamente, então atacamos. Atacamos os outros, jogando pedra em todos os vidros que vemos pela frente, mas acabamos (sempre) cortadas pelos nossos próprios estilhaços. Você me diz, tristonha, que não quer mais ser assim, e eu te ouço como se a voz fosse minha: porque eu também não quero. Não queremos. Mas somos. Vivemos com a dor e a delícia de ser exatamente aquilo que se é. O desequilíbrio que por vezes encanta, o jeito estabanado que por vezes conquista, a força que esconde por trás uma fragilidade imensa, quase infantil. Somos imaturas mulheres em cima de seus saltos altos e seus batons vermelhos. Somos crianças querendo colo, esperneando por atenção, fazendo manha, birra, chantagem, desconfiando da sombra, machucando para não ser machucada, afastando para não se aproximar demais, deixando pra não ser deixada, escarafunchando defeitos para não se apaixonar demais pelas qualidades. Nunca perdemos um jogo, não aceitamos, sempre conseguimos tudo aquilo que queríamos, só não conseguimos viver confortável nessa pele em que habitamos. Somos demais almodovár, latinas, dramalhonas e cheias de tragédias. Somos demais tango, somos demais escândalo, somos drama e paranoia, somos mulheres a beira de um ataque de nervos no próximo segundo. Você me deseja todo amor que houver nessa vida e eu te desejo, clichê, que seja doce. O que sabemos da gente é que quem vê a nossa maquiagem bem feita não imagina que ela derreta de noite, nos nossos choros que tem como única causa o fato de ser assim. E a gente se pergunta em uníssono "pra quê ser assim?". E fica retórico, porque não tem porquê, só se é. Sabemos que somos, e sendo duas, nos entendemos. Eu não te desejaria a pele em que habito se pudesse e eu sei que você não daria a sua, se tivesse tido escolha. Acontece que foi assim, e sendo assim, cabe a gente se apoiar. Não sei se temos jeito, cura, se temos equilíbrio. Sei que me equilibro em você quando acho que vou cair, e sei que você faz o mesmo. Às vezes caímos as duas, estabacadas, nariz e coração sangrantes. O que fica é que a gente sempre levanta. Sempre. Mesmo com o joelho ralado, as lágrimas escorrendo, mesmo com a vergonha do fracasso. Você será sempre a minha histérica, perua-jéssica-lange, e eu sempre a sua histérica pra quem você diz que "uma pessoa, não é como um doce que se enjoa e se diz: não quero mais". Sei de você. Você sabe de mim. Sabemos de nós. Sinto a sua dor, quero também o equilíbrio, a calma, a paz, um lugar pra ser nosso. Quero te encontrar de noite e festejar dizendo que olha, não demos show. Mas quero também que você saiba (como eu sei que sabe e eu sei), que nessa estrada curva que tenta nos levar a sermos pessoas mais sensatas, eu serei sempre o seu caio fernando, e você vai ser pra sempre o meu cazuza. E o clube das mulheres neuróticas vai vencendo assim, um dia de cada vez, porque queremos que todo amor que houver nessa vida seja doce.

(dizer que eu te amo seria egocentrismo. e eu não fiz parágrafos, porque não somos de pausas).

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