(with the efficiency that only youth can harness)
Daí tinha esse cara. eu conheci esse cara no salão de cabeleireiros, numa das primeiras vezes que fui tirar a sobrancelha. Ele usava uma jaqueta azul e preta, e eu só lembro disso porque minha memória não esquece de (quase) nada. Sei a roupa de todos os meus ex-amores (ou quase amores) em seus primeiros encontros. Guardo fatos, memórias, lembranças, bilhetes dentro dos livros, frases de efeito. Guardo que esse mesmo cara do salão de cabeleireiros estudava no meu colégio, e tivemos o que se chama de encantamento mútuo. Ou amor à primeira vista. Mas amor não, porque amor é uma coisa muito definitiva. Tivemos isso. Não sei falar direito, não sei demonstrar, só sabia sentar perto do grupo de amigos dele na hora do intervalo e supor que ele também gostava de mim. Um dia perguntei o nome dele. Duas semanas depois entreguei uma carta me declarando. Não sei o que dizia na carta, faz oito anos desde o ocorrido. Lembro de ter escolhido bem as palavras e de ter dobrado a carta do jeito que todas as meninas dobravam as cartas na época. Havia uma certa moda da dobradura das cartas, a gente se mandava muita carta no colégio. Ainda não existia facebook.
O garoto da jaqueta azul me chamou pra conversar (acho que) uma semana depois da entrega. Ou um pouco antes. Sei que fui, e dotada de certa inexperiência não sabia o que falar. Não soubemos. Qualquer coisa me desencantou nele. Não sei se era o jeito de olhar, ou o nariz meio torto, ou um dente esquisito. Não sei se era isso, ou a minha mania suicida de correr logo depois do objetivo alcançado. Desisti. Deixei o garoto da jaqueta azul pra lá, como quem empurra uma comida que enjoou de comer. Nunca cogitei o fato do tal garoto de jaqueta azul gostar de mim. Pra mim estava tudo bem. Queria, agora não quero mais. Vivemos. Pra ele não foi bem assim. Nos próximos dois anos dele no colégio, ele me olhava com mágoa. Eu não sabia muito bem o que era mágoa, e nem entendia direito o que eu tinha feito. Eu encarava tudo como uma brincadeira, um jogo, um brinquedo que eu queria muito ter e depois não queria mais. Acabava por achar bem engraçado o jeito esquisito com que toda a trupe de amigos dele me olhava. Encontrei com esse garoto na faculdade, algumas vezes. Ele ainda não sabia lidar bem com a minha presença. Mudava de lado do ônibus, evitava, ficava longe. Depois de alguns anos eu fui me dar conta que, talvez esse meu "não querer mais o brinquedo" tivesse magoado ele de verdade. Não tinha mais o que fazer. Estava feito, o estrago. Ele me detestaria, ou pelo menos se incomodaria comigo por causa do coração que eu (quem sabe) despedacei quando ele ainda estava no colegial. O reparo não é refeito, nao existe superbonder pra colar o sentimento. Minhas desculpas seriam falhas demais, e meu arrependimento não mudaria os fatos. Nada podia reparar a minha negligência.
Encontrei com esse cara ontem, já sem a jaqueta azul e preta, mas com os mesmos amigos. Não sei se ele ainda se incomoda comigo. Por vezes tive a impressão que sim. Talvez se eu estivesse mais bêbada, eu me daria ao trabalho de perguntar. Mas, sóbria e coerente achei melhor deixar tudo como estava. Eu vou sumir pela cidade, ele também, faz oito anos do ocorrido e ele encontrará um novo amor. Ou isso, ou algum psicanalista, algum freud, lacan, skinner ou jung darão jeito no mal que eu causei. Fato é que, enquanto eu dançava as músicas ruins e o ambiente me enjoava eu pensava em quantos corações eu já tinha quebrado por pura negligência. Eu juro, eu não faço por mal. Não levanto de manhã e penso "hoje magoarei essa pessoa". Eu só nunca imagino que as pessoas estejam de fato envolvidas comigo. Não o suficiente pra se magoarem. Eu trato sentimento como aquelas crianças descuidadas. Como um brinquedo. Se quebrar, a gente leva na loja e troca por outro. Ou compra um mais bonito. Não assim, frio assim, seco assim, mas assim. Qualquer coisa em mim não sabe cuidar, regar a planta, ser responsável por aquilo que cativas. Li pequeno príncipe aos 12 anos, depois aos quase vinte, mas essa lição eu não aprendi. Até porque, nunca soube lidar com o sentido de "eternamente", palavra que me atormenta e me arrepia até a ponta do nariz.
Fazendo uma retrospectiva, magoei todas as pessoas que já gostaram de mim. Até as que eu não deixei. Quer dizer, as que eu nunca não-deixei alguém. Uma vez fui quase deixada, numa cadeira, chorando, no meio de um monte de bêbados. Eu digo quase porque eu fui deixada de fato, mas anos antes eu tinha deixado também. Foi uma revenge. Talvez não dele, talvez da vida, do destino, não sei como chamar. Mas foi. Não tivesse eu tratado o começo do sentimento com negligência, talvez não tivéssemos nos abandonado. Hoje enxergo assim. Se ele me abandonou, o abandonei também, quando no começo não o quis e escolhi o outro. Sou desapegada talvez por um certo medo de ser deixada, talvez por defesa, talvez por saber que, um dia enjoarei do brinquedo e o deixarei ali, no canto, na caixa de doações. Desapegada, ou alice do closer, que prefere sempre deixar ao invés de ser deixada. Deixei sem nenhum remorso alguns vários amores na minha vida. Porque enjoei, porque conheci outro melhor, porque encasquetei de ficar sozinha. Ajo com total negligência com qualquer relacionamento, falo demais, exijo demais, brigo quando não deve e já magoei de propósito. Sei onde enfiar a agulha pra fazer sangrar a ferida, conheço de pontos fracos, e se me perguntarem direi que não chorarei o luto da partida quando me deixarem. Ou não entrarei na fossa da solidão, se eu os deixar. E não entrarei. Não entrarei porque nunca entrei, porque criei resistência, porque não me permito, porque parto pra outra.
Não sei é cuidar de corações.
Não soube com o menino da oitava série, não soube com os meus outros namorados, com o único homem que julguei amar na vida, não soube com os pequenos casos, com os rolos sérios, com as paixonites de ocasião. Sei que sou altamente destrutiva. Sei que me destrui também no processo, fiquei cansada, amargurada, sem paciência. Sei que já fui mais esperançosa, já pelo menos quis tratar os corações com alguma calma e com algum cuidado, já deixei bilhetes dentro de latinhas com presente, já fiz o doce preferido do amado depois do almoço. Segurava o coração como quem segurava um ovo, com medo de quebrar a qualquer momento, mas tentava. Tentei duas vezes, três, não mais que isso. Agora sei que estou cansada demais, intratável demais, negligente demais. Agora tenho medo do meu "não saber lidar" às vezes afasto de propósito, às vezes sumo sem dar explicações, e na maioria das vezes simplesmente não faço questão. Deixo que o amor floresça ou embolore, do jeito que o outro bem quiser. E se for o caso de dar errado, não vai ser a primeira vez (e nem a última).
Acontece que, ontem, olhando pro cara crescido que já usou jaquetas azul-com-preto, fiquei cansada. Cansei de ser assim, esse desajeito todo, destrutiva assim, saindo das casas e deixando copos quebrados. Fiquei cansada dos meus abandonos e da legião de corações destroçados que deixei por aí, sangrantes, e ainda pisei em cima. Eles com certeza já me superaram, hoje batem muito bem, provavelmente por uma mocinha menos complicada. As mocinhas menos complicadas tiveram que lidar com o coração magoado, mas essas mocinhas costumam entender melhor deles, e devem ter dado jeito. O jeito que eu nunca soube dar. Todos os meus ex qualquer coisa (tirando um ou outro), hoje namoram essas mocinhas menos complicadas, e parecem felizes. Às vezes acho que é a minha sina. Destruir as esperanças de alguém pra que outro alguém revigore a fé deles. Só que de repente, é domingo de tarde e você descobre que cansou disso tudo. De ser intratável, negligente, de deixar os corações cairem no chão e espatifarem que nem ovos. Acontece que eu acho, que a essas alturas eu já também derrubei meu coração no chão e ele espatifou. Me sinto cansada, terrivelmente cansada. Cansada de ser isso, assim, cansada de não ter esperança, cansada de racionalizar os jogos de amor como quem joga poker. Estratégias, respostas, ação-e-reação. Não sei se tem cura. Talvez, à essa altura, seja preciso um outro coração quebrado pra entender o meu. Talvez à essa altura só me reste desistir, continuar, do jeito torto que sei, dançando tango argentino nos corações alheios - e depois partindo. Mas é que pelo menos uma vez, eu queria saber como é ficar. Tem como?
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