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25.1.12

Da lama à pista.

(ou a minha carta de retratação pública)

Estive por alguns dias em uma espécie de retiro. Não esses espirituais, em que as pessoas vão pra cima de uma montanha e esperam a iluminação divina. Pra esses não tenho paciência. Não converso com ninguém fora da internet desde domingo. Estive intratável, perdi um pouco a noção dos dias. Soube que hoje é quarta, porque teve feira na rua de casa. E sei que amanhã é quinta porque, mesmo com um pouco de preguiça, vou à um especial do Bob Dylan. Acho que nem o Bob Dylan me anima mais, e além do mais, o Bob Dylan me lembra de uma época quando nós eramos felizes. Esqueçam os amores, eu quero dizer que na minha vida, todos éramos felizes. Eu ouvia ballad of a thin man indo pra uel, achava minha vida miserável, mas eu era feliz. Tinha amigos que estavam sempre comigo, almoçava com eles pelo menos duas vezes por semana, e nunca tinha muitas dúvidas do que fazer nos sábados, porque eles me encontrariam. Eu tinha um namorado que me amava, e ouvíamos Bob Dylan. Eu tinha um amigo que sinto muita falta e baixamos a discografia do Bob Dylan. Eu era feliz, e ouvia Bob Dylan.

Metade dos meus amigos mudou, eu descobri que meu namorado não era o amor da minha vida, o cara que eu achava que era o amor da minha vida está quase casado, e meus sábados à noite são sempre uma incógnita. Perdi meu emprego, e estou nisso que chamam de "período sabático" em que você tenta desesperadamente encontrar alguma coisa que faça sentido na sua vida. As pessoas mais loucas, ou mais desprendidas, costumam se embrenhar em longas viagens sem rumo pra se distanciarem de tudo e ver se conseguem enxergar alguma coisa. Eu, covarde de tudo, sem paciência nem pra assinar os papéis que faltam no meu velho emprego, fico em casa. Fico em casa, ignoro convites, remoo alguns rancores, e divido meu tempo entre a internet, as mensagens de celular e ver tv com a minha mãe. Achava que o convívio com as pessoas ia me fazer muita falta, mas eu só sinto falta mesmo de um pouco de ar puro. Ar puro, corridas, e tomar café no shopping. Não sinto falta de ter "alguém comigo" porque todas as pessoas que eu convidaria pra um "café sabático" não estão na minha cidade.

É difícil conseguir dizer, ou mesmo entender o que me faz ficar assim, tão apática. Algumas pessoas (e eu não estou dizendo isso como uma agressão), me mandariam pro psicólogo, mas eu não acredito em psicólogos. Desculpem, não agora. Leio demais, comi da fruta da árvore do bem e do mal, que nos enfia na merda do conhecimento, e é isso. Sei que vou discutir com psicanalista, negar freud, perguntar dos arquétipos e dizer que o meu problema não é investimento de libido em lugar nenhum. Mesmo que eu não faça isso, tem me incomodado a ideia de pagar pra alguém conversar comigo. E algum psicólogo ao ler esse texto dirá que eu estou numa fase de negação. E posso estar. E devo estar. E é por isso que sei que, em não estando de coração aberto para a análise, a boicotaria como faço com (quase) tudo na minha vida. Resolvi então ficar sozinha, no conforto do meu lar, me deprimir o quanto eu posso e daí pensar no que raios está acontecendo comigo.

E é difícil, sabem? Porque é muita coisa e você tem que pegar todos os seus pensamentos e dividí-los em caixinhas, até que você consegue achar a verdadeira chave do problema. E até essa chave que você acha é meio duvidosa, então às vezes ela acaba levando à outra conclusão e tudo fica assim, uma bagunça enorme. Eu sei que eu tenho problemas com meus pais. Amo os dois, verdadeiramente, mas sinto falta de ser independente. Sei que tenho problemas com o meu emprego. Gosto de design, mas gosto até a página dois e por isso me frustro com muita facilidade. Sei que tenho problemas com relacionamentos amorosos: desconfio de tudo e de todos, prevejo alguma sabotagem, entro em paranoias terríveis, me descontrolo, desacredito do amor da pessoa por mim e por vezes estrago tudo antes mesmo da coisa engrenar. Sei também que, uma vez tendo frustrado tudo colocarei a culpa no destino e lembrarei desse meu "grande amor" aí que está quase casado (e que eu tenho plena consciência que nem deve ser assim mais tanto meu grande amor, mas me apeguei à idealização). Sei que tenho problemas com algumas amizades, porque não sei estabelecer limites muito claros, e deixo a pessoa me vampirizar, e tudo isso vai me corroendo de tal forma que, chega uma hora em que a única opção é explodir. Mas como eu não sei explodir, eu me afasto. Sei que tenho problemas com foco, com concentração, que sou de rompantes, que sou a little bit histérica, e por vezes um ser humano bastante difícil de lidar. Como vocês podem ver, entendo muito bem os meus dilemas, só finjo que eles não existem.

Finjo que eles não existem assim como finjo que esqueci de pagar a pós (pra não ter que lidar com a minha irresponsabilidade), e finjo que esqueci de ir ao meu ex trabalho (pra não ter que lidar com a rejeição e o fracasso). Finjo que não li os e-mails do meu professor (pra não ter que dizer que eu não fiz nada da minha monografia), finjo que não sei de vagas de emprego (porque não sei se as quero verdadeiramente). Sei que não termino um livro porque tenho medo da opinião dos outros e medo de descobrir que na verdade não escrevo bem, frustrando assim a única coisa que julgo amar fazer. Sei que tenho pouca iniciativa, que devia ser mais pró-ativa, mais independente, que deveria cortar o cordão umbilical da minha mãe de uma vez, mas tudo isso depende de um monte de ações que às vezes eu simplesmente tenho preguiça de fazer. Sei que devia parar de levar todas as minhas relações com esse descaso, que eu devia tomar alguma iniciativa de vez em quando, e não continuar esperando que as pessoas saibam que eu gosto delas só porque aceito os convites pra sair. Sei de tudo isso. Sei que meu desapego é uma defesa pra que não me abandonem, porque parto do pressuposto que tudo que eu amo irá me deixar. Porque nada dura pra sempre. Sei que tenho medo do novo, medo de tentar, medo de pegar as rédeas da minha própria vida, me jogar no mundo, ter peito pra dizer que não quero mais trabalhar com isso ou com aquilo, e que me recuso terminantemente à ter essa vida das oito as seis, ganhando pouco e sem dinheiro pra viajar ou ter uma casa confortável.

Sei que nasci cidadã do mundo, que quero viagens, todas as viagens, conhecer gente, sair sem rumo: mas não consigo sair de Londrina. Tudo isso tem me atormentado. É difícil saber de tudo que acontece e não conseguir levantar do sofá, fazer uma lista de prioridades, e disfarçar o nó na garganta que crescer  dá na gente. É difícil estar presa numa vida que não é sua, numa pessoa que não é você. É dificil ser incapaz de dizer "estou com saudades, vamos tomar uma cerveja" e ir até às ultimas consequências, pagar pra ver, parar de bancar sempre, o tempo todo, àquela que não quer se apegar. É claro que eu não sou a mulherzinha que uma ou outra amiga espera de mim, e minha natureza me torna incapaz de querer namorar o tempo todo, querer sempre estar junto com alguém. Vivo bem sozinha, sou confortável na solidão e não é mentira. Mas por vezes levar a relação até o fim só pra ver no que vai dar, não fosse de todo mal. Sabem? Dar de presente o livro preferido da pessoa no aniversário? Coisas simples. Permitir-se se apaixonar por alguém e ser quem sabe, a namorada, a garota dele.

É preciso também admitir que, na maioria das vezes, quem mais exige da gente é quem menos dá em troca, e colocar o pau na mesa, estabelecer limites, dizer que nem sempre será feita a sua vontade, porque eu tenho as minhas também, e é de ações recíprocas que vive uma amizade verdadeira. Mas eu não consigo nem sair do sofá. Isso posto, digo à vocês que não se preocupem, eu tenho uma visão muito clara de tudo que está acontecendo. E é por isso que eu choro baixinho quando acordo, fico de pijamas, evito o contato social com tudo aquilo que me pressiona, e faço poucos convites. Tenho aprendido a ver prioridades, amar tudo aquilo que me ama de volta, e ser menos exigente comigo mesma. Tenho que tomar providências, muitas delas, todas essas, mas sei que eu tenho meu tempo. Se não acho prudente ter um emprego ou aprender a dirigir agora, não o farei. Se não acho prudente ir à algum lugar, não irei. Aprendi na ausência do mundo que vivo cercada de uma gente muito maravilhosa, e de uma vida que é um pouco enrolada, mas não chega a ser ruim. Tenho muita coisa pra resolver dentro de mim, tenho muita corrida pra fazer sozinha, muito brownie pra comer lendo livro na cafeteria, até ter coragem o suficiente pra dar o primeiro passo. Tenho uma viagem quase marcada pra São Paulo, que pode vir-a-ser meu caminho pra santiago de compostela. Ou pode não ser nada. Tenho um amigo que volta dos estados unidos logo depois do meu aniversário, também com uma vida pra recomeçar. Tenho 23 anos, decidi que começo a viver agora ou não vivo mais. Mas assim, um passo de cada vez. E pode ser que amanhã eu passe o dia de pijamas, não tome nenhuma providência, e só saia pra ver o Bob Dylan, da época em que eu era feliz e não sabia. E tudo bem também.

Sei de mim. Está tudo confuso, mas tudo tem jeito. É no caos que se cria. É da grande explosão que nasce o novo universo. Resolvi me isolar porque tem um mundo explodindo em mim, mas tudo está se reorganizando. Se sentirem a minha falta, me chamem pra sair. Eu sinto saudades também. E, embora não me sinta feliz, me sinto viva. A vida é besta. Mas pode ser boa.

Desculpem qualquer coisa. Apenas começamos.

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