Tinha sido isso, sexo e só. Por mais que exista afeto é impossível amar alguém que se conhece há menos de dois dias. Todo o jogo que tinha sido feito até ali tinha como primordial objetivo terminar na cama. Não era esse o objetivo de todos, no fim das contas? Um jantar, uma bela conversa, taças de vinho, restaurantes caros, comidas rebuscadas, a banda preferida no rádio do carro. Tudo pretendia terminar no encontro de corpos, numa cama qualquer, às três horas da manhã, com o objetivo de testar se ela fodia bem. Estava cansada dos jogos, do que pode e do que não pode, dos homens que se mostravam agressivos depois da presa conquistada. "Você é uma fresca", por vezes ouvia. E não se abalava, porque não tinha comprometimento nenhum em agradar aqueles homens que no fim das contas, não queriam muito mais do que o seu corpo. Ficava ali, inerte, imóvel, fazia o que tinha vontade e às vezes se segurava pra não cuspir na cara desses novos parceiros. Não queria ser nada, não queria nada disso, não exigia de ninguém grandes performances, orgasmos inexplicáveis, dez fodidas numa noite só. Dane-se. Quantidades, desempenho, comprometimento, saber todas as zonas erógenas do corpo de uma mulher. Isso qualquer babaca sabe, tem que saber mesmo como lidar, como tratar, o jeito certo de colocar no colo depois de um dia difícil.
Sentia saudades dos desajeitados, daqueles que de nervoso não conseguiam desabotoar direito seu sutiã, beijavam meio fora de compasso - mas a olhavam nos olhos. Se encantavam. Não eram máquinas da performance sexual sem erros. Da noite perfeita, da busca pelos orgasmos múltiplos, da espera pela mulher-puta e surpreendente na cama. Máquinas. Máquinas de prazer, vibradores com sangue que pulsa. Preguiça anterior de tudo isso. Procurava assim, humanidade. Clichê. Tinha se tornado um clichê ambulante desde que começou a se sentir vazia no meio das noites e dos novos encontros. Era pra isso? Era pra isso os elogios, os flertes, os chocolates, as saudades? Tudo isso deveria, inevitavelmente, terminar em sexo? Não deveria. De repente sentia-se cansada e queria uma vez que fosse passar uma noite inteira conversando, olhando pro teto, de mãos dadas, dividindo a vida. Queria um homem qualquer que não quisesse saber da sua performance sexual. porque isso viria, um dia. Sempre vem. E se torna fato comum, natural, o balé do envolvimento entre duas pessoas. Uma vez na vida um homem que levasse as coisas com calma, que quisesse apreendê-la na alma antes de possuir-lhe o corpo. Uma vez na vida o cortejo, o amor, o desajeito, a timidez, os quatro encontros antes da primeira noite. Ir no cinema. Qualquer coisa assim, brega assim, aceitaria que a chamassem de "princesa", de qualquer adjetivo cafona que fosse, se pelo menos um dos homens que encontrasse pela rua não tivesse como objetivo primordial saber se ela cospe, engole ou sabe chupar direitinho. Vivia sôfrega de tanto encontro errado, tanta bebedeira, tanta pegação no banheiro da balada, no banco de trás do carro, na cama de gente que nem tinha antes conhecido a casa, descoberto o nome do filme preferido. Não aguentava mais ser assim, essa alma errante e sozinha e tentar se achar, em meio de corpos, de noites sem poesia, dessa merda de performance sexual. Foda-se a performance sexual, fodam-se vocês todos.
Todo mundo precisa de amor, uma hora ou outra.
Precisa ser olhado nos olhos.
Precisa.
Precisa parar de ser máquina, precisa esquecer os manuais.
500 maneiras de enlouquecer um homem na cama. Foda-se.
"Foda-se se você encontrou meu ponto G, eu queria que você encontrasse a minha alma, a merda da minha alma. Que eu ainda tenho. Eu ainda devo ter" - ela pensava e derramava uma lágrima, enquanto seu parceiro sorria de satisfação. Performance perfeita, movimentos ensaiados. Mais um pra lista. Grande coisa.
E deitada nua, coberta pelo lençol, na cama de seu mais ilustre desconhecido pensava: "estou cansada de quererem me tocar sempre primeiro no corpo, queria ao menos uma vez ser tocada primeiro no coração".
Um comentário:
Ultimamente tenho lido mais você que Mia Couto
e confesso que gosto muito
Cristovão Tezza ficou esquecido depois que te descobri.
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