26.12.10
vou tirar as passas do arroz, e venha o que vier.
Lembranças e saudades. É assim que eu categorizo o ano que ainda-não-se-foi. O ano do não-presente, da espera pro futuro e da saudade do passado. Não me lembro de ter tido anos piores. Meus vinteeum anos me pesam como dois grandes sacos de 10kg em cima das costas. Uma dor nos joelhos, um enjôo de existir e o tédio. As pessoas continuam vivendo a vida delas em seus círculos paralelos enquanto eu fiquei meio presa nesse ano que nem existiu de verdade. Um ano que passou com uma terrível vontade de que se acabasse e com uma eterna saudade daquilo que foi e que não é mais. Vejo na parede fotos de pessoas que já se foram, e que a gente sabe, não voltam. Guardo no meu computador retratos-e-canções de tudo aquilo que um dia prometeu ser. Estou cansada, e por vezes choro. Tem dias que eu enjôo da vida, tem dias que ai. Acabaram-se os ciclos, acabaram-se os ritos, acabaram-se as promessas. Acabaram-se os amores. Acabou-se.
O que recomeça então, a gente se pergunta, e eu não sei. Tenho na colher o gosto de um brigadeiro que já se foi, e tenho em mim o sabor das conquistas que podiam ter sido, mas não foram. O fracasso, o medo, a insegurança. O amor, ah, o amor. Um ano inteiro de tanto amor e pouco espaço, de pouco amor e muita confusão. Um ano inteiro de tanta fantasia, tanta saudade, tanto apego, tanto dispêndio de energia, pra no fim continuar trilhando estradas por si mesma. Eu sei, e todo mundo sabe. A gente nasceu sozinho e morre assim também, no fim. E têm mudado tanto as pessoas que resolvem que dividirão comigo então a tal trajetória na vida. O que se leva, afinal, o que é pra sempre, quem é insubstituível, o que vai doer, o que vai ficar, quem vai me fazer feliz até o dia da minha morte? Tantas perguntas, nenhuma resposta, e as terríveis reflexões de fim de ano. Depois de quantas cervejas é possível saber de verdade o que a gente quer da vida? Depois de quantos abraços, de quantos brindes, de quantos desejos de um ano novo lindo, sabor de doce é possível saber que a gente vai ser feliz de fato? E quanto tempo demora até se concretizar a felicidade? E felicidade plena, existe? Existe no fim de tudo, a certeza da dúvida. E uma angústia. Uma angústia eterna de 365 dias se tornarem tudo aquilo que a gente sempre quis.
Um ano inteiro de saudades, e esforços. Eu ri, sim. É porque também se ri no sofrimento, ali no meio. Quando o sofrimento dói na carne, ou a gente se entrega, ou sorri. Arrisco a dizer que dei meus sorrisos mais sinceros durante esse ano. Lindos, abertos, perfeitos. Saí de cabeça erguida de todas as dificuldades e sorri também porque se sorri na hora da morte. Antes de fechar os olhos. Conservo em mim um orgulho infantil, uma capacidade de superação e uma eterna preguiça de viver. Conservo em mim o enjôo de anos de fracasso sem glória nem sorriso. O enjôo das despedidas sem ritos. Do não poder chorar na cara, do não poder dizer "vai, mas não vai sem saber que um pedaço de mim vai junto". Só a separação. A separação das pessoas, dos amores, dos sentimentos. A separação daquilo que se era e que se sabe, nunca mais será o mesmo. Será que é o peso dos anos que faz com que tudo perca um pouco a música, que com isso se vá embora a poesia, que se coma brigadeiros com gosto de saudade? Será que a cada fim de ano se perde a esperança do "que seja o melhor ano da minha vida" e se troca para "que seja melhor que o próximo".
É que às vezes a gente promete pra gente mesmo um ano novo cor de esperança, de nova-vida, de felicidade. Diz que vai fazer o melhor ano novo do mundo, se veste de branco promete e pede a paz. Escreve uma lista e sonha. Renova, reescreve, reinventa, abraça meio-mundo pulando num pé só, pulando ondas, sendo aquilo que dá pra ser, esperando sonhar um sonho, dois sonhos, e querendo que todos os sonhos do mundo caibam num ano só. Só que vida pressupões frustração e sonho nem sempre se concretiza. É certo que hão de vir anos terríveis e anos melhores-um-pouco. É certo que um dia a gente acorda no dia 29 de setembro e de repente começa ali um ano novo cor de felicidade. É que a vida é feita de encontro-e-desencontro. De gente que vai pra sempre prometendo voltar amanhã e não volta nunca-mais e de gente que vai pra nunca-mais e a gente encontra numa esquina qualquer da vida. É que tem vez que é a gente que vai pra nunca-mais. Tem vez que é a gente que se despede sem rito, tem vez que a gente que é surpreendido, mas tem vez que é a gente que surpreende. É que às vezes acontece de você ter o ano novo mais iluminado do mundo, e os piores 365 dias da história da sua vida. Aconteceu comigo. Pode ser que seja do barco ir firme e sem tribulação, e pode ser do barco virar. Pode ser do amor vir, e pode ser do amor acabar. Pode ser de acabar o amor que era pra sempre, pode ser de ser pra sempre o amor que já tinha terminado. É que no meio desse turbilhão terrível de ano, ainda tem o pouco-que-sobrou. Ainda tem um sorrisinho de canto-de-boca pra distribuir. Ainda tem uma roupa guardada e uma taça querendo-brindar que oxalá, o próximo ano há de ser iluminado, há de ser de paz, de conquista de doçura e só. É que no fim das contas, o brigadeiro ainda é doce, se tem saudade valeu a pena e cai um pacotinho novo de esperança piegas a cada dia trinta e um que faz gritar: "vai embora, ano velho, e traz pra mim um ano lindo".
23.12.10
De dois-mil-e-dez pra deus-sabe-quando.
22.12.10
"E não pensa que eu fui por não te amar."
Eu fiquei pensando, depois de ouvir o barulho dos pássaros, que eu nunca vi o sol nascer. Ouvi, várias vezes. Vi também o dia clarear, mas o primeiro raio de sol eu não sei donde vem. E enquanto penso nisso, penso também em você, porque hoje o dia foi meio teu. Um dia todo cinza, chuvoso, com eminências de te encontrar, histórias tuas, arrependimentos. Eu fico pensando que devo ter perdido dias pensando em você com a mesma freqüência que perdi nasceres de sol por estar dormindo. Com você eu vi o dia amanhecer uma vez só. E teve poesia na estranheza, mas isso é só mais uma daquelas histórias que eu teimo em contar pra quem ainda não enjoou de nós-dois. Teve também a outra vez que eu acordei tendo certeza que queria ver todos os dias amanhecerem do teu lado, mas te deixei ir, desapegado como sempre.
Eu sei que eu tempo perdido muita vida. Tenho insistido em reviver histórias, em causar encontros casuais forçados, em tentar encontrar aquele amor que eu via refletir dos teus olhos nos meus em algum lugar. É difícil viver sem você. Mas é mais difícil ainda viver sem amor. Eu já não sei o que eu espero de você. Das poucas vezes que o dia amanheceu e eu vi, não teve nenhum olho pra refletir nada. Eu revejo nossa história, eu tento deixar isso vivo no papel, eu sou capaz de lembrar das cores das suas roupas em cada encontro. Eu não sei se eu sei mais. Faz tanto tempo que você se foi. Eu fico no esforço tão infantil para não deixar você morrer. É tudo uma grande desculpa. Ora eu digo que eu acho que você não está feliz, depois eu teimo em me convencer que lá no fundo alguma coisa coisa em você ainda me ama. É que eu acho injusto te deixar morrer, sabe? um-amor-tão-grande-assim. Mas por quanto tempo?
Por quanto tempo eu vou esperar que a sua vida mude de rumo e se encontre de vez com a minha. Eu sei, é muito bonito escrever um amor e, como uma flor no quintal, não deixar morrer, podar as pontas, os galhos mortos, colocar adubo pra crescer mais forte e bonita, mas de que adianta? Fica a flor num canto, enfeite-de-parede, linda-linda, mas sem ninguém pra ver, amar, pra presentear com a flor. É a flor e só. Sabe, eu não quero um amor pra alegrar o ambiente, eu nem nasci com vocação pra ficar encostadinha na estante esperando você vir me resgatar dos males do mundo.
Eu sei que eu construí um castelo e esperei que você morasse nele, mas não dá. Tem toda uma história que eu cansei de rescrever, reinventar, enfiar fins em que você voltava por aquela porta com um ramo de flores. Pode até ser que você seja mesmo o meu fim, o fim em si mesmo, o amor-maior. Eu não duvido de nada, eu até espero que seja assim. Mas eu estou perdendo os entremeios. Cansei de escrever você, rescrever você, reinventar você. Cansei de você ser meu verbo e a minha canção. Ainda acho o nosso amor lindo-lindo. Ainda lembro como era me ver refletida nos teus olhos, sorrindo. Mas e a vida, onde fica a vida, as histórias paralelas, as tramas secundárias, as flores que nasceram pra morrer, os castelos construídos pra ruir? Onde ficam meus encantamentos sem amor, histórias inventadas que não vão ser eternas, mas tentam.
Me diz onde fica a minha vida agora que você resolveu ir e nem sabe se volta. Eu te dei de presente a história de amor mais linda que duas pessoas não chegaram a viver. Um livro inteiro de memórias póstumas de um amor que nem nasceu pra que pudesse morrer. Cartas não enviadas, bilhetes no espelho, despedidas doloridas e músicas que você ainda não ouviu. Você foi o meu grande-amor, a minha literatura e o meu verbo enquanto deu-de-durar. Eu ainda te amo, eu não minto não, me doem as chuvas e as noites em que eu passo em você, me dói ter o sofá inteirinho pra mim, mas de repente me deu uma vontade louca de tentar outra coisa, outra história, outro momento, outra paixão. Inventar outra casa, outra vida e deixar crescer outra flor no jardim. Deixar a flor crescer, podar as arestas, aguar toda semana três vezes por dia, cuidar de outro amor, outro encantamento. Teu amor ainda tá aqui, tá guardado, tem livro, tem casa, tem castelo e tem sonho. Poxa vida, quanto sonho coube (e cabe) no nosso amor. Mas agora me deixa, eu quero soltar da tua mão, quero provar outras coisas. Eu sei o quanto é difícil essa redescoberta, mas da janela do meu quarto olhando o sol nascer eu de repente não vejo tanto-sentido-assim nesse amor que não é, que insiste em não ser e eu insisto em dar vida.
Eu dei de descobrir em outro lugar pra que lado nasce o sol - "para que minha vida siga adiante"
16.12.10
I want to live where soul meets body.
Quanta locura cabe aquí dentro, amor, quanto desespero. E pensar que era eu quem tratava amor como fórmula matemática. Te olhei da primeira vez, fiz um cálculo-base que resultou em dizer pra você que "olha, eu gostei de você, mas não dá não. A gente tem essas chances de 10% de ficar juntos, e eu não quero tentar, não quero sofrer, não quero. não quero" esperneei, como criança birrenta, mimada que eu sempre fui. Aí você não me apareceu com flores, me negou todos os poemas e descambou a me mostrar realidades. Me levou pro café, me mostrou sua alma sem querer, me emprestou todo seu universo dentro de uma caixinha e me deu de presente. E depois que alguém dá o universo pra alguém, eu sabia - e todo mundo sabe - não tem volta. Mesmo no meio da minha sensatez, um dia eu te olhei e dentro daqueles teus olhos tristes eu vislumbrei todo o meu futuro, com as minhas xícaras de café bem postas numa mesa que eu tinha acabado de imaginar. E depois que imaginei não quis outra coisa que não todo o resto dos meus dias preenchidos com café naquela mesa que eu tinha acabado de imaginar. É tudo tão louco nesse mundo, quem ia imaginar que um dia eu ia esbarrar em você e depois dessa minha mania tonta de falar mais do que eu devia, a gente ia descobrir uma afinidade eterna? Pois é, foi assim, tudo tão ridículo e sonso. Um dia eu dividi o refrigerante com você e meses depois minha vida toda já estava nas suas mãos, e eu só sorria quando você sorria também. Que loucura saber comprar seus biscoitos preferidos no mercado, trocar minhas bolachas integrais de aveia pelas suas de chocolate, justo eu, que nunca me deixei atrasar dez minutos na vida por causa de outra pessoa, estava ali, atrasando meus planos todos pra que eles começassem a andar junto com os teus.
Hoje eu leio tuas cartas e sei, que tudo aquilo era pra ter dado certo desde a primeira vez. Cada palavra sua só ia caber em mim, e se eu ainda escrevo, é pra você. Todas essas pilhas de cartas sem endereço nem remetente, endereçadas à você no coração. Mas aí um dia você levantou e foi, não olhou pra trás. Quem você pensa que você é pra desarrumar minha vida assim, pra deixar minha mesa sobrando uma xícara e meu coração com um buraco imenso. Sou eu quem empurro o prato, eu que digo não-quero-mais. Eu que largo o certo em busca das aventuras, eu que racionalizo amor porque fazendo contas de a + b acho que seria mais feliz com c e aí vou, derrubo tudo, desalinho a ordem do universo, arranco mais um grande-amor que não é meu da mão de outra pessoa e faço um caminho todo pra santiago de compostela esperando a paz, a paz, o amor, a loucura. Mas aí você vem, me explica, com toda a calma do mundo, como se amor fosse jogo de medir, de somar de calcular e vai embora assim "querida, você precisa alcançar o mundo e eu sou uma cidade no interior". E eu querendo dizer que eu já tinha virado uma fazendeira, calçado as minhas botas, que estava farta do mundo, que eu iria viver em cima de uma montanha que fosse porque meu universo todo estava nas suas mãos. Mas você se recusou a ouvir e foi embora levando meu mundo, porque "eu sou muito pequeno, e você é grande demais pra caber aqui".
Hoje lá está você vivendo pequeno, e cá estou eu, sem mundo. Tem um universo todo pra desbravar e eu morando num quarto-e-sala no centro que não faz o mínimo sentido sem a sua xícara em cima da mesa. Quanto tempo, quanto tempo vai até você perceber que eu só sou grande porque você me deu seu universo e que não dá pra desbravar lugar nenhum, porque rapaz, você é o meu mundo. Resumitivo e reduzido assim, eu só sei enxergar o mundo lá fora se olhar pros teus olhos, senão eu me perco. Eu tinha tudo aqui dentro. Tudo. Tudo tão completo, tão cheio de vida, tão nascendo flores e violetas, gérberas, orquídeas. Todo um caminho rumo ao universo inteiro de paixões e sentimentos que eu ainda estava por provar, e meu querido, tinha que ser com você. Agora você me vai, dono da verdade, me deixa sem chão pra ir morar pequeno porque teu mundo é pequeno. Meu deus, você é imenso. Tão imenso que abriu em mim um mundo, um espaço, um buraco-negro do sentir. Que enquanto você não voltar, vai ficar resumido nessa pequenez sem fim. Nesse acordar vazio, nesse ir dormir sem vida, nessa falta de vontade de olhar pra fora porque você levou com você a minha paz. Minha paz, meu mundo, minhas bolachas integrais de aveia, minha xícara de café. Teu quarto tá arrumado esperando você voltar. Pra quando você voltar num dia de frio ou de calor, cheio de doçura ou de dor, não importa. Vai ter café na tua xícara azul, e atrás da tua cama tá escondida a passagem pro mundo. O mundo que você queria me dar, mas que levou com você no dia em que se foi. O mundo que só se abre com meus olhos no teus, minha mão na sua, no sonho que a gente sonha juntos debaixo das estrelas apagadas que a gente vê da janela no nosso apartamento pequeno. Eu juro amor, eu sou capaz de alcançar o mundo e um pouco mais, com a ponta dos dedos. No dia em que você voltar. Me olha no fundo dos olhos, me devolve meu universo, que eu juro, amor. No dia que eu te conheci, você me deu meu mundo, meu universo, a felicidade. O mundo já é nosso, amor. O mundo sempre foi nosso.
15.12.10
A gente quer ver, o horizonte distante.
Enquanto isso, eu acho que você ia se orgulhar de saber que eu tenho tentado ser uma pessoa melhor. Eu tenho tentado agüentar tanta gente no meio dessa vida. Tanta gente que eu tinha prometido pra mim mesma que não ia trocar mais do que um "oi, tudo bem". Você ia rir se eu contasse. Ia rir ou ia achar triste, eu não sei bem. Às pessoas tem coisas boas quando você para pra olhar,sabe? É que no fundo ou elas são um pouco tristes, ou são inseguras demais, ou elas forçam demais pra serem legais. Às vezes elas só são diferentes de você e de mim. O que renderia boas piadas que a gente não conta, só olha enquanto saia com elas. Mas eu estou tentando relevar mais. Toda essa minha criticidade que você tinha medo. Não sei se tem espaço mais. Eu tenho tentado encontrar o nirvana, outro deus, a paz, qualquer coisa que seja. Eu preciso. Não agüento mais fazer as pessoas sofrerem. Eu tenho gostado muito de observar as pessoas, conhecer. É que depois que você se foi parece que eu preciso de umas trinta mil pessoas. Cada uma pra suprir um aspecto seu diferente. Eu tenho ouvido umas coisas diferentes também. Frequentado outros lugares. Não sei se é bom não, mas é diferente. Eu tenho me aventurado sem você. Sozinha. Eu tenho ficado muito tempo sozinha ultimamente. Desde que você se foi, eu me sinto sozinha no meio dos outros. Como aquela amiga que o marido morre e as pessoas ficam levando pra passear pra ver se supre a falta. Acho que você ia sorrir ao saber que as pessoas mais improváveis do mundo tem me estendido a mão. Acho que ia estranhar também. Ia estranhar eu chorando ao cantar a música que nunca foi nossa. Tem tanta coisa que eu queria te cantar ainda, acho que eu choro as saudades. Eu te cantaria todas as músicas que eu ouvisse, até as que eu não gosto. A gente costumava não gostar juntos.
Eu costumava gostar dos nossos desencontros. O descompasso tremendo em que se fez a nossa história. O tempo errado em que tudo se fez. O jeito com que você sempre chegou fora do tempo. Amor, você só sabia chegar atrasado em todos os lugares. E eu ficava ali, te esperando. Eu, sempre uma metadinha sem você ali, esperando um complemento. Se você quer saber, eu nunca mais sorri do jeito que eu sorria quando estava com você. Esses dias eu sorri sozinha, te lembrando, e lembrei também do sorriso que eu nunca mais dei. Eu fico com tanto medo de ninguém nunca mais preencher as minhas mãos do jeito que você preenchia, eu tenho tanto medo de tudo desde que você se foi. Medo da vida, do improvável, medo do acaso também. Eu tenho medo de que as pessoas que eu encontre na esquina não sejam iguais a você depois de duas conversas. E quando eu saio pra dançar, não posso mais te cantar as músicas que você ama odiar te declarando meu amor das formas mais improváveis. Eu tenho bebido cerveja demais sem você, e tenho evitado a que você bebia comigo por medo de chorar. Eu tenho evitado a minha vida um pouco, pra te dizer a verdade.
Esses dias eu refiz uma via crucis de nós dois. Andei sozinha no lugar em que a gente se conheceu. Sem música, sem nada. Chorei ouvindo meus passos. As pessoas em volta não entendiam nada. Não tem porquê. Um lugar no meio da rua, no meio da cidade. Silêncio. Faz um silêncio enorme em qualquer lugar que eu vá sem você. Todas as bandas que a gente ouvia juntos sentem saudades. Os quadros de casa, os pedacinhos de cidade. Eu te ensinei tanta coisa, você me ensinou tanta coisa também. Tem tanto livro teu, tanta coisa aqui, deve ter até roupa. Tem tanta coisa sua dentro de mim. Às vezes eu espero notícias. Espero só que você esteja sorrindo ainda do jeito que você me sorria até antes do dia que eu te vi partir. Eu espero que você esteja sonhando com alguém tomar café em paquetá. Eu não sonho com ninguém mais não. Eu sonho com viagens, sonho com tanta coisa amor. Mas a mão do lado ali, não sonho mais não. Acho que eu vou sozinha. Não tem como dividir um chalé com alguém e não querer você. Vai tocar qualquer música que não seja nossa e eu vou fazer com que seja, eu vou chorar, mas deixa.
Deixa que o mundo é grande, nossa história é tão imensa. Você chegou tão atrasado tantas vezes. Acho que você atrasou pro nosso final feliz também. Ah, amor, as pessoas sentem tanto a sua falta aqui. Sentem a falta de nós dois, às vezes, eu acho. Eu me perdi tanto desde que você foi. Eu não sei se você ia continuar me achando a coisa mais linda do mundo. Às vezes até eu deixo de me admirar. Mas tem reticências ali no fim da nossa história, eu não consegui dar ponto final nenhum quando você foi embora. Ainda tem um bocado de sonho, tem umas tintas verdes pra pintar as paredes e se você quiser a gente compra uma casa com um quarto decorado só pra você trabalhar. Eu ainda faço o café do mesmo jeito, ainda não deixei pra lá a mania de fazer brigadeiro depois do almoço. Eu continuo não comprando os livros que eu sei que você tem pra não fazer uma estante repetida. E eu nem consegui repor aqueles que você levou. É que um dia eu acho que você ainda volta com eles, com teu sorriso e bota de novo nossos sonhos pra funcionar. Eu ainda tenho chá pra sua dor, amor. Ainda não aprendi a dormir sozinha no frio e não vejo graça em ir no cinema com os outros. Não sei a medida exata, sempre sobra salgadinho e chocolate pra levar pra casa. Não sei mais a medida exata dos meus passos, dos meus sonhos e nunca mais consegui ocupar o seu lugar no sofá. No coração então, ai.
Todos os livros que eu li, amor, todas as coisas que eu passei não me fizeram inteligente o suficiente pra te superar. Eu ainda te vejo entrando por aquela porta, eu não sei quando. Eu estou tão em paz com tudo, às vezes eu danço, às vezes eu rodopio sozinha. Eu tenho visto tantas coisas lindas nas pessoas, e às vezes faz o por do sol mais bonito do mundo aqui da janela, amor. Eu tiro fotos dos mais bonitos esperando que você volte. E eu sei, que tudo soa triste. Eu sei, as pessoas tem uma certa pena de tudo isso que eu vivo falando. É que as pessoas não tiveram grandes amores. Você sabe que não. Você sabe que todo mundo que a gente conhece festejava a gente e não era inveja nem cobiça, elas eram felizes por nós. E a gente era feliz pela gente. E eu acho que um amor imenso desses não acaba assim, rápido, como quem se joga do décimo andar. Então amor, espera, acalma, a nossa vida acabou de começar. E vai ter uma sala de tv e uma biblioteca. Aos domingos a gente pode esperar o sol nascer, depois ir na feira. A gente pode ver todos os filmes do mundo às terças e sair pra jantar nas quintas. Eu te faço almoço pra quando você chegar do trabalho, eu te levo pra tomar um suco e a gente toma sorvete de sobremesa. Eu deixo uma rosa crescendo no jardim pra quando você voltar, porque eu sei que você não vai deixar ela morrer. Amor, você só está atrasado.
14.12.10
Goodbye, my friend.
Eu teimei. Teimei muito tempo em não querer admitir, mas a gente se perdeu. Não sei quando foi a data exata, mas eu não caibo mas nessa sua vida cor de fantasia. Não adianta, não caibo. Não tenho brio, não fui feita com a matéria de quem larga vidas à procura de grandes amores. Não sei me despegar assim do universo-ilha que eu criei. Não sei. Não sei voar pra longe e perigar bater com o nariz na parede. Eu não sei sangrar e mesmo assim espero o universo. Você não sabe como é isso. E meu universo, meu universo eu não fiz numa casinha em cima de uma árvore com um filho, um marido e um cachorro. Porque meu universo contempla um universo inteirinho e nesse universo inteirinho tem países que eu ainda não conheci, e cidades que eu ainda quero desbravar e por mais, eu te digo, por mais que eu queira a paz de um grande amor, minha vida não é feita dessa matéria apenas. Eu sempre quis mais, e hoje, você já não sabe mais entender isso. Só quer que eu me desapegue, me desapegue, me desapegue e já não cabe na sua vida, minha vida conturbada. Eu sempre fico ali, no pedacinho que sobra - quando sobra - no seu conto de fadas. Sempre num intervalo e quando eu começo a precisar mesmo de você, você se vai. Sempre com aquela frase, tão típica "você me entende né?" e olha, eu tentei. Eu tentei o quanto que deu entender que as coisas estavam difíceis, mas sempre pensei que depois de um tempo as coisas iam se ajeitar.
A grande verdade é que não, eu não te entendo não. Eu sempre arrumei um tempo, seja na felicidade ou na infelicidade ou até mesmo quando eu estava construindo castelos que tentavam ir ao céu, pra você. Porque no meio das outras coisas, e não só no meio, junto, é essa a palavra jun-to com as outras coisas, você sempre foi a coisa mais importante da minha vida. junto com meus grandes amores, quando eu construía um castelo, tinha sempre um quarto pra você pra quando você quisesse me visitar. É que eu te enfiava no meu universo-ilha, no meu universo-grande no meu universo-papel eu te enfiei na minha vida porque você fazia nascer em mim um amor fraternal que eu nunca experimentei. Eu nunca tive irmãos, irmãs, nunca tive amor demais, nunca tive entrega que não fosse amor-amor, amor eros de homem e mulher mas aí você apareceu, me deu uma vida e de repente me tirou tudo de volta. De repente a culpa nem é sua, mas é que eu quero paz e no meio dessa paz e de um universo todo que eu quero conquistar eu quero também reciprocidade. Estou cansada de te mostrar mil bandeirinhas brancas e você não ver porque você construiu um castelo, uma casinha na árvore com um céu azul esverdeado. E tudo bem, eu sempre quis que você fosse feliz. Eu te abriria mil caixas com a minha felicidade e dividiria com você.
Mas só que você não tem mais tempo. E eu não agüento mais você me dando conselhos no tempo que sobra. Não agüento mais você me dizendo que eu só vou ser feliz no dia que tiver uma vida igual a sua. Eu também quero construir um castelo, uma casa na árvore, no campo. Também quero que ela chegue até o céu. Só que eu vou tijolo por tijolo porque sou feita da matéria de que são feitas aqueles que se doam, e às vezes paro de construir meus sonhos só-meus pra sonhar com pouco meus-sonhos-com-outros. E sou feliz assim. Um dia meu céu também vai ser super-azul, e quer saber, ele já é. É você quem me olha com pena porque acha que eu só vou ser feliz o dia que encontrar aquilo que você encontrou. Só que a gente é diferente Você não aguenta que seus céus fiquem cinzentos e dai corre a procura, desbravando quem seja, rápido, rasteiro, correndo, num impulso, querendo nada menos que a felicidade -inteira, achando que tristeza é mato, é vergonha que eu tenho que correr pra onde seja, largando o que quer que seja só pra ser feliz , porque você não suporta um céu acinzentado. E eu, eu sei que os meus vão ficar cinzas de vez em quando. E sei que por vezes vou abrir a janela e vou sentir vontade de chorar, de correr, de largar tudo em busca de um céu azulzinho, mas depois vai passar e eu vou devagarinho, no meu ritmo, pegando ajuda aqui e ali, porque eu aprendi a lidar com o fracasso muito cedo. Inclusive com o nosso. Esse fracasso que você daí de cima do seu castelo no meio do seu céu azul, nem percebe que veio. Mas veio. E agora, meu bem, eu só peço com força pra qualquer entidade que-seja pra que você continue azulando céus mundo afora, e que eu consiga ser feliz devagarinho pra quem sabe ser feliz pra-sempre. Mesmo que você não esteja mais aqui pra compartilhar comigo. Mesmo que você nunca mais segure a minha mão.
27.11.10
Epifania
26.11.10
C'est la vie.
Eu desisti da sua vida, da minha vida, da nossa-vida principalmente eu desisti. Transformei tudo em literatura, tudinho. É que eu não sei viver, não sei mesmo. Tentei algumas vezes sem sucesso e viver pra mim pareceu uma aventura errante, como essas crianças que tentam dar o primeiro passo, se estabacam no chão e resolvem que vão engatinhar mesmo, não há outro jeito. Só que as crianças ainda levantam e vão, e eu, por vício estou aqui de muletas. Só sei andar com elas, e as minhas muletas são as palavras. Eu sei, você tem uma vida, e toda vez que eu me dou conta disso eu volto a engatinhar, porque eu não sei como existe essa coisa de vida e tudo-o-mais, essa coisa de você existir físico em gestos, pele, cabelo, roupas, cheiro. Enquanto eu penso todas essas coisas eu me pergunto porquê não houve um diazinho que fosse que eu te dissesse em as palavras de verdade "eu gosto muito de você" ou "você é muito importante pra mim". Ou mesmo que não tivesse dito nada, tivesse demonstrado em forma de qualquer-coisa-mais do que meus olhares sempre baixos, desviantes, tímidos e principalmente, disfarçados. Você tentava falar de amor e eu fingia que amor era jogo de outra pessoa, de você-com-outra-pessoa. No fim era mesmo, e pra mim, ah, pra mim, amor é jogo meu com as palavras. Eu desisti de viver e hoje só invento histórias. Essa minha vontade de te dizer que "tudo poderia ter sido tão diferente, garoto, tudo poderia ter sido tão doce" não passa de fantasia, porque eu tenho todo um mundo de coisas minhas, de coisas suas que não aconteceram. E aqui, mon'ami, tudo é terrivelmente possível. Seria absolutamente possível que eu te ligasse e de dissesse "eu ainda te amo" e então você me responderia "que apesar de tudo eu ainda também te amo" e então nos amaríamos em belas tardes com sucos, almoços simples, almoços requentados, tardes de domingo no sofá, qualquer coisa dessas assim, rotina, corriqueira, bonita-nos-pequenos-gestos.
Mas não é assim, hoje eu penso em você que talvez nem exista no corpo físico do jeito que eu te imagino ser, só existe aqui na minha literatura. Porque enquanto eu penso que "tudo-poderia-ser-diferente" "tudo-poderia-ser-tão-doce" você cuida da sua vida, real, em qualquer lugar onde eu não pertenço nem em pensamento, toma um guaraná, e pensa no teu trabalho, na sua vida, na sua namorada, em qualquer-coisa-que-seja. E pra mim tudo bem, é que eu matei a minha vida. Transformei em literatura. Escrevo sua vida pra você, do jeito que eu-queria-que-fosse e você não me entende e C'est la vie, mon'ami.
24.11.10
ah, beibe.
às vezes eu tenho vontade de cantar pra você e pra mim, todas aquelas canções que dizem de tudo que deveria ter sido e não foi. Hoje, beibe, hoje nem medo eu tenho. Eu já te perdi, eu sei, já foi it's over, e por mais que eu entenda que cada olhar desencontrado seu é uma tentativa de dizer desculpas e de pensar "meu-deus-como-o-mundo-nos-separou-assim?" já não tem mais nada que possa ser dito entre eu-e-você. O mundo pode não ter querido, mas você sem querer quis. Eu ainda me lembro do dia que você me levou pra tomar o último café e me disse que tudo aquilo que um dia existiu, olha beibe, não existe mais. "Não tem, não tem mais nada" você dizia. Como se tudo aquilo que existiu - e você sabe que existiu - eu tivesse inventado no meio do meu mundo cheio de palavra. E eu dizia, que "eu sei, beibe, eu sei como é difícil lidar comigo" sempre me desculpando por ter sido essa bagunça na sua vida e enquanto isso você me olhava e eu sabia que se você soubesse como juntar meus pedaços de novo, você juntaria. E toda vez que você me vê, você me olha como se quisesse juntar meus pedaços. E eu quero dizer "olha, já teve muito amor dentro de mim, e se você remexer, você encontra tudo de novo. tu-do. é só você me olhar de qualquer jeito que seja, com a mínima intenção de juntar as minhas partes quebradas, que você acha esse amor perdido, e beibe, para que eu não quero mais encontrar amor dentro de mim. Não esse seu amor". É que eu vou ficar bem. Do jeito que eu posso, do jeito que dá, bebendo minhas cervejas toda semana, você sabe que eu vou ficar bem (embora não acredite).
O que me mata, beibe, é essa sua culpa. Para com essa culpa de ter me feito sofrer. Eu te amei porque eu quis te amar. Você não fez nada pra que isso acontecesse. E faz de tudo, todos os dias, pra que deixe de acontecer. E essa sua mania, de ficar cuidando de mim, me olhando como se sempre houvesse uma dívida entre eu-e-você que nunca te permitisse viver a sua vida (embora você viva). Não existe dívida nenhuma aqui dentro, e nem a dor, nem essa dor que eu sinto, sabe, essa dor, nem essa dor é sua. A dor é minha, o amor é meu, você é o resto disso, o que sobrou. E esse seu olhar triste, ah, beibe, é isso que mata. Eu te vi sorrir com os olhos tantas vezes. É que existe uma diferença, sabe, nesse teu sorriso de agora e naquele. Se eu tivesse te visto uma vez que fosse com aquele sorriso, do olho, da boca, do coração, olha, eu juro, eu juro mesmo que não ia ter mais peso. Mas de repente, você vem de lugar nenhum, encosta no meu ombro e enquanto pergunta se eu estou bem se esconde no meio dessa sua vida, ai, beibe, pára. Se for pra ser feliz mostra essa sua felicidade pro mundo. Esquece, me machuca com o sorriso, o sorriso-maior-do-mundo, e se lixa pro mundo. Vive, caramba. Mas você não vive. Você sabe viver? de um jeito qualquer que seja, você sabe? sem ter esse fundo-de-tristeza-no-fundo-dos-olhos, você me disse isso uma vez e olha agora, eu enxergando tudo isso em você. É que eu acho que eu já fui tão você que nem que eu quisesse não ser, beibe, não ia ter como.
"Eu senti tanto, tanto, tanto a sua falta, beibe". Eu quis te dizer isso, naquele dia. Eu quis que você me abraçasse, e me dissesse que tudo-ia-ficar-bem. Me dissesse do seu jeito desajeitado, no meio do jantar, que você estava orgulhoso de mim. Só que esses teus olhos tímidos ainda dizem mil coisas, ai beibe, dizem, e ainda tinha orgulho ali. Eu focava em você e continuava, é que eu foco em você e continuo, e olha só, eu já esqueci de mim, o problema agora é você. Me diz, me diz que você está feliz, me conta de um mundo todo de coisas maravilhosas, porque de mim eu sei cuidar beibe, sei sim. Nem que seja pra me deixar de ladinho e ir cuidar do mundo pra disfarçar que eu choro às vezes, mas tem tanta coisa e tanta gente linda ao meu redor, eles vivem num enorme afago de palavra-e-sentimento, que mesmo que eu quisesse ser infeliz, não tinha como. E você, você fica aí tão sozinho, sabe, tão se perdendo de você mesmo, que às vezes eu te imagino fazendo um milhão de coisas que é pra não pensar na vida. Você já fez isso tantas e tantas vezes, mas depois parava, tomava um ar, eu sempre tinha tempo pra você e pra suas bobagens, hoje eu já não sei se você para. Às vezes eu acho que não. É que eu me seguro pra dizer, convictamente, que no fundo beibe, eu ainda sou mais feliz que você. Um dia você me perguntou se tinha alguém no mundo que não tinha esse resquício de tristeza no fundo dos olhos, e eu disse que devia ter, porque tem gente no mundo que ama de verdade, beibe. Tem sim. Só que não é você, e nem sou eu. E você ia me olhar com uma cara esquisita se eu te dissesse isso de verdade, mas eu repito "não-é-você-e-nem-sou-eu".
Agora me esquece, vai. Eu senti a sua falta sim, por mais presente de corpo que você estivesse. Aquele seu espírito voando, sei-lá quantas coisas passavam pela sua cabeça enquanto você me ouvia falar aquelas coisas todas, mas mais uma vez nessa nossa trajetória eu esqueci que eu queria te dizer mesmo que eu senti a sua falta demais, que eu pensei em você o tempo todo, e acabei foi querendo te abraçar e dizer "ai, beibe, para de se perder assim desse jeito e vai ser feliz, porque você merece". O que me dói beibe, ah, o que me dói é saber que se eu te dissesse isso você ia me retrucar dizendo "mas eu, eu sou feliz" e enquanto abre um sorriso daqueles que enganam todo mundo eu olharia pro seus olhos e saberia do tamanho da mentira. É que no fim das contas, eu sempre imagino a gente se encontrando na frente do bar,depois de cinco, dez, vinte anos, e depois da gente se contar inteiros, eu te abraçando a cantarolando "Baby, we're lost, baby we're lost causes". Porque nós somos. Porque nós só soubemos apagar nossos resquícios de tristeza no fundo dos olhos, quando nos olhamos, deixamos de enxergar nós mesmo e vimos um ao outro. Porque vai ver, eu sempre morei no fundo dos teus olhos. E você nos meus.
15.11.10
batom vermelho na pontinha do nariz.
Eu te ouvia balbuciar aquelas suas coisas sobre amor, como você ia ser feliz um dia e tudo o mais, e sentia vontade de te abraçar. Não sei porquê, era só a eminência de um fracasso tão grande que eu queria te abraçar antes que a dor viesse e tomasse conta de você. Você, de novo encantado com meia duzia de intelectualidades, querendo tomar café no Champs Elysees. Sei lá o que você imagina, talvez que a Carla Bruni cante a cada vez que alguém coloque os pezinhos em Paris, eu não sei. Mas acho que você imagina andar de bicicleta e fazer piquenique, tirar foto de turista no arco do triunfo e achar tudo aquilo "fascinante". Quantas mil coisas você acha "fascinantes" que não são eu, eu fico pensando. Devem ser muitas. Deve dar pra trilhar um caminho daqui até os Champs Elysées com elas.
Eu lembro que eu até te disse um dia. Que ia ser assim, você ia me conhecer e me achar belíssima, mas depois ia correr pra alguém bem menos complicada. Dito e feito, só que você foi se encantar pela biscatinha do Caio F. Você realmente acha que essas pessoas que vomitam citações são repletas de poesia? Elas são meras vomitadoras de poesia, eu não sei o que você pensa da vida. Você fica aí me contando o quanto ela é legal, e decidida e que ela fez com que você a achasse encantadora, que vocês ficam horas discutindo essas bandas que você nem gostava e esses filmes que você nem via, mas é tudo tão cheio de arte de arte e arte. E ela é tão linda te mostrando isso que é saber o que quer, de batom vermelho e encarando o mundo com a pontinha do nariz.
Vou te contar o que é estar repleta de arte. É um saco. Pra começar a gente fica cheia de problemas, desses problemas que você prefere não ouvir. Não sabe se relacionar com as pessoas, fica num misto entre o ser doce e o ser amarga. Fica numa eterna coisa cheia de melancolia, que olha, nem mil citações do Caio Fernando iam dar jeito. Foi isso que ele fez, sabe, inventou a própria literatura. É isso que eu fiz também, poetizei minha própria dor. Quem sabe daqui trinta anos alguém de batom vermelho vá me achar linda e saia me citando enquanto encara o mundo com a pontinha do nariz. Tomando café, discutindo música inglesa. Dizendo "eu me sinto tão assim". Se sente "tão assim" coisa nenhuma. Tem tanta dor dentro dessas almas aí cheias de "arte" que não é nem bom pensar. Eu preferia mil vezes estar te encantando de batom vermelho e te contando dos mil fimes que eu vi, do que ser assim, essa bagunça.
Sabe, essa dor é tão profunda que não cabe isso de me dizer assim, que nem vômito. Eu tenho certeza que essa tua nova menina fala de amor com a maior naturalidade do mundo, depois fala de sexo também. Depois te escreve um texto poético te dizendo o quanto ela está apaixonada por você num misto de romantismo e foda. Isso mesmo fo-da. Com essas palavras. Porque ela se livrou das amarras, dos vícios, das tristezas. Só cita. E diz. E sente, e coloca coração e diz que pulsa pulsa pulsa. Eu também poderia te amar num misto de romantismo e foda. E meu coração também pulsa. E eu também transbordo de sentimento, o tempo todo, desfaleço de tanto sentimento. Sentimento, amor, carinho, tesão, qualquer coisa assim. Só que sabe. Eu sou o outro lado. Eu sou aquilo que as pessoas citam. Eu sou a arte dentro delas. Tudo aquilo que não cabia e se transformou em.
Eu não uso batom vermelho, não sei citar meus filmes sem parecer uma bagunça e no segundo seguinte parecer toda viceral. Sabe como eu conto dos meus filmes? Com sentimento. Porque alguém me indicou, porque eu me identifiquei ou porque eu vi a beleza do mundo dentro de uma única cena. Exatamente assim. E você me olha embasbacado me achando estranha por quase chorar ao citar a última cena de beleza americana. Sabe como eu guardo meus livros? Por identificação de almas. Alma de escritora que sente, que sabe que vai morrer no segundo seguinte e que vai perder o fôlego na próxima vírgula. Catárse. É que eu não sei ser menos bagunçada, menos sentimental, menos problemática. Eu não sei encarar o mundo com a pontinha do nariz. Não de batom vermelho, pulando no seu colo, te dizendo as coisas que você quer ouvir. Não desse jeito louco, ensaiado, personagem de livro. Não sei te mandar um recado com uma frase bonita que não tenha sido eu que escrevi sem morrer de vergonha é que eu não sei ser nada que não seja eu mesma, assim, te olhando baixo e fundo enquanto você me conta dessa nova garota, que vai te foder em todos os sentidos - do literal ao literário - e eu fico pensando que eu só queria que você não sofresse, baby. Eu só queria te dizer que eu te amo de coração-pulsante, com toda a beleza que há em mim. Que você me transmuta numa pessoa melhor, que eu te daria metade do meu mundo. Eu te diria qualquer coisa assim, eu queria te dizer. Mas eu só sei ser desinteressantíssima e fora de compasso e te largar com um abraço forte te dizendo "eu espero que você seja feliz, baby, muito feliz". Sem batom vermelho. Sentindo o mundo cair na pontinha do nariz.
11.11.10
Você não ama ninguém, Honey.
Era um dia de sol, mas fazia um friozinho. Clima ameno, eu disse. Você concordou. Te perguntei umas dez coisas, você de repente me disse tudo o que você gostava de fazer. Interesses normais de todo mundo. Todo mundo que tem interesses-interessantes. Ler, ver filmes, conhece gabriel garcía, desconhece julio cortazár (não é um erro grave) e sabe que garcia llosa ganhou o último prêmio nobel, embora desconheça a vasta obra do peruano (e eu também). Conhece tarantino, woody allen e gosta de Godard. Ok. Tudo ok pra um primeiro encontro sem muitas expectativas. De repente você me olha, depois de eu dizer as minhas coisas: Gosto de escrever, de estudar mais-ou-menos, não tenho nenhuma perspectiva de vida, mas não quero morrer aos trinta e ao contrário de você, acho julio cortazár o máximo; e diz "te achei o máximo, menina. Quero te ver mais trinta mil vezes"
"Quero te ver mais trinta mil vezes". Figura de linguagem. Hipérbole. E como eu precisava de algumas mil flores, eu acreditei em você. Respondendo "E eu quero te ver mais sessenta mil". Figura de linguagem. Hipérbole. Vício constante. Exagero em pessoa. Eu. Pronome pessoal do caso reto. Muito mais palavra do que sentimento. Você me olha e diz "espero que a gente se veja então". E eu respondo "Eu também espero". A grande cordialidade do fim dos encontros, pensei. Pensei em nunca mais te ver pelos próximos é, trinta mil anos. Mas você me mandou um e-mail, desses bonitos me contando mil detalhes da sua vida. E eu, a própria hipérbole, que adoro detalhes, achei assim, de uma doçura ímpar. Nessa hora já se formava meio jardim de margaridas. Você marcou no parque, um café. Eu fui. Você me contou mil histórias, e eu te contei as minhas.
Sonhava você casar, ter filhos e uma casa de portão verde com jardim. Eu também sonhava em casar, ter filhos e uma casa de portão amarelo. Mas nesse dia disse "amarelo, talvez verde quem-sabe" e você me sorriu. Você me contou dos seus sonhos, dos filmes que já assistiu, dos filmes que queria-assistir e eu sorri em todas as observações. Eu te contei meu mundo como se meu mundo fosse acabar no segundo seguinte. A hipérbole do tempo, achando que o tempo ia acabar no instante em que você levantasse daquela mesa e fosse me levar pro lugar onde esperaria comigo meu ônibus chegar. Afinal de contas, a gente não morava tão perto a ponto de você "me acompanhar até em casa". Tinha que ir sozinha, pensando em você no caminho e sorrindo cultivando margaridas, ou girassóis.
"Honey, você não pode largar as pessoas de lado como um brinquedo que não gosta mais". Eu te disse que tinham me dito isso uma vez. Você só me olhou. Te contei dessa minha mania de nunca me apegar, te contei dos meus jardins que morreram e de como eu esperava que nascessem girassóis. E de quantas ervas daninhas nasceram no lugar deles enquanto isso. Você só me olhava. Depois dizia "Ai, honey, eu me machuquei tanto ao longo desses anos todos que acho que amor é aquela coisa assim, impossível, mas ao mesmo tempo tão boa. Só que não quero mais brincar de amor."
E eu pensei "A gente está brincando de amor nesse exato momento. Amor não é uma coisa de querer"
E no meio do seu romantismo incurável, no meio da casa de portão verde, num outro dia desses sem sol nem chuva eu descobri sem querer que você era do tipo que cultivava em todo mundo uma margarida, e depois acabava por fazer essa margarida se tornar um jardim, mas nunca pensava em realmente cuidar dos jardins que fez crescer. Depois dizia "honey, eu espero te ver ainda umas trinta mil vezes" e esperava sorrisos de todas as bocas a quem proferia as mesmas palavras. Dizia não querer brincar de amor, mas brincava com o amor todos os dias. Na verdade eu soube no exato dia em que te disse oi, que a minha atração inevitável vinha muito mais por reconhecimento do que qualquer outra coisa. Eu me vi em você. No fundo dos teus olhos de timidez ensaiada, dentro da sua hipérbole eu soube. Eu soube que eu ia me machucar assim, umas trinta mil vezes, no meio dessa coisa de ser mais uma no meio de várias. Justo eu, filha única de pais zelosos, que nunca soube dividir um brinquedo, e que não sabe até hoje como se brinca de amor.
Te encontrei em outro café (no encontro de número três, não no de número trinta mil) e te disse "honey, a gente está tão perdido". Você me sorriu, acho que concordou por vício. Depois me contou dos seus planos de casas verdes com portões cor-de-rosa e três filhos. Me disse que não sabia brincar de amor, mas que queria tentar (e claro que não era comigo). Eu te disse "ninguém sabe, é o amor que vive brincando com a gente. Cabe a gente saber-jogar" Você concordou e me disse pela milésima vez "eu quero te encontrar mais umas trinta, quarenta, sessenta mil vezes. Você é o máximo, menina". Sorri. Te dei um abraço forte te dizendo "e eu quero te ver mais umas cento e setenta e cinco mil vezes" Você sorriu. Não tinha mais margarida, nem Girassol. Só umas flores de rua assim, coloridinhas, que dão um sorriso de canto de boca na gente. Umas flores assim, parecidas comigo. Marias-sem-vergonhas, quem sabe. Olhei nesses teus olhos verdes, rapaz, me enxerguei como em espelho. Eu quis te dizer "Honey, nem tenta. Você quer brincar de amor, mas só sabe brincar com o amor. Todos os dias". Fiquei quieta, sorri, pulei no teu pescoço dizendo "sessenta mil vezes". Você me sorriu dizendo "setenta e sete mil vezes". Fomos até o ponto, você me deixou no ônibus em que eu seguia como na vida: sem você. Você me mandou um beijo e eu sorri pensando "Ah honey, a gente se ama porque a gente ama todo mundo. E não ama ninguém"
5.11.10
Rotina.
(e esse cara não existe.)
3.11.10
Não me olhe assim eu sou parte de você (você não é parte de mim)
27.10.10
Foi em 29/04/2007
Não acredito nos homens.
Tenho pavor de juntar escovas de dente. Sou ao mesmo tempo minha melhor amiga e pior inimiga. Acredito num propósito maior. Espero não ter que adotar Luísa. Não sei pra onde a vida vai me levar. Vivo de pequenas poções de ilusão e mentiras sinceras, quando tenho plena consciencia de que são isso que elas são. Não tolero traição. Estou carente. Preciso de demonstrações públicas de afeto e alguém que responda meus e-mails. Preciso de amores que pareçam sobressair ao tempo, ao espaço e as dificuldades. Não estou triste, nem absolutamente feliz. Luto contra dores de cabeças horríveis e stress. Não choro. Não como direito a uma semana. Chico é o único homem da minha vida. E felizmente eu tenho meus amigos.
Acredito num propósito maior pra essa vida. Ainda tenho esperanças.
Estou me descobrindo a cada dia e muitissimo satisfeita com isso. Me sinto bem na própria pele. E de cabelos negros.
Café forte. Sem açúcar. ùnica e exclusivamente pra quem gosta.
Eu, Prazer.
14.10.10
De guarda-chuva vermelho.
13.10.10
trecho de qualquer coisa-que-seja
old soldiers, just fade away.
5.10.10
Esse sim é pra você. - O último e o primeiro.
É que é bem assim, hoje eu decidi que eu ia dormir mais cedo, que eu ia fazer as coisas e aí tô protelando de novo. Eu tinha um arquivo de texto com cartas pra você, era até uma coisa bonita, mas hoje, antes de dormir tarde por - eu prometo - a última vez na minha semana eu preciso te dizer essas coisas. Essas coisas que você nunca vai ler. Ou vai, e vai ficar bravíssimo como se cada palavra que eu escrevesse nova fosse um tipo de alfinetada pra você. Eu não sei o que é, mas ultimamente todo mundo tem pensado que eu me preocupo muito com elas a ponto de escrever pra elas. E isso é uma bobagem porque eu sou muito egoísta. São poucas às vezes que eu não estou escrevendo para mim mesma e querendo irritar a mim mesma. Pouquíssimas. Mas aí as pessoas me olham, acham que eu sou algum tipo de filha da puta que fica aí enchendo o saco de todo mundo o tempo todo, e eu até sou. Mas não assim. Na verdade, eu me preocupo pouco demais com os outros pra que deseje machucá-los de alguma maneira. Você menos ainda. Eu não ia querer te machucar de qualquer maneira, até porque, eu gosto muito de você. Gosto muito. É isso, nada mais que isso. Você não vai ouvir mais da minha boca que eu te amo, que eu morreria por você. Isso tudo já me machucou demais, já fez calo demais em mim e em você. E eu sei lá se eu te amo, se é que eu amo alguém. E eu espero que você entenda. Espero que você entenda também que essa é a última coisa que eu te escrevo, diretamente ou indiretamente porque nem tem lugar mais na minha literatura pra ficar inventando histórias sobre você. As coisas foram se tornando repetitivas. Minha vida foi se tornando repetitiva, é um eterno acordar e pensar que eu estou infeliz, depois pegar um ônibus ouvindo no meu ouvido que eu já fui mais feliz e ficar me esquivando da realidade tomando aqueles cafés que ora são muito doces e ora muito amargos. Depois eu fico me inventando, me reinventando e procurando companhia aqui e ali, mas isso não surte o mínimo efeito. E eu nem consigo disfarçar na sua frente que eu é, não sou feliz. E você não pense que eu faço isso pra jogar na sua cara que eu acho que você está fazendo coisas erradas ou isso ou aquilo, é só que eu preciso dizer em algum lugar que a minha vida não tá assim tão legal. E eu não sou nem tão digna e nem tão adulta assim pra fingir que comigo nada aconteceu.
Minha vida anda vazia e ultimamente eu tenho feito um tremendo esforço pra reparar as besteiras que eu fiz no passado, até pensei, podia te chamar pra conversar, mas você ia confundir de novo as coisas. Você é mais covarde que eu, em todos os aspectos. E entenda que eu não estou te dizendo isso porque eu quero te atacar. Eu te acho suficientemente interessante e suficientemente legal, mas não dá mais. Pra mim. Eu tentei ser civilizada o tanto que pude, e tentei não invadir a sua vida e tentei até fingir que eu estava bem pra não te magoar. Mas até isso tem um limite, uma linha. E a linha era entre aquilo que era a minha vida e a sua vida. Eu nunca coloquei o dedo na sua cara e te apontei tudo que eu achava que você tinha feito de errado e nem tem lugar pra isso. E aliás, você nem está fazendo nada de errado. Você só está vivendo a sua vida do jeito que você acha que deve e por mais que eu te olhe e ache que isso depois de nove ou dez meses não vai dar em nada, não importa. O que importa é que você esteja feliz do jeito que lhe cabe, e eu feliz do jeito que eu ache que deva. O seu problema, e o problema de todo mundo é se achar o centro do universo. De que tudo aquilo que eu faço, ou falo e até as lágrimas que eu derramo são pra você. Às vezes até é, mas na maioria das vezes eu só estou preocupada com a minha dor. E além da minha dor, com a minha vida. Tem todo um universo aí que você deixou de conhecer há muito tempo dentro de mim e que só é um pouco de dor misturado com um pouco de literatura. Minha vida podia ser do jeito que eu escrevo, e às vezes até soa mais bonita, mas por mais que eu e você nos enxerguemos dentro da história, aquilo não existe. Nunca existiu. É como se eu tivesse escrevendo um livro. A nossa história é isso, um livro. Uma coisa que eu inventei com começo meio e fim pra poder suportar a falta de coerência dos personagens. Esse desencontro todo não é bonito, não soa bem. Em algum lugar a história tinha que existir de outra maneira. E existiu.
Na verdade eu não espero mais nada de você. Nada além do que você pode me dar, e tudo o que você pode me dar é muito pouco perto do que eu preciso. Às vezes é hora de reconhecer que meia dúzia de palavras jogadas e duas tardes de conversa não vão me fazer ter uma vida mais legal, por mais que eu sinta saudades suas, assim, como pessoa. E talvez seja a hora de você perceber isso também. Acabou, nós temos outra vida e por mais que a separação doa, foi você que escolheu assim. Um dia, literal ou não literalmente, eu fiquei sentada na cadeira te vendo ir embora e você foi. Sem mim. Eu ensaiei três sorrisos, ensaiei falar de outra coisa, mas no fim, no fim eu acabei chorando. Eu fiquei lá chorando enquanto você ia embora sem mim. E só isso já foi uma dor maior do que eu podia suportar. Depois eu tentei, eu esperei que você viesse me buscar em outro lugar, e me explicasse tudo o que tinha acontecido de verdade pra que eu pudesse levar minha vida de um jeito mais suave. "tudo bem não deu certo, mas a gente se vê por aí." "é, se vê por aí" "espero que você seja feliz" "eu também, eu espero que você seja muito feliz" "a gente se vê" "é, a gente se vê". E aí a gente ia se encontrar no ônibus, no mercado, na esquina, você ia me contar como está a sua vida me negando os detalhes que você não ia querer que eu soubesse e eu ia te contar da minha vida também te negando os detalhes que podiam te magoar e ia ser assim até que um dia a gente se encontrasse de novo, ou não, no meio de uma outra vida, de um outro universo. Mas não foi assim. Eu que fiquei chorando, eu que doí, eu que levantei da cadeira atrás de você, eu que corri atrás de uma explicação que não veio e então fui eu que dei o fim na história que eu conhecia, sem fim nenhum. E por mais que eu saiba que eu podia lidar com isso caso isso tivesse acontecido de um jeito menos dolorido, eu que resolvi ir embora de vez. É, assim, hoje. E decidi me doer sozinha, pegar dois ônibus, lidar com a minha infelicidade que tem gosto de café doce e continuar te deixando em paz. Hoje eu decidi que eu não durmo mais depois das duas da manhã, que eu vou fazer uma dieta, que eu vou correr cinco quilômetros três vezes por semana, cortar o cabelo, viajar, ler livros, escrever cartas, e principalmente, não dedicar mais nenhuma linha que seja a você. Não que eu tivesse feito isso antes. Essa é a primeira e a última coisa especialmente endereçada a você que eu deixo ao acaso pra que você leia. O resto eram histórias. O resto era a sua culpa te dizendo que eu queria te machucar. Eu nunca quis. Eu sei que você não queria também, mas machucou. E devido a minha falta de tato com tudo, eu resolvi te deixar pra lá. Por você, mas principalmente por mim. Eu realmente espero que você seja feliz. Realmente. Eu nunca julguei suas escolhas. Eu só tinha medo que você fosse infeliz. E ainda tenho. Mas se você for, não é problema meu. Você tem o direito. Se um dia você ainda quiser me ver, você sabe onde me encontrar. É capaz de eu continuar naquela mesma cadeira em que você me deixou chorando um dia. Porque tudo que se definiu daquele dia em diante, fui eu que inventei. No mundo real, nada aconteceu desde o dia em que eu fiquei sentada lá. Se um dia você quiser me tirar de lá, é só me procurar. Só que também pode ter acontecido de eu ter decidido ir embora sozinha.
Eu já dei o primeiro passo.
28.9.10
Quero ser Fernanda Takai.
Eu sempre escrevi. Assim, a vida toda. Às vezes acho que nasci escrevendo. Ou lendo. A palavra sempre me foi essencial. Se eu me comunico, é porque existe a palavra. A escrita. Não a falada ou a imagem. Porque só sei ser de verdade enquanto escrevo. Só sei me expressar assim. Então é natural que admire com todas as forças todas aquelas pessoas que se entendem bem com as palavras. Tenho vontade de roubar todo o talento do mundo da escrita pra mim, e só pra mim. Admiro quem escreve de um jeito que se pudesse, comeria-os e jogaria de volta no mundo sem talento algum. Quero pra mim a facilidade da expressão. Quero que seja meu. Foi assim que eu descobri que tenho dificuldade de me relacionar com quem, assim como eu, se expressa pela palavra escrita. Pois se achar demasiadamente bom terei vontade de comê-lo e jogar de volta no mundo sem talento algum. Vira assim, competição. E mais do que admiração, tenho com essas pessoas uma estranha sensação de inferioridade. Porque posso, mas posso menos que elas. E por isso as admiro. As admito invejosamente. E por isso elas devem ficar guardadas na estante. Por outro lado, também tenho uma dificuldade imensa de amar em alguém o outro extremo. Alguém em quem eu não enxergue nada em que a pessoa não seja melhor do que eu. Não por prepotência. É que falta admiração. E os puristas que me desculpem, mas sem ter o que admirar, morre o amor. Então cheguei a conclusão que preciso amar aquilo que admiro, mas que nunca vou poder ter. Poderia facilmente amar alguém que desenha muito bem, pois sei que não tenho nenhum talento pra fazer uma linha reta que seja. Não sei dar vida a imagens. Poderia amar também alguém que pintasse. Ou que fizesse filmes. Poderia amar alguém que tivesse um enorme talento para a composição de músicas, coisa que eu nunca soube fazer. Por um simples fato: preciso admirar o que existe no outro, sem querer ter para mim. Admirar como quem diz: sou incapaz, embeleze você o mundo. Pois então digo, egoistamente, seria incapaz de amar alguém que fosse mais capaz do que eu do que escrever um livro inteiro. Quero pra mim alguém que não tenha a facilidade da escrita, porque a grande verdade é que preciso ser admirada por isso. Querem saber? Quero um complemento, não uma adição. Entendem a diferença?
E então vocês me perguntam, e os filhos? E eu respondo. É que descobri que quero filhos que cresçam no meio de uma família cheia de admiração. Quero admirar aquilo que me fez escolher meu marido, e quero ser admirada. Não exatamente e somente pelos talentos básicos. Mas quero olhar para pessoa que escolhi e querer morrer, de tanta admiração. E querer que ele cresça, e viva e seja cada vez melhor. E que tudo aquilo se multiplique. E que seja assim também comigo. E que seja assim também com os meus filhos. Que um dia eu olhe pra eles e consiga ao mesmo tempo que enxergo tudo aquilo que gosto e que não gosto em mim, enxergar tudo aquilo que admiro na pessoa com quem escolhi tê-los e educá-los. Quero que enquanto eu os ensine a ler, o pai ensine os filmes e as músicas. Enquanto eu mostro a palavra, a outra pessoa mostre as imagens, ou o som, ou a outra forma de escrita. E não é egoísmo, não. É que eu só sei admirar nos outros aquilo que não tenho. Porque quando admiro o que tenho, é como se tivesse admirando a mim mesma. É que quero, um dia poder dizer no meio de uma dúvida "eu não entendo nada disso, pergunta pro seu pai" e também quero ouvir "eu não entendo nada disso, pergunta pra sua mãe". É que quero viver assim, nesse ambiente de amor e admiração mútua que criam filhos que cantam e escrevem, que desenham e cantam ou que não fazem nenhum dos dois e frustram os pais por dois minutos. É que quero enxergar na nova vida tudo aquilo que amo e admiro. E não só as artes. Quero ver naquela nove criatura o tamanho do sorriso que eu amava, ou o jeito de mudar a sobrancelha que me irrita, ou a mania de beber água logo depois de acordar. Qualquer coisa assim que me remeta ao amor. Aquilo que amo. Aquilo que admiro. Porque sei que é obrigação de todo ser que vive continuar perpetuando no mundo tudo que há de bom. E é por isso que eu um dia quero escrever livros. E é por isso que eu um dia eu quero ter filhos. E é por isso que hoje quis ser fernanda takai. Porque imaginei meus filhos com alguém que ainda não sei cantando comigo e com ele, e imaginei enxergar neles tudo aquilo que eu amo, e fui feliz por três passos.
Sendo eu.
A grande diferença entre os mortos de vida e os mortos de sentimento é que o sentimento sufoca, mas a vida continua. E no momento seguinte, embora haja de algum jeito a morte da angústia, renasce outra no momento seguinte. Aqueles que morrem pela palavra ainda tem que lidar com a vida. No momento seguinte aquele a quem foi proferida as palavras tem o direito de responder. E responder diretamente ao seu interlocutor. Os loucos do sentimento. Os suicidas das palavras. As pessoas como eu, que por não caberem dentro de si mesmas resolvem soltar tudo aquilo que sentem no momento mais inoportuno possível. Nesse momento nasce a outra angústia. A angústia que anda com aqueles que disseram tudo que precisava ser dito, mas também o que não precisava ser dito, e mais ainda, tudo aquilo que precisava ser dito, mas não naquele momento. E voltam a não caber dentro de si porque soltaram tanta palavra pra fora que agora falta palavra dentro. E eu cometi alguns vários sincericídios nesse meio tempo. Eu, eu mesma, primeira pessoa do singular. Achei que ia morrer de sentimento e assim, quase morta, disse o que devia e o que não devia. Palavra por palavra. Fleumática como sempre fui, sem nem saber a conseqüência que as palavras fortes podem lá trazer nas outras pessoas. Enderecei e-mails, depoimentos, cartas. Disse. Escrevi textos atrás de textos que tinham por único objetivo me livrar dessa angústia de existir. É muita palavra dentro de mim. Muita palavra. Porque é muito sentimento. E eu repito: eu não caibo dentro de mim. E quando tento dar vazão a isso inventando outras partes de mim como personagens só sei falar de mim mais uma vez. E fingindo não ser eu só pareço mais ainda comigo. Só que mais malfeita. E pasmem, cabendo menos ainda. O que eu quero dizer é que faz uns doze meses que eu não caibo dentro de mim nem metade do que deveria. Preciso falar, preciso contar. Preciso falar dessa minha angústia ao acordar todas as manhãs, desse meu medo da vida, dessa minha indecisão. Preciso gritar pra todos vocês que eu sou infeliz, apesar de tudo, e no meio de tudo. Mas não é culpa de ninguém, eu sempre fui sozinha assim, e descontente, e infeliz só que agora isso não cabe mais dentro de mim. E desde que começou a não caber comecei a sair por aí palavra atrás de palavra, soltando sentenças decisivas pra minha vida, depois me arrependendo, depois dizendo de novo. Amei, desamei, amei tanto que não coube e morri de palavra.
Amor quando não cabe, vira isso, uma repetição enorme. Porque quando se pode dizer o tamanho do amor só se fica ridícula perante o ser amado. Mas quando não se pode fica-se ridícula diante do mundo. Aí você quer dizer, olha, eu tenho um sentimento e esse sentimento é de um tamanho que eu não conheço, que não cabe dentro de mim e por isso eu preciso ficar tirando os pedacinhos, botando pra fora. Uma hora é em forma de raiva, depois é comendo chocolate e depois é fingindo ser outra pessoa. Um alter ego que encontra a felicidade na literatura. Depois se volta a vida real e o sentimento volta a não caber, a não ter vazão, a se perder ali no meio do nada e não cabe. As pessoas morrem de amor porque amor de verdade não cabe dentro da gente. Essas coisas destroem. Aí você fica assim. Se atropela que nem gente a beira da morte. Pois vai morrer mesmo. De excesso de amor. E depois da falta dele. E depois da lembrança dele. E todos esses sentimentos são enormes, e a verdade é essa. Nada disso nunca coube dentro de mim. E nessa ânsia de ser feliz colocando essas coisas nos seus devidos lugares virei exatamente o que sou fora do mundo do texto. O descontrole, a palavra atrás de palavra, a ânsia desenfreada de me contar, de ser ouvida, de amar e de ser amada, e principalmente a ânsia de conseguir colocar o sentimento dentro de um lugar que ele caiba. Ora tristeza demais, ora felicidade demais, ora entusiasmo demais. depois a esperança, depois a desesperança completa. E tudo isso é uma loucura. Mas é a minha loucura. E é uma loucura tão minha que só eu vivo dentro dela. E não tem espaço pra nenhuma outra vida dentro dela. Nem pra outro sentimento, outra personalidade, outro fingimento. E lhes digo então, só sei ser eu. E eu somente. E quando me reinvento, sou eu de novo. E quando me invento, sou eu de novo. E do jeito mais ridículo que posso ser. Acreditando naquilo que não é, esperando aquilo que não vem. Com uma fé enorme nas coisas que não existem. Garota- Dom quixote, lutando contra monstros inexistentes, contra moinhos de vento. Os meus moinhos de vento. Os meus fantasmas. E digo de novo, morrendo de medo. Porque não sabendo ser outra pessoa, estou presa a mim. E afirmo, tenho muito medo de morrer de sentimento e palavra. Quero a literatura, o fingimento, quero me deixar de lado. Estou grande demais, não caibo dentro de mim. Quero caber. Quero voltar a ser várias. Quero deixar de ser eu. Ainda que no papel, ainda que por pouco tempo. Preciso, que é pra não morrer. Nem de sentimento, nem de palavra ou pior ainda: pra não morrer de coração - pulsante e físico.
20.9.10
Cigarros, abraços e um pouco de sonho.
Eu, no meio daquela gente toda que não cheirava nada acendi um cigarro azul ou vermelho. Não lembro se tinha filtro. Não lembro que cor. Mas acendi. Fumaça entrando e saindo por todos os lugares. Pela garganta, pelo nariz. Por onde desse. Eu sempre fumei pra colocar ar dentro de mim. E não importa se era ar carbonizado, com mais de mil substâncias tóxicas. Que se foda isso. Faltava ar dentro de mim, muito ar, todo ar do mundo. Desde que você partiu. E quando você voltou lá estava eu colocando ar dentro de mim de algum jeito. Mas quando eu te vi acho que nem fumar mais eu sabia. E você ficou tão paralisado, tão me mostrando que aquilo não combinava comigo. E eu pensava que aquela merda também não combinava com você, porra. Claro que não. Principalmente aquela nicotina sem nome que cheirava a merda. E apaguei o cigarro, mesmo precisando de todo ar quente do mundo.
Você, a mesma calça jeans, a mesma camiseta e o mesmo tênis. Me olhando. Como se eu fosse um ET. Eu fumo também agora, caramba. E eu uso essas roupas cheias de "informação de moda". Eu também não sei porque. Eu também não sei porque você me idealizou tanto assim. Eu nunca soube porque você achava que eu era tanto assim pra você. Eu nunca fui. Eu sempre fui uma bosta de uma menina manipuladora, chata e até arrogante. Eu sempre fui menos inteligente que você. Agora eu nem quero saber o quão menos inteligente que você eu sou. Também não sei o quanto você embrurreceu. Vai ver agora a gente está do mesmo jeito. Burros e estúpidos. E fumando cigarros. Os meus caros, os seus baratos, mas com o mesmo câncer. Vai ver é isso, estamos adoecendo. Vai ver já estávamos doentes a muito tempo e não tínhamos nos dado conta. Faltam os livros, os filmes, os discos e as noites regadas a vinho e filme francês. Ou italiano. Longas discussões sobre filosofias que eu não entendia. Eu nem me lembro mais quando foi que isso se perdeu. Mas se perdeu. Que nem fumaça de cigarro. Só fica o cheiro.
O fato é que você me viu e ficou me olhando, como se pensasse que eu enfiava aquela fumaça tóxica dentro de mim por sua causa. E era mesmo. E eu quis te dizer: se eu tiver câncer, é culpa sua. Se eu morrer, sabe. E se você morrer, é culpa sua. Que não me ouviu. Culpa sua. Toda essa merda, culpa sua. Mas não disse nada, apaguei o cigarro, fiz cara de blasé e esperei que você me ignorasse. E você não ignorou. Eu sentei do seu lado, você me perguntou se eu fumava agora eu eu pensei "fumo sim, quero morrer de câncer, por sua causa". Mas não. Só sorri e disse que fumava as vezes, mas que tava tentando parar, que essa merda dá câncer na gente. Você concordou, disse que dava mesmo e que tinha parado também, que na verdade nunca gostou disso de fumar. O gosto, a fumaça, sei lá. Ai eu pensei em te dizer que todo mundo sabe porque você fumava, que era porque você tinha ficado burro que agora fedia merda. Mas também não disse, disse que ainda bem que você tinha se tocado, que isso não combinava nada com você e tudo mais. Essas coisas que eu digo pra você porque não tenho coragem nenhuma e quando eu vi eu já estava conversando com você do jeito que sempre fiz, cheio de risos e soquinhos, e você me respondia como se a gente se falasse todo dia, sei lá, e você nem fedia merda mais. Eu não sabia o que estava acontecendo e queria desesperadamente perguntar cadê, onde está a sua namorada, aquela merda toda de antes da gente se sumir assim, mas não tinha coragem porque ela bem que podia existir ainda, quer dizer, nada impede da gente se tratar cordialmente e termos namorados. Eu ficava pensando que dez minutos depois viria o momento em que você se daria por si e ia perceber que você estava me tratando bem demais só que você tinha alguém te esperando em casa, e daí não podia. Você já tinha feito isso algumas vezes e depois ficava eu e meus cigarros vermelhos, meus cigarros azuis, meus cigarros com gosto de menta botando pra dentro todo ar que você tinha mais ume vez levado com você. E ficava o cheiro de merda brotando.
Mas dessa vez eu não queria mais, nenhuma noite mais cheia de cigarros variados, aquela fumaça toda, cerveja, não sei. Não queria mais perder o ar. Eu já tinha acostumado a viver com o tanto de ar que me foi dado. Aí esperei você sentar, sorrir, me olhar do jeito que eu já conhecia e perguntei logo de uma vez. Cadê sua namorada? E quase que não coube dentro da minha camisa xadrez, achei que ia sumir ali dentro enquanto você abaixava e sorria de novo, dessa vez desajeitado, e aí eu já sabia que ela ainda existia e ok, mais um erro, mais uma noite mais cigarros, quem sabe um maço deles e aí sim, pelo amor de qualquer coisa eu ia te largar pra sempre porque não é possível viver assim, colocando ar pra dentro o tempo todo. E com a falta dele mais ainda. E já estava quase me levantando, tentando esquecer o frio dentro da minha camisa xadrez e foi quando você disse:
- Eu não sei.
Ai eu pensei meu deus, você só pode estar brincando porque como assim não sabe, claro que você sabe. Aí eu queria logo de uma vez dizer pra você parar com isso porque eu não agüentava mais essa sua indecisão, ia ser pra sempre assim? fala logo então, diz que existe alguma coisa, ou para de falar comigo pra sempre e cospe na minha cara, qualquer coisa, qualquer coisa, mas não tira mais meu ar. Eu queria te dizer qualquer coisa assim mas só respondi de qualquer jeito
- Como assim não sabe?
- Não sei. Além do mais, namorada mesmo eu nunca tive. Não essa que você está se referindo.
Eu só te olhava.
- Tem ou não tem?
- Não tenho. Acho que não tenho. Não quero ter mais.
- Não?
- Cansei. Tava cansado. Vim pra cá, no meio dessa gente toda pra ver se descobria alguma coisa, se colocava alguma coisa dentro da minha cabeça. Tem me faltado tanto ar, você sabe como é isso? Daí te vi, e eu nem ia conversar com você, porque não agüento mais te magoar. Eu só faço isso. Eu sei que eu faço isso. Aí eu te vi fumando e eu sabia que era por minha causa. Aí fiquei pensando, minha nossa, o que eu fiz com essa menina? Você parecia tão diferente e daí eu precisava saber se era verdade mesmo. Essa sua diferença toda. Você ali, no meio daquela gente. Você não é assim, e aí eu quis te tirar dali, mas eu não tenho coragem de fazer mais nada com você, daí só puxei o assunto e apesar das roupas, do cigarro, desse seu cabelo e tal, você continua igualzinha. Sério, igualzinha. E eu acho que eu descobri, eu não quero aquilo mais.
Você ficou ali daquele jeito envergonhado, triste e sorrindo de nervoso. Com aquele sorriso mais lindo do mundo. Aquele que eu conhecia e aí eu não soube nem te falar qualquer coisa que fosse e nem fazer qualquer coisa que fosse e só te abracei, e só isso já foi um passo enorme, mas daí você pegou na minha mão e disse obrigada, obrigada por tudo isso que você fez por mim, e eu te juro que eu quase chorei. Aï você me perguntou se eu queria dar uma volta, sair dali e eu disse que claro, e quase ensaiei dizer que com você eu ia pra qualquer lugar que fosse, mas fiquei quieta, e só aceitei o convite e fomos então andar na rua, sei lá se era rua aquilo, ou um parque, eu sei que tinha um banco há uns metros dali e dava pra ver e aí você me disse se eu queria ir até lá e fomos, e fazia frio, e você de repente parou e me olhou e me abraçou. E era tão forte o abraço que eu pensei que meu deus, eu não queria sair de lá nunca mais, e eu sei lá por quanto tempo a gente se abraçou, eu sei que foi muito tempo. Ou nem foi. Mas parecia, era assim a eternidade. As camisetas xadrez se encontravam e formavam uma pessoa só, mas é claro que eu não pensei isso, é que vendo tudo isso agora eu penso que aquele foi o dia em que as camisetas xadrez iam formar uma pessoa só, naquela hora eu só pensei: "esse abraço é o meu abraço" e poderia ficar ali pra todo o sempre, mas a gente andou, se abraçou mais uma vez e chegou no banco, que foi quando eu descobri que seu peito era o meu peito e começamos a falar bobagens porque não cabia mais nada além de bobagens naquele sentimento tão grande.
- Me diz, desde quando você usa essas roupas?
- Desde sem-pre
- A blusa xadrez tá uma graça mesmo, mas essa calça não combina nada com você.
- Também acho, muito agarrada.
- Não por isso, você é magrinha. Mas não combina.
- Eu acho, muito agarrada. Tô usando essa blusa de menino pra cobrir a bunda.
- Hahahahaa, não disse? Igualzinha.- Pelo menos a minha calça é de vinil, ó, super chic. Não é couro barato, daqueles que ficam sobrando atrás da batata da perna, sabe como? paguei caro nessa merda.
- Tá bonita. Não combina com você, mas de muito bom gosto.
- Obrigada. Espero que agora você saiba o que é isso, boooom gooostooo!
E voce riu, e me abraçou como se fosse a última pessoa do mundo. Depois riu mais uma vez das minhas calças de vinil, falando que aquelas calças tinham bocas muito estreitas, olha aqui, olha isso, como você entra nessas coisas hein menina? daí eu disse que simples, porque sou magríssima, e assim, meio modelo. Aí você comentou que eu estava me achando demais e eu disse que não, que eu só estava feliz e no meio daquela felicidade não sabia falar de quase nada, daí tinha que falar das minhas calças, e além do mais faz um frio nesse lugar que a gente tem que ficar conversando. Aí você disse que não, que então a gente podia ir embora, além do mais estava tarde, vai que roubam a sua calça de vinil e aí você disse que eu podia entrar dentro da sua jaqueta e eu perguntei como fazia isso, e você disse que era simples, era assim ó, e abriu a sua jaqueta e me abraçou por trás e disse pra mim que agora a gente ia demorar três vezes mais pra chegar em casa (na minha ou na sua?) mas pelo menos não ia sentir frio. E eu disse que aquele momento merecia uma foto, a gente andando assim, tão desajeitado e disse que até tinha uma câmera na bolsa, será que sai a foto, e você disse que mesmo que mais ou menos ia sair e a gente ia saber que aquele foi o dia em que a gente de camisas xadrez e calças horrorosas passou uma das melhores noites da nossa vida e eu disse que poxa, vão ter mais e você disse que claro que ia ter mais muitos mais, mas aquele era o primeiro. Pelo menos assim, de nós dois. E nisso passa uma menina na rua e a gente pergunta se ela quer tirar a foto, mesmo sabendo que ela podia sumir por aí com a minha câmera, pra sempre e ela diz que tira sim e quase me derrubando com o seu desajeito e com o sorriso maior do mundo, seu e meu você disse.
- Tira essa foto agora que a minha menina tá linda aqui dentro de mim.
E eu soube, aquele homem era o meu homem. E eu, a menina dele. E tinha tanto ar e tanto amor dentro de mim que eu não respirava. De tanto. Mas pela primeira vez, era bom.