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18.4.12

30 notas sobre um caso.

(dez de cada vez).

prólogo
Ela nunca se arrependia,
ou voltava atrás.
Exceto por essa vez,
em que se arrependeu,
e voltou atrás.


I
Acordo sonolenta,
não estou acostumada a dormir tão pouco.
Espero que ele deite de volta na cama,
mas ele resolve arrumar a casa.
Colocar as camisas azuis junto com as camisas azuis
Não manchar a calça de brim
me fazer café, que esfria,
com o chantilly que está no fim.
Ele quer cortar as laranjas como seu avô cortava,
como meu avô cortava
mas nossos avós sabiam que não se faz sucos de laranja com
laranja lima
ele não.
E eu deixo o suco no copo.

II
Invento desculpas pra ele e pra mim de porque não vou embora,
minto que preferia estar em outro lugar,
acredito que sou um espírito livre,
me frustro com o episódio do seriado que não assisti,
enquanto ele tenta descobrir meus segredos.
Meu segredo é mentir desesperadamente que não gosto dele,
que não queria estar naquela casa
deitada naquele colo
vendo ele limpar irritantemente as solas do tênis,
achando tudo adequado,
na inadequação.

III
Faço cena de ciúmes e ameaço ir embora,
ele ri da minha insegurança.
eu tenho raiva,
como chocolates.
Espero que ele volte.
Uso meu creme caro nas suas costas.
Tenho as mãos fracas.
Não sei desatar seus nós, nem tocar seu coração.
Me canso, faço charme, ele adormece.
Adormecemos.

IV
Acordamos.
Tenho as mãos quentes dele sobre o meu corpo.
Não costumamos nos resistir.
Eu provoco como uma criança birrenta,
Ele sorri como um moleque malcriado.
Sorrimos.
Olho pro teto que reflete a luz do bairro que não conheço e me sinto feliz.
Me despi dos pudores no terceiro encontro
rezo para que o coração continue velado.

V
Ele demora para escolher as camisas no armário,
Os vinhos no mercado,
se distrai com as outras mercadorias, e na fala
quando cogita um casamento que não pode acontecer.
Eu me irrito por vício.
Nunca lhe contei que também não tenho foco nos mercados,
e nos armários
provo dez vezes a mesma roupa,
e cogito escolher cinco chocolates diferentes,
pra acabar levando o primeiro que peguei.
No meio do balé dos carrinhos e na histeria da páscoa
eu foco no ovo que ele não quis me dar,
e na bronca que eu levei por sujar seus tênis.
é mais fácil acreditar que eu sou um ovo número quinze,
quando ele queria um vinte e um.

VI
Ele abre o nosso vinho pra dois,
em três pessoas.
Tomamos.
Sou tomada pela esquisita satisfação de estar onde queria estar
no meio do molho pesto,
da carne vermelha
das histórias sobre gente que não conheci.
Ele me pergunta se eu estou apaixonada e eu nego por costume
ébria de vinho eu acredito quando ele diz,
que gostando de azeite, eu sou o seu número.

VII
Ele tira fotos da nossa mesa.
Comemos.
Eu não quero admitir que talvez esteja numa das noites mais agradáveis,
desde então.
Ele tem medo de eu não ter gostado da sua comida,
eu vivo com medo dele nunca ter gostado de mim.

VIII
Ele canta com a voz de cantor,
coloca as músicas que eu ouvia na infância
eu admiro de longe seu encantamento com o verso do Fagner.
Eu não queria estar em outro lugar,
imagino um fim de noite perfeito,
E tomo a última taça de vinho  num gole só.
O peixe morre pela boca.

IX
Fico zonza,
Sujo o banheiro,
não sei mais onde estou.
Ele adormece na cama logo ao deitar
Eu passo mal dormindo.
Não sei como voltei pra cama,
não sei como tudo aconteceu,
eu não sabia que tinha estragado tudo.
Os desejos de uma noite feliz morreram no fundo da taça.

X
Ele me acorda com ternura,
eu tomo banho sem saber onde estou.
Não entendo o que aconteceu, adormeço.
O mundo roda.
Minha cabeça roda.
A consciência roda.
Apareço na cozinha com os trajes inadequados e de repente não sei o que estou dizendo.
Ele não gosta mais de mim.
Meu choro tem gosto de arrependimento com vinagre.



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