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10.4.12

so you don't know where you're going and you wanna talk.

não sabia que teria que de novo encarar o rosto velho e careca do dr. agnello que cuida de mim desde os 8 anos de idade e as primeiras crises do estômago. fazia tempo desde a última vez. na última vez dessas loucas crises eu tinha perdido isso que chamam de "amor da minha vida". o amor da minha vida, hoje, é só uma bonita lembrança de um homem que um dia me tratou muito bem. o amor da minha vida usava reticências espaçadas o tempo todo. inclusive aquelas de dois pontos, e dava espaço entre os parentesis. hoje eu não saberia lidar com ele, que nem assiste mais os jogos do milan (assim como eu não assisto mais os do barcelona). ele está feliz. eu já disse isso um milhão de vezes, mas ele está bem feliz. e eu fico feliz por ele. ele era o homem mais incrível que eu já conheci. e provavelmente, não era o amor da minha vida.

Dr agnello na ocasião me disse em suas poucas palavras que, eu estava somatizando muito stress. eu botei a culpa no tcc, e ele me receitou os remédios de sempre pra parar de vomitar a vida. desde então, eu e dr agnello não mais nos vimos. ele se ateu a cuidar da minha mãe, que ultimamente somatiza os stresses de todos nós, e sofre um bocado. os anos depois do ocorrido não foram felizes, nem ao menos agradáveis. foram vivíveis. 2010 teve gosto de morte e 2011 passou do jeito que podia, comigo vomitando no carro dos outros e na patente do meu banheiro, porque dei de abusar da bebida - e da vida. teve até aquela vez horrorosa que eu vomitei não só o carro como também toda a lataria de fora do carro do menino do trabalho, e depois também a minha roupa e a caneca onde eu tinha bebido e deus sabe como eu consegui subir as escadas, e chegar na minha cama. eu me desculpei no outro dia, e ele disse que tudo bem, esse tipo de coisa acontece, meio que rindo do meu desajeito. no mesmo ano teve o vinho que me desacordou durante a noite, a tal da gelatina louca. a gente fica assim, meio querendo esquecer a vida quando perde o grande amor. já não precisava mais tanto dos remédios do Dr. agnello porque dava conta de maquiar minha infelicidade no meio de todas as festas de república do mundo, muita cerveja e muita gente desconhecida. no fim do ano tudo teve uma certa calma, até que eu perdi meu emprego e a vida voltou a ser a mesma aventura incerta que era no começo disso tudo. sem amor, sem carreira, sem os amigos que tinham mudado de cidade. senti a falta dele de novo, quis morrer trinta vezes, mas continuei.

conheci outra pessoa, achei que quem sabe podia ter ali uma salvação, continuei vivendo, conheci outra cidade, outras pessoas, outros jeitos de ver a vida. tive uma esperancinha de que as coisas finalmente iam pro rumo certo, mas vez ou outra a coisa degringolava e eu percebia que talvez aquele não fosse o caminho mais certo do mundo. mas a gente precisa de esperança, sempre ela a esperança, e tem que continuar porque alguma coisa sempre-tem que continuar, então mesmo em meio às frustrações e a minha loucura eu continuava. eu apostava meio tímida as minhas fichinhas, mas apostava. enquanto isso tentava esquecer que não tinha nada da vida, nem um emprego, nem uma carreira e nem uma casa pra morar e nem mesmo eu cresci depois que ele me deixou e não estava mais ali pra me impedir de pular as janelas. e tudo vai indo, eu fui focando em emagrecer, fui tentando fechar os olhos pras coisas que eu sabia que aconteciam, mas que eu não queria encanar naquele momento, fui tentando calar a paranoia e correndo 8km diários. daí nessas últimas semanas eu dei de sentir os mesmos mal estares que sentia quando tive que encarar o dr. agnello, lá estava eu vomitando a vida de novo, mas nem dei confiança. tudo bem, é assim mesmo, eu só ando comendo comida leve, toda vez que comer uma comida mais pesada vou passar mal. e achava que tudo ok eu não conseguir comer mais que um pedaço de pizza, deixar metade do lanche no burguer king, comer duas colheres de arroz e uma concha de feijão e começar a sentir enjoo. tá tudo bem, é que eu não consigo mais comer muito, é a dieta.

aí que teve esse dia em que eu excedi demais a cota e passei mal mais uma vez. desacordei, estraguei uma casa, não conseguia ver comida na frente, passei uma manhã inteira tonta e descontrolada, querendo chorar nos cantos e achei que ok, tudo bem, eu-tomei-vinho-demais. no outro dia eu comi salada, mas passei mal porque o-suco-de-laranja-tava-quente-demais. no outro dia no café da manhã eu-dormi-muito-pouco-foi-por-isso. até que hoje, depois de uma coxinha e uma torta de morango de volta em casa, eu percebo que não teve dieta nenhuma, não foi vinho-demais nenhum, nem é que eu não consigo mais comer macarrão depois das onze da noite. não eram fatos isolados. era um fato só: eu tenho somatizado a vida que não sei lidar. e nesse último mês, dr. agnello me olharia e diria "larissa, o que acontece é que você tem somatizado muito stress". a gente vive uma vida toda pra precisar de um estopim horroroso pra se tocar que, olha, essa vida que você tava vivendo não era exatamente feliz, e toda essa sua frustração ia acabar aparecendo em algum lugar. e apareceu. olha eu vomitando a vida de novo. fico olhando pras paredes descascadas do meu quarto e descubro o inevitável: tenho sido muito infeliz. e infeliz de um jeito profundo mesmo, que não adianta, não tem noite agradável que conserte. eu sou aquela menina infeliz no canto da festa que uma hora ou outra vai sentar na cadeira e ficar olhando apática pro próprio pé.

minha apatia é muito anterior à tudo isso. é apatia de quem não quer pensar na própria vida e fica assim, vomitando pelos cantos porque precisa soltar a dor de algum jeito. ele me perguntava se eu estava feliz e eu dizia que sim, só que a verdade é que eu não lembro a última vez que fui feliz. talvez naquele primeiro fim de semana em fevereiro quando tudo ainda era um pouco novidade, mas não sei se. eu era feliz ali, mas tem tanta coisa que não era feliz que a verdade é que eu nunca me entreguei plenamente pra nada desde que me entreguei da última vez, e fui fazendo da vida essa bola de neve. acontece que sou forte demais pra chorar no ombro de quem quer que seja, e vou dizer que "não foi nada" toda vez que me perguntarem se aconteceu alguma coisa comigo. tenho um orgulho que é muito maior que a minha dor, e uma mania esquisita de nunca me permitir sofrer. tudo isso parece aquele papo clichê, mas é que sempre foi assim. seria mais fácil ser essa pessoa que sofre e chora, que fala na cara, que tem ataques de ciúmes e que não vive de indiretas e remoendo as coisas que não falou, mas meu orgulho impede. não quero ser aquela louca que sofre de ciúmes e que morre de amores, eu sou bem-resolvida demais pra isso. acontece que eu não sou. e não sendo vomito a força que eu finjo ter, mas não tenho. e desde os oito anos encaro o dr. agnello me dizendo que isso tudo é a minha infelicidade somatizada.

sou uma eterna infelicidade somatizada. e me sei apática. se me derem um soco, ficarei olhando. se cuspirem na minha cara, limparei e continuarei deitada. as pessoas me destroem e eu não tenho força o suficiente pra brigar. só fico ali, esperando um abraço. eu sei de um monte de coisas que preferi não contar. eu fui machucada em partes que ninguém nem imagina. só que continuo sorrindo. faço uma gracinha, peço desculpas, digo que a culpa é minha, finjo que não ouvi os desrespeitos todos e continuo vivendo. eu queria chorar no meio da augusta, sentada no meio fio, perguntando pra eles porque é que estavam fazendo tudo aquilo comigo. eu queria pedir colo na volta do show, mas me contentei em ouvir eles dizendo que eu sou uma menina muito sensata, e que ia saber o que fazer. eles nem sabem que meu coração ainda quebra em pedacinhos. eles não sabem que o meu discurso bem resolvido é ressentimento. eles não cuidam tanto-assim de mim porque eu digo que sei me cuidar sozinha, e que vou sobreviver. só que eu não sobrevivi. nesse ano eu acho que eu nem nasci ainda. estou ali morta em algum lugar. o que vive é o casco machucado que apesar de toda a bordoada do mundo, continua de pé. vai, bate mais um pouco, diz que eu sou um desastre, eu vou aguentar. diz que queria me bater, diz que eu não sou o tipo de mulher que você esperava que eu vou vestir o meu coturno e continuar em pé. me dá o tapa na cara que você queria me dar e segurou. eu não vou fazer nada. eu vou passar o meu batom vermelho e não conseguir aproveitar o show da minha vida porque sinto o peso do mundo nos ombros. mas vou fingir bem. depois chego em casa e vomito o mundo na privada. assim como tinha vomitado no último mês sem me dar conta. dou descarga em tudo que não grito, é o jeito que eu dei de me livrar de mim mesma.

dr. agnello já está acostumado, ele me receita remédios e eu paro de sujar paredes por aí. mal sabe ele que eu só queria um pouco de paz. pra um dia ser feliz, quem sabe.

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