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3.4.12

Leve, como leve pluma muito leve pousa.

"Leve, como leve pluma
Muito leve, leve pousa.
Muito leve, leve pousa.

Na simples e suave coisa
Suave coisa nenhuma
Suave coisa nenhuma.

Sombra, silêncio ou espuma.
Nuvem azul
Que arrefece.

Simples e suave coisa
Suave coisa nenhuma.
Que em mim amadurece" (Amor - Secos&Molhados). 


Queria escrever alguma coisa. Qualquer coisa no dia que me faltam as palavras. Sinto um turbilhão de coisas e não sei como transformá-las em prosa ou poesia. A vida nos toma muito tempo. O tempo todo muito tempo. Mesmo quando a vida em si nem existe. Preencho meus dias com corridas ao ar livre e pequenas frases jogadas ao acaso no mundo narcisista das redes sociais. Quero a atenção que sempre tive. A atenção de ser o melhor texto da sala, a piada mais engraçada do bar, a menina mais inteligente do grupo de amigos. Quero ser amada, como todo mundo quer. Sou sozinha. Sempre fui sozinha. Guardo comigo a condição de sempre ter sido solitária. Filha única, passava meu tempo entre gibis, livros e os programas de tv cultura. Nunca gostei muito de gente. Me irritavam as crianças que corriam. Nunca gostei de pique-esconde. Tinha pavor de ser a última a ser encontrada. Ou a primeira. Nunca me encantou o mistério do gato mia. Nunca pintaram na infância minha cara com rolha por conta do dorminhoco. Eu preferia os adultos, os amigos mais velhos, minhas bonecas e os livros do monteiro lobato. Ainda não sou muito dada a gente. Tenho um desses universos grandes em que hesito em deixar alguém entrar. Faço força pra conseguir descobrir alguém que saiba todos os meus segredos. Ninguém sabe. Tem sempre alguma coisa a esconder. Ou a calar. Todos aqueles que um dia quiseram entrar nesse universo que não faço questão de contar eu afastei. Preciso dos segredos porque senão não existe literatura. A literatura se faz do mistério, do escondido, das caixinhas que não se conta nem pro terapeuta (embora ultimamente eu não acredite em terapeutas). 

Ser sozinha é uma condição-karma. Ninguém gosta tanto assim de gente sozinha. Ninguém sabe lidar muito bem com a solidão. As pessoas querem estar juntas, preferem a presença e olham com um certo desprezo ou descaso aqueles que sentam sozinhos nas mesas dos cafés e compram um só ingresso pro cinema. Eu preciso estar sozinha. Preciso ter comigo a certeza de que sou eu que estou tomando as rédeas da minha vida. Por isso hesito ao pedir conselhos. Por isso por vezes falho nas relações amorosas. Tem gente que exige fazer parte da sua vida demais, fazer parte das suas particularidades demais. Quer deitar na cama e dividir o momento solitário com você. Não respeita o secreto. Não tem como viver com gente que não respeita o secreto. Preciso do silêncio. Preciso caminhar oito, dez quilômetros e não ouvir a voz de ninguém a não ser a minha própria música. Preciso do meu espaço de seis ou sete metros quadrados em que durmo e escrevo. Preciso tomar café na padaria e não encontrar ninguém conhecido. Preciso estar em contato porque sempre precisei. Desde pequena. Desde quando o barulho das crianças que brincavam de pique-esconde me irritava. Sempre soube muito mais ser sozinha do que ser junto. É difícil a condição. É difícil porque é preciso compartilhar pra viver. É preciso estar-junto. É preciso que se tenha alguém pra contar e outra pessoa embaixo do seu cobertor, mesmo que esporadicamente. Sei que me livrar da solidão é um exercício. Um exercício diário e saber enxergar e dar lugar pro outro. Um pedacinho da cama. Um pedacinho da vida. Uma história que nunca se contou pra ninguém. Um segredo.

Sei também que ser sozinha é um dom. O dom de saber que se é um ser completo. Não no sentido de não precisar de mais ninguém, mas no sentido de ser pleno. Existe plenitude na solidão. Felicidade em ir no shopping fazer compras sem ninguém ao lado, em ouvir sua própria seleção de músicas, escolher o canal da tv, ir ao cinema às 7 da noite ver um filme que ninguém gosta muito. A plenitude do ser. Estar sozinho e saber que se sente confortável em sua própria pele. No silêncio e no barulho que estar dentro de si faz. Ser sozinho não é ser solitário. É gostar de, de vez em quando, estar sem ninguém. É precisar do próprio espaço, é gostar das próprias idéias. É principalmente estar com outra pessoa porque se quer estar, e não porque sente necessidade de. Querer o outro é muito mais bonito do que precisar do outro. Porque querer é vontade plena, e precisar é necessidade, prisão, coisa pesada. Querer é saber que podia-se viver sozinho se precisasse, se o outro te deixasse, se de repente tudo terminasse. É ter consciência de que, caso não exista o outro, ainda se vive, se sobrevive, se pode ser feliz. É saber que podia-se estar completamente sozinha e quem sabe até bastante feliz, mas não se quer estar. Por escolha, porque faz bem. Porque sim. É que todas as vezes que me senti precisar de alguém pra viver era a coisa errada, o barco furado, o descontrole que levava ao caos. Só fui feliz mesmo nas vezes em que ao invés de precisar, quis perto. Por escolha. Podia não estar com, mas quis. 

E de repente existe alguma leveza nessa liberdade meio solitária que carrego desde a infância. Reencontrei-me. O descontrole nunca me pertenceu. As coisas que são verdadeiramente suas não são as coisas que você aprisionou. São as que deixaram-se ficar.


(qualquer texto escrito de madrugada vai parecer auto ajuda).

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