Páginas

12.4.12

tem dias que a gente se sente, como quem partiu ou morreu.

Lembro dela dizendo isso, enquanto lavava as louças na casa da minha avó. Eu não entendia muito bem o sentimento, e nem sabia que a frase vinha de uma das músicas do chico buarque. Só fui entender o sentimento quando sofri também. É preciso passar por, pra saber como se é. Olho pra minha casa arrumada e lembro das milhares de vezes em que ela, exausta, dizia que eu devia começar a ajudá-la nas tarefas domésticas, porque a vida tinha ficado complicada. Eu continuava assistindo tv. Depois ela me dizia que, existiria um dia em que todo esse meu não-saber-lidar ia me custar caro. O dia aconteceu. Ela disse que tinha me avisado, mas que não podia ser mais assim. E eu concordei. Fiquei sozinha em casa depois do mundo ter desabado na cabeça e fui lavar as roupas que ela pediu. Não sabia muito bem o que soltava tinta, o que não soltava, e como se tirava manchas das blusas brancas. Exceto aquela vez em que ela ficou bastante brava comigo, ela nunca tinha me exigido lavar as roupas. Nem as louças. Meu avô dizia de vez em quando também, que já tinha passado da idade de eu "ajudar a mãe", e eu achava tudo isso meio antiquado, como toda boa aquariana, não me enxergava fazendo as tarefas domésticas. Acho que por algum momento eu esqueci que um dia eu teria que morar sozinha. Nos meus delírios infantis de morar na inglaterra aos 18 anos, eu nunca me imaginei lavando e passando roupa. Devia ter ido no intercâmbio aos 16 pra ver se voltava uma pessoa menos dependente dos outros limparem a minha bagunça. Não fui. Tive que esperar chegar aos 23 pra acordar de uma vez por todas que não dá pra ser assim. "Você vai lavar toda a roupa que você sujou na viagem, e depois passar". Pela primeira vez eu não disse que ia fazer depois, esperando que ela esquecesse que tinha me pedido e fizesse por mim. Eu sempre fui acostumada aos outros fazerem as coisas por mim. Desde carregarem as minhas sacolas no mercado até olharem os carros na rua pra que eu não fosse atropelada. Eu lembro que depois que ele me deixou, tinha dificuldades até em atravessar as ruas movimentadas, e não me sujar com a maionese do lanche. Foi difícil me recompor. Tem sido difícil. Porque depois que ele se foi teve os meninos, sempre muito protetores, me buscando e me levando na porta de casa. Eu não soube me virar porque nem tive tempo pra isso. Mas peguei minhas roupas manchadas, botei de molho, ouvi ela dizendo que eu não precisava me martirizar também, que isso é uma coisa que se aprende, aos poucos, mas tem que aprender. Lavei minha saia que solta tinta, desfiz minha mala e coloquei tudo de volta no lugar, tirei as manchas da minha camiseta branca que eu quase estraguei. Ainda não sei passar as golas da camisa e tenho dificuldades em tomar as rédeas da minha própria vida. Mas vi meu quarto com as coisas nos lugares certos (exceto as cores das roupas dos cabides, porque minha mãe insiste em tirar da ordem), e me senti bem. Talvez as roupas sem manchas de comida e o meu quarto com as coisas nos lugares certos queiram dizer que a minha vida está prestes a não ser também a bagunça que sempre foi. E ainda bem. Amadureci mais em quatro meses do que cresci em 23 anos, e espero que tenha sido só o começo. Minha mãe está muito velha pra continuar cuidando de mim, e as outras pessoas não tem obrigação de. É hora de passar o bastão. Ainda bem.


Nenhum comentário: