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29.4.12

que ele é um pote até aqui de mágoa

mas ando com uma angústia esquisita, sabe, uma angústia? uma angústia estranha que aperta o peito e dá formigamento na pontinha dos dedos. não sei o que é isso, sei que sinto esse tipo de coisa quando tenho medo de perder alguém, ou alguma coisa. sentia quando tinha medo de morrer também, em crises de pânico. percebo que tenho um monte de coisas pra dizer, pareço mais equilibrada. é mais ou menos o prazo que me deram, um mês. em mais ou menos um mês você talvez esteja apta pra vida. pareço um pouco mais, já não tenho tanta insônia, quase consigo um sono tranquilo. mas daí vem isso, essa angústia. meu coração parece muito apertado dentro do peito, cheio de rugas e eu sinto vontade de chorar. talvez seja só por causa das coisas que eu deixei em aberto (sempre elas) e eu precise ouvir finalmente "acabou, é isso, acabou" e daí ao perceber que eu não tenho nada, absolutamente nada, consiga vislumbrar o universo do tamanho que ele é. as mãos formigam. o coração dói. fisicamente falando porque coração também dói. eu respiro fundo e o respiro parece que sai esquisito, quase que como um choro que eu não consigo chorar. chorei muito esses dias e faz quase um mês que eu não saio mesmo de casa, eu nem sei como anda londrina. resolvi tomar as rédeas da minha vida de novo, mas não sei por onde começar. sei que tenho que começar por você porque você é a mão que vai e aperta meu coração e que por vezes me faz vomitar toda a culpa. eu perdi dois quilos de pura culpa nas últimas duas semanas, mas não posso me auto flagelar mais. é preciso ouvir a verdade. duvido que a verdade seja algo diferente de "vamos viver as nossas vidas". mas eu já me conformei. porque eu preciso viver a minha vida. passei esse ano todo num hiato, esperando que algo maior acontecesse, mas não aconteceu. preciso descobrir o que eu quero. de novo. mais uma vez descobrir o que eu quero. não há pecado nisso. a vida é feita de erros e acertos, de começos e fins. eu errei muito mais do que acertei nesses últimos seis, ou sete meses, mas foi as custas dos erros que eu descobri tudo isso que me faz querer recomeçar. oscilei momentos de histeria com momentos de apatia terríveis e eu não teria percebido problema nenhum em mim se tudo continuasse bem. tenho me cuidado, do jeito que posso. troco baladas por pizza e por minha mãe me dizendo que às vezes na vida, tudo vem de uma vez só, mas que tudo passa também. as coisas tem seu tempo. eu quero acreditar nela. eu me apressei, nos apressei, e acabei atropelando tudo. nem tudo é culpa minha, ser consciente, mas tudo foi feito por mim. e ninguém (nem eu mesma) é obrigado a ter que lidar com os meus desequilíbrios. mas foi bom ter encontrado todos eles. estar cuidando e continuar vivendo. agora tem que mandar embora essa angústia.  eu prefiro quando meu coração explode, e quando as minhas mãos ficam secas.

27.4.12

epígrafe

Ela tinha cansado da vida
desde o momento em que nasceu.
E nem no último
suspiro soube o que é descansar.

26.4.12

'cause I'm your superhero

(we're standing on the edge)

- e daí, e ele?
- não sei não vi maaaaais. quer dizer, não é assim a música da simony, né? é tipo, "não sei não mais viiii". então, "não seeeei, não mais vii"
- que música da simony? sei lá de música da simony
- claro que sabe. DIGO EU JÁ FUI LÁ
BATI
LIGUEI
DEIXEI RECADO NA CAIXA POSTAL
NÃO SEI, NÃO MAIS VI
- tou ligado. mas e aí, nunca mais?
- não, não tenho condição emocional.
- entendo.
- não tô em condição de ir no mercado, acha que eu tenho condição de discutir esse tipo de assunto?
- sei como é, também não me sinto disposto a viver.
- pra você ver meu nível de controle emocional nesse últimos dias, meu pai me tirou de dependente do IR dele.
- vixe.
- mas é porque não pode mais, eu não estudo mais.
- mas você não faz pós?
- mas pós não vale, porra. então, parece que até vale mas daí ele ia ter que reunir todos os meus salários do ano passado, e eu não tava com disposição de procurar tudo, além do mais acho que nem podia mesmo na pós e ele podia cair na malha fina. tem mais medo de cair na malha fina do que morrer o homem.
- hahahaha, e aí?
- e aí que ele foi lá conferir o IR com a minha mãe e falou assim "ah porque ela não consegue nem ter a capacidade de ir juntar os comprovantes de salário dela pra botar aqui". daí eles começaram a discutir como é que iam pagar meu plano de saúde, e eu da sala ouvindo tudo. resultado: eu, com todo meu controle emocional comecei a chorar vendo chocolate com pimenta dizendo que nem meu pai quer cuidar mais de mim.
- HAHAHAHAHAHAHAHA
- daí me diz, acha que uma pessoa dessas tem condições de conversar sério com alguém?
- não tem, certamente não tem. eu também tenho preguiça de explicar pros meus pais a minha situação quando eles insinuam que eu sou uma pessoa improdutiva.
- então, esses tempos até pensei em chegar e falar "aí gente, não trabalho porque eu não CONSIGO, sabe? não tô feliz com essa situação, mas vai ter que dar tempo ao tempo". minha mãe até entende, meu pai entende mais ou menos mas fica me olhando com reprovação enquanto eu vejo o programa da adriane galisteu.
- não dá ânimo, né?
- ah não sei. do jeito que eu tô daqui a pouco eles vem me perguntar o que eu tô vendo na tv e eu respondo "VOCÊS ME ACHAM UM PROBLEMA EU NÃO AGUEEENTO MAIS ME LEVEM NO PSIQUIATRA ME DEEM REMÉDIOS VOCÊS NÃO ME QUEREM EU SOU UM PROBLEMAAAAAAA".
- poxa, é dificil né?
- é sim, cê sabe que eu tenho um monte de coisa pra consertar, um monte de coisa pra falar, mas agora você acha que é saudável eu ir lá botar a vida em ordem numa situação dessas? depois pode até ser tarde demais, mas não dá, não tô com estrutura. imagina, eu começo a conversar solto uma dessas.
- é né, do jeito que tá ainda rola de consertar alguma coisa, pelo menos ficar numa boa sem guerra fria no futuro e tals. agora se você brigar acho que fode tudo de vez.
- pois é, tô inválida pra vida.

.....

-saiu o novo clipe daquela banda. uma merda.
- é?
- aham. uma merda. tem coreografia.
- tomar no cu não quero viver num mundo que tem coreografia.
- hahahahahahah, mas tem. dá até pra aprender a **coreô** e fazer na balada.
- quer dizer, até faço as da lady gaga de repente eu vivo num mundo de coreografia mesmo. não, pera, não dá. vai tomar no cu a gente não pode viver num mundo de coreografia. por que o que as coreografias inspiram? FLASHMOBS. não dá pra apoiar nada que possa ser usado como manifestação no vão do masp, ou na avenida paulista.
- concordo.
- mas então, preciso te contar a verdade, nem gosto daquela banda.
- sério?
- sério. acho idiota. tá na minha palylist de caminhada e todas as músicas que estão na minha playlist de caminhada são ruins. tá tipo junto com moves like jagger e todo mundo sabe que moves like jagger é a pior música do mundo.
- também acho ruim.
- sabe, nessas horas percebo que a minha vida é toda baseada em mentiras.
- HAHAHAHAHAHAHAH. acho engraçado quando a gente tá falando de banalidades daí você vem e tira uma conclusão séria sobre a vida.
- mas é, agora sou assim, vou viver só de verdades.
- contaí
- não tava feliz naquele show.
- sério?
- sério. tava disfarçando o fato de eu estar muito nervosa, muito culpada e muito de mal com a vida fazendo a histérica no show. nem gosto daquela banda. só no arctic monkeys que a histeria foi genuína.
- poxa, eu gostei dos shows. acho bonita essa vibe do artista mostrando o seu trabalho pra gente, mas fora do show acho a banda bem ruim.
- não tô dizendo que eu achei o show ruim. tô dizendo que pular frenéticamente cantando aquele refrão que repetiu catorze vezes não tinha necessidade.
- descontrole.
- certamente.

........

- e aí, o que você fez hoje?
- pô, saí pra viver. as in: comi escondidinho de carne seca e acabei na mesa do pátio tomando cafezinho e chegando à conclusão que a gente já se esclareceu demais, já sabe de todas as verdades do mundo, sabe que o mundo é uma bosta e agora o único caminho possível é pagar alguém pra enganar a gente de novo dizendo que o mundo é bonito. pode ser um psiquiatra ou um psicologo, depende. mas a dialética é a mesma. ou o cara convence a gente com a palavra que olha, ainda tem esperança. ou a gente toma uns remédios que impedem a gente de enxergar a verdade.
- HAHAHAHAHAHA
- é sério, meu. anti depressivo é isso, você sai da sua condição miserável de ser humano que viu que a vida não faz sentido, e volta a ser uma pessoa produtiva que quer trabalhar, comprar uma casa e casar. a verdade é que a vida continua não fazendo sentido, mas você não tá enxergando.
- pior que é isso mesmo, né? não tem salvação. mas e aí?
- se for o único jeito de ser feliz a gente vai fazer o que? tem que se render. não dá pra ficar chorando porque seu pai te tirou do imposto de renda.
- HAHAHAHAH, não posso com essa história, mas você chorou mesmo?
- chorei. enquanto isso a celina era obrigada a casar com o conde klauss e ama o guilherme, e porra, o mundo é injusto. eu chorava depois chorava pensando que eu era o tipo de pessoa que chorava porque meu pai tinha me tirado do imposto de renda daí depois chorava pelo meu descontrole.
- foi tomada por um vórtice em que o mundo ia acabar ali mesmo com você chorando
- tipo isso, só que no caso o vórtice vem faz tempo já né. chorei rios aquele dia.
- hahaha você não me contou nada né?
- não, só a parte boa pra você me apoiar, tava na negação. então, daí eu sentava e chorava, deitava na cama e chorava, tentava conversar e chorava daí eu deitava na cama abraçava o travesseiro e ficava olhando pro teto. aí eu achei que era tpm mas vê se tpm é capaz de deixar a pessoa isso daí. não tinha coragem nem de levantar da cama, daí eu levantava, falava merda, ele ficava bravo eu voltava e chorava. mas eu ouvi arctic monkeys cantando alto que aí é a parte da histeria descontrolada. que cagou tudo de vez.
- tipo o show. tou ligado nessas falta de ânimo pra vida. cheguei nessas antes de você.
- ele chamou de apatia. tava certinho.
- mas como é que você ia saber, né? só que depois tá você chorando por causa de imposto de renda.
- e achando ir no mercado um desbravamento.
- taí, e a gente já teve perspectiva de vida um dia, hein?
- agora só nos resta as pílulas que nos fazem amar.
- tô preferindo a verdade.
- não chorando por causa de imposto de renda e não pulando cantando catorze vezes o refrão de uma música em show de banda bosta caguei pra verdade.

(pra lembrar sem melhor amigo sem sem piada com desgraça não ia ter condição).


25.4.12

I'm not ok, I promisse.

"Ao contrário da anorexia, onde a função incorporadora está inibida, no paciente com vômito nervoso o alimento já ingerido é expelido devido a um conflito emocional que revela intenso sentimento de culpa, como algo que esteja sendo adicionado ao seu corpo e ao seu espírito, através do ato de engolir (incorporar).O alimento então é rejeitado imediatamente pelo vômito compulsivo e geralmente agressivo, como forma de devolver, de tirar, de separar suas fantasias inconscientes.
A devolução do alimento pelo vômito compulsivo, revela uma tendência inconsciente do paciente em não aceitar a realidade que querem lhe impor.Geralmente a neurose em vomitar, esconde uma consciência extremamente culpada por não possuir condições de assumir ou não a contrariedade do que não aceita ou, ainda, por medo ou dificuldade em entender o que está acontecendo.
É comum dizer que "Vou Vomitar Tudo", quando queremos dizer que vamos colocar tudo para fora, contando a alguém o que geralmente não seria bom dizer ou guardar para si (geralmente esta expressão está ligada a problemas, confusões, distorções, segredos entre cúmplices, etc.)
É uma expressão agressiva, tanto quanto o fato de vomitar compulsivamente; porém a idéia que se faz é de que após vomitar, tudo vai ficar bem. Por isso em alguns casos o paciente provoca o vômito como forma de se aliviar de alguma pressão emocional desconfortável, mesmo que inconscientemente.
- Vomitar é "não aceitar"."

a conclusão é simples: tenho vomitado a vida, porque já não sei mais o que fazer.
desculpa. 

23.4.12

mas tudo passa, tudo passará.

faz mais ou menos duas semanas que eu não saio de casa (exceto por duas saídas com amigos, mas é que por eles eu faço esforços). desde que eu voltei de viagem, eu ainda não tinha ido ao mercado. sexta feita tentei caminhar e tive um pequeno ataque de ansiedade ao pensar em pessoas correndo de um lado pro outro enquanto eu dava voltas sem rumo. acho que emagreci o suficiente também, e não preciso mais tanto-assim das caminhadas. mas o sol é importante, dizem. o sol e a endorfina. meus dias se resumem a pensar bastante sobre assuntos diversos, e esses assuntos incluem primordialmente as minhas questões pessoais e depois chegam em "como as minhas questões pessoais afetam os outros" e eu admito, tem sido bastante revelador e interessante esse auto-descobrimento. eu ando bastante calma. meus pais tem bastante paciência com meu atual "estado de espírito" e tratam tudo como uma espécie de retiro espiritual. aparentemente, nesse retiro espiritual é permitido que eu seja abastecida com águas-com-gás, coxinhas, queijo, peito de peru, alguma coisa do delivery e bastante chá com bolachas. ninguém me aporrinha na hora da novela e eu posso dormir até a hora que bem entender, porque é de conhecimento geral de todos dessa humilde residência que eu ando com os horários trocados (embora isso não seja adequado para o melhor funcionamento dessa cabecinha aqui). 

ninguém me obriga a caminhar, ou a sair, e nem mesmo a falar, se eu não estiver com vontade. todo mundo sabe que é uma fase, vai passar, eles esperam que eu ressurja como uma fênix e também num bom emprego, aqui ou há vários quilômetros de distância. minha mãe acha graça do meu amargor frente as questões amorosas e muda de canal nos programas de casamento. nada tem muita graça. nem a tv, nem a comida, e muito menos o mundo lá fora. o mundo lá fora, inclusive, é bastante selvagem. hoje mesmo sai (munida de óculos escuros) para ir no mercado, e as pessoas não tem o mínimo de civilidade. era domingo, e elas se atropelavam rumo a fila do caixa como se tivessem atrasadas pra alguma coisa. eu, como tenho desprezado bastante o contato social, estava no mercado munida de fones de ouvido e demorei mais ou menos cinco minutos em casa sessão pensando tudo que tinha que levar pra poder ficar o maior tempo possível sem voltar no mercado. é mais ou menos como se tivesse existindo um ataque zumbi lá fora e eu tivesse que fazer um quartel-general na minha casa. é totalmente isso, na verdade. só que os zumbis são as pessoas e eu ando meio edward e desfaleço perante o sol.

durante esse retiro eu descobri uma banda nova, atualizei todos os aplicativos do meu celular, aprendi a jogar robot unicorn attack (que é um jogo completamente caótico), vi alguns filmes, descobri uma série nova, escrevi bastante cartas que mandarei só depois que conseguir lidar com as respostas, escrevi textos que não publicarei, e decorei toda a ordem da programação da tarde durante a semana e também as dos finais de semana. pensei muito sobre mim, sei que vou ter que mudar várias coisas assim que voltar a viver e tenho adiado uma conversa que preciso ter e razão de: não estou equilibrada o suficiente. apontam estudos que eu estava bastante estafada da vida e que, ao ser colocada em qualquer situação de pressão eu não aguentava. foi assim que: chorei quando tive que pagar os boletos da pós, nunca mais voltei no meu ex-emprego, fiquei chorando na cama ao invés de limpar a casa. hoje eu quase chorei porque o google não queria fazer upload do meu arquivo, e toda vez que as pessoas me cobram posições eu tenho vontade de chorar, ou simplesmente não faço nada. 

equilíbrio não se pede, se conquista e esses mesmos estudos dizem que, ele não se encontra disponível desde mais ou menos o fim do ano passado, quando o stress começou a existir latente. além disso me descobri mimada, pouco firme, com dificuldades de terminar as coisas (desde livros até relacionamentos) e a parte legal foi descobrir que eu tenho conclusões bastante boas sobre assuntos diversos e que, continuo inteligentinha. a desorganização também é uma questão a ser tratada, mas como minha casa tem sido meu quartel general eu tenho aproveitado pra saber fazer tarefas domésticas, e com o advento do iPod, nenhuma tarefa doméstica é insuportável (exceto lavar o banheiro, odeio lavar banheiro). faltei à aula da pós e tive o sábado mais agradável em anos. o sábado mais agradável em anos incluiu comer feijoada com a família, ver toda a sorte de programas de sábado, ver um filme com a minha mãe, ver a novela e assistir saia justa. eu não estava me drogando em algum lugar e nem ao menos bebendo demais, mas estive bem.

descobri que certas coisas são uma questão de tempo, que por enquanto vou evitar eventos sociais lotados de gente, coisas que me pressionem, relações doentes, conversas que não levam a lugar nenhum e ser passiva-agressiva. sair de casa é um processo que começa com caminhadas de meia hora e evoluem. saio com as pessoas que me levam pra jantar, arranjo um cinema ou outro, tento terminar meus livros como o primeiro exercício de não deixar nada pela metade e treino meu foco. assistir a novela sem olhar o computador, ler livro sem ouvir música, assistir filmes e não olhar o twitter. desconectei de metade dos mensageiros instantâneos também e só converso com as pessoas que me ouvem falar desse monte de coisas que tem acontecido. preciso diminuir o ritmo de atividade no twitter e largar o facebook. as notificações não são tão importantes assim. o celular eu arrumo quando precisar dele, e não é o caso. desapeguei do despertador, não vivo mais na urgência de sinais. consigo viver. às vezes perco o sono, às vezes me desespero. fico com medo de ter perdido tudo aquilo que se construiu, mas não quero mais me atropelar. acho que já errei demais por enquanto. 

o lado bom de errar é perceber todo um universo de coisas que ficaria escondida caso isso não tivesse acontecido. sou uma pessoa potencialmente melhor, quase cinco quilos mais magra, que tem noção de vários erros e que se descobre capaz de várias coisas que, talvez, se não fossem os ocorridos não teria descoberto. sou capaz de terminar os livros, os textos, de ter conclusões interessantes sobre as coisas, de concatenar as ideias, de não me desesperar, não ser paranoica, quebrar recordes no robot unicorn attack e até, vejam só, de cuidar de uma casa. sei fazer uma coisa de cada vez, acertar quase todas as receitas e sobreviver ao sofrimento sem fazer cena, ficar louca, dizer o que não devo antes da hora. 

as avós da gente sempre estiveram certas: "é preciso dar tempo ao tempo". e a minha mãe repete, enquanto me dá bolo de fubá, que tudo passa. e ela tem razão. 

20.4.12

30 notas sobre um caso.

(as últimas dez antes de um epílogo)


XXI
No bar finjo não sentir a sua ausência
enquanto conto os capítulos da novela.
Não faço silêncio,
evito o banheiro.
Todos se calam e eu vejo a rua onde você me rodopiou.
Hoje nenhum taxi me leva para a sua casa.
Eu quero chorar, mas continuo tomando cerveja.

XXII
Te escrevo dez parágrafos
e não consigo dizer o que sinto.
(eu nunca quis te abandonar)

XXIII
Você não me atende mais.
Já não há nenhum alívio nisso.
No dia do show da minha vida, vomito.

XXIV
Meu grito no show é histeria forçada.
Finjo que é emoção, e choro por sua causa.

XXV
Vou embora sem dizer adeus.
Abandono a cidade e percebo que não queria te deixar
Sem antes te dizer,
Tudo isso
(que eu nem sei).

XXVI
Choro no meu quarto.
não sinto fome
não sinto frio
não sinto vontade de sair
só sinto enjoo
e a sua falta.

XXVII
Dizem que o estômago é o órgão da culpa.

XVIII
Te ligo e não sei te dizer
tudo isso
(que eu ainda não sei).

XXIX
Evito notícias nas redes sociais.
Não quero te sufocar com a minha presença
inadequada
Perco peso
a fome
a palavra
você
Atualizo o status para um relacionamento sério
com a minha culpa
(e a vontade de mudar).

XXX
Sete dias da semana pareceram
trinta dias de eterno silêncio
os silêncio das notificações que não chegarão
o silêncio da minha voz
que não sabe o que dizer
da minha alma
que erra na hora de sentir
o silêncio do meu orgulho.
Leio sobre as manchas que não saíram,
da sua fronha azul.
Choro as manchas piores
que eu deixei em você
e que abriram em mim.

Tem manchas que não saem,
com alvejante.

19.4.12

30 notas sobre um caso

(outras dez).


XI
Sento no sofá
Ouço músicas
Derrubo chocolate na poltrona
Me enfureço
Já não sei o que estou fazendo
Limpo a camiseta, o tapete e a colcha.
Tenho medo que fiquem manchas, e esfrego.
Tenho medo das manchas nele, e choro.

XII
Sinto cólicas,
me sei apática.
Espero que ele me machuque, mas ele não o faz.
Permanece me suportando, não recusa o abraço.
Eu sinto medo.
Eu quero ir embora.
Eu leio mensagens no celular e finalmente tenho um motivo pra esquecê-lo,
me esquecer.
Faço cena, bato porta, digo que ele nunca mais vai me ver.
Choro no banho, soco a parede do box.
Penso na cara dele. Destruída.
Volto pro quarto e a minha coragem se transforma em ternura.
Espero que ele me machuque, mas ele não o faz.
Permanece me suportando, me dá um abraço.
Eu sinto raiva.
Ele não me odeia.

XIII
Ele me leva na padaria da primeira vez,
faz das suas piadas sem graça
me dá o pedaço maior do lanche,
e depois de tudo ainda mantém o apelido,
e quer comigo uma foto.
Eu digo que o odeio nas mensagens de texto
e que não o amo mais.
Espero que ele vá pra nova York,
ou escolha qualquer melissa ou Luana por aí.
Só se deixa aquilo que não se ama mais,
diz Natalie Portman em closer.
Então eu não te amo mais.
(eu não suporto meus olhos olhando seus olhos magoados,
e ver que mesmo assim,
seu braço continua enlaçando meu ombro).

XIV
Estamos na livraria da primeira vez,
ele me mostra uma ecobag,
quer ver de novo os livros que fez.
Egotrips que eu queria odiar mais.
Assim como queria odiar as camisas de marca,
os sapatos combinando,
a mania de me contar que foi vitima de um flerte,
as manias de grandeza,
de limpeza,
de se preocupar comigo.

XV
Eles planejam fazer doces
e eu sinto que nunca mais pisarei naquela casa,
embora eles neguem.
Não se fazem mais mulheres como
(aquela que não sou).

XVI
Esperamos no terraço do shopping onde outrora nos despedimos.
Eu sou tomada pela culpa
Penso nos livros de russo
Na prova de engenharia
No soro caseiro
Na colcha da vó dele
Nele contando de mim pra mãe
que recebe a notícia, escandalizada.
Não consigo suportar mais nada.
Peço desculpas.
Ele diz que eu não me arrependi.
Ele parece finalmente me odiar.
Eu posso ir embora.
Eu, meu arrependimento e minha culpa,
nunca mais teremos que encarar o peso de ter magoado
quem se fez doce.

XVII
Ele espera meu trem chegar,
e pede notícias.
Me beija.
Não consigo pedir desculpas direito.
Entenda, eu quero ir embora.
Mas ele me pede pra avisar quando chegar em casa.
E eu obedeço.

XVIII
Ele me mal compreende.
Finalmente me detesta.
Comemoro o mal entendido.
Está tudo acabado.
(pausa)
Pego o telefone.
Ele não me atende.
Desespero.
Mas está tudo acabado.

XIX
Passo o meu batom vermelho e paro na augusta,
como pedaços de pizza que ele me apresentou
continuo intacta
Reencontro um velho amigo.
Conto a história como se não tivesse me abalado.
Rimos.
Meu ceular apita.
Eu manchei as paredes dele.
Compartilho com a mesa.
Finjo não me abalar.
Rimos.
Meu arrependimento toma todo o espaço do bar
e não cabe mais ninguém.

XX
Piso com meus coturnos nas ruas em que andamos pela primeira vez
Seguro o choro.
Faço uma piada.
Ele percebe.
Pergunta se eu estou abalada.
Eu digo que não.
Ele finge que acredita.
A bateria do meu celular acaba, 
eu já não sabia mais o que dizer.
Terminamos a noite no mesmo bar em que terminamos nossa primeira noite
acho a vida uma aventura irônica
e sorrio por vício, meio exagerada. 

18.4.12

30 notas sobre um caso.

(dez de cada vez).

prólogo
Ela nunca se arrependia,
ou voltava atrás.
Exceto por essa vez,
em que se arrependeu,
e voltou atrás.


I
Acordo sonolenta,
não estou acostumada a dormir tão pouco.
Espero que ele deite de volta na cama,
mas ele resolve arrumar a casa.
Colocar as camisas azuis junto com as camisas azuis
Não manchar a calça de brim
me fazer café, que esfria,
com o chantilly que está no fim.
Ele quer cortar as laranjas como seu avô cortava,
como meu avô cortava
mas nossos avós sabiam que não se faz sucos de laranja com
laranja lima
ele não.
E eu deixo o suco no copo.

II
Invento desculpas pra ele e pra mim de porque não vou embora,
minto que preferia estar em outro lugar,
acredito que sou um espírito livre,
me frustro com o episódio do seriado que não assisti,
enquanto ele tenta descobrir meus segredos.
Meu segredo é mentir desesperadamente que não gosto dele,
que não queria estar naquela casa
deitada naquele colo
vendo ele limpar irritantemente as solas do tênis,
achando tudo adequado,
na inadequação.

III
Faço cena de ciúmes e ameaço ir embora,
ele ri da minha insegurança.
eu tenho raiva,
como chocolates.
Espero que ele volte.
Uso meu creme caro nas suas costas.
Tenho as mãos fracas.
Não sei desatar seus nós, nem tocar seu coração.
Me canso, faço charme, ele adormece.
Adormecemos.

IV
Acordamos.
Tenho as mãos quentes dele sobre o meu corpo.
Não costumamos nos resistir.
Eu provoco como uma criança birrenta,
Ele sorri como um moleque malcriado.
Sorrimos.
Olho pro teto que reflete a luz do bairro que não conheço e me sinto feliz.
Me despi dos pudores no terceiro encontro
rezo para que o coração continue velado.

V
Ele demora para escolher as camisas no armário,
Os vinhos no mercado,
se distrai com as outras mercadorias, e na fala
quando cogita um casamento que não pode acontecer.
Eu me irrito por vício.
Nunca lhe contei que também não tenho foco nos mercados,
e nos armários
provo dez vezes a mesma roupa,
e cogito escolher cinco chocolates diferentes,
pra acabar levando o primeiro que peguei.
No meio do balé dos carrinhos e na histeria da páscoa
eu foco no ovo que ele não quis me dar,
e na bronca que eu levei por sujar seus tênis.
é mais fácil acreditar que eu sou um ovo número quinze,
quando ele queria um vinte e um.

VI
Ele abre o nosso vinho pra dois,
em três pessoas.
Tomamos.
Sou tomada pela esquisita satisfação de estar onde queria estar
no meio do molho pesto,
da carne vermelha
das histórias sobre gente que não conheci.
Ele me pergunta se eu estou apaixonada e eu nego por costume
ébria de vinho eu acredito quando ele diz,
que gostando de azeite, eu sou o seu número.

VII
Ele tira fotos da nossa mesa.
Comemos.
Eu não quero admitir que talvez esteja numa das noites mais agradáveis,
desde então.
Ele tem medo de eu não ter gostado da sua comida,
eu vivo com medo dele nunca ter gostado de mim.

VIII
Ele canta com a voz de cantor,
coloca as músicas que eu ouvia na infância
eu admiro de longe seu encantamento com o verso do Fagner.
Eu não queria estar em outro lugar,
imagino um fim de noite perfeito,
E tomo a última taça de vinho  num gole só.
O peixe morre pela boca.

IX
Fico zonza,
Sujo o banheiro,
não sei mais onde estou.
Ele adormece na cama logo ao deitar
Eu passo mal dormindo.
Não sei como voltei pra cama,
não sei como tudo aconteceu,
eu não sabia que tinha estragado tudo.
Os desejos de uma noite feliz morreram no fundo da taça.

X
Ele me acorda com ternura,
eu tomo banho sem saber onde estou.
Não entendo o que aconteceu, adormeço.
O mundo roda.
Minha cabeça roda.
A consciência roda.
Apareço na cozinha com os trajes inadequados e de repente não sei o que estou dizendo.
Ele não gosta mais de mim.
Meu choro tem gosto de arrependimento com vinagre.



17.4.12

Will the fight for our sanity be the fight of our lives?

(divagações aleatórias sobre loucura & sanidade numa sacada qualquer no meio do isolamento)


Loucura e genialidade:  não tenho medo de ficar louca. Quer dizer, eu sei que a gente está ligado na sanidade por causa de uma linha tênue. Estar vivo é em potência poder ficar louco. Não acho que a gente esteja imune. Quer dizer, você está aqui conversando comigo, e de repente alguma coisa te esgota e você perde a conexão com a realidade. Todo mundo é passível de ficar louco. Acho que as pessoas geniais são taxadas de loucas, ou são loucas mesmo justamente porque em alguma hora foram a peça com defeito. Claro que há explicações ciêntificas pra isso. Dizem que os bipolares em fases de mania tem um raciocínio super rápido e isso faz com que sejam mais criativos. Eu desconfio ter umas fases de mania leve, em que me sinto muito produtiva, escrevo bastante, leio demais e é claro que isso ajuda, mas ao mesmo tempo todo esse fluxo de pensamento te impede de concatenar direito as ideias. Eu to aqui escrevendo, mas minha cabeça pensa muito mais rápido que isso. Se eu estivesse falando, as coisas sairiam mais claras. Ser louco não é uma vantagem, dá muito problema. Mas é exatamente o problema que te permite ser genial. Quando você não se encaixa, você fica uma peça com defeito, e com isso acaba tendo tempo pra criar, ou pensar em outras coisas. É preciso estar longe do processo todo pra poder ser criativo. Pode parecer estranho falar, mas nenhum gênio sai de um trabalho das oito as seis, sendo workaholic. Não tem tempo pra genialidade no processo da vida. Pelo menos não nesse em que a gente acostumou a viver. Quando você não nasce pra isso, uma hora ou outra você vai dar defeito. O que não significa necessariamente ter algum distúrbio de personalidade, é só uma coisa simples: você não se encaixa. Quanto mais encaixado você é, menos tempo há pra ser gênio em alguma coisa. Mas a loucura, por assim dizer, tem suas vantagens. A loucura, ou a improdutividade. Quando você está nesses processos, você acaba entrando em contato com partes bastante abissais da sua existência. É daí que eu acho que sai a criação. Se você está vivendo uma vida produtiva num emprego qualquer, acho que não existe tempo pra isso, e se não existe tempo pra entrar em contato, não existe tempo pra arte. É claro que eu estou falando aqui de loucuras leves. Romper de vez com a realidade pode acabar por romper até com a genialidade. É preciso ter cuidado. Até pra ser louco a gente tem que ter um pouco de equilíbrio. Mas ser desregrado eu acho que é uma constante. Não desregrado, mas é necessário ser um pouco peça com defeito se quiser ser gênio. Gente normal é normal pra sempre.  Tem que se romper com o comum se quiser ser criativo.

Sobre a improdutividade:  Acho que esses momentos em que a gente não faz parte do mundo são bastante interessantes. Por exemplo, eu estou desempregada e ao mesmo tempo meio doente, então não me sinto capaz de fazer parte de um emprego, ou algo do tipo. São cinco horas da tarde e dá pra ver as pessoas loucas da minha sacada indo e vindo de algum lugar. O que eu fiz? Fiquei em casa, assisti um pouco de tv, organizei minha estante de livros, pensei um pouco sobre diversos assuntos, mas não faço parte da mola propulsora do mundo. Eu não estou ali fora produzindo. É esquisita essa sensação. É também esquisita a sensação de que você só faz parte do mundo quando está produzindo alguma coisa. Quer dizer, eu seria melhor vista pelas pessoas se eu estivesse em um emprego qualquer, fazendo alguma coisa, mesmo que essa coisa fosse extremamente irrelevante num cenário mais geral. Eu faço sites. Talvez o site seja bastante importante pro dono da empresa, e também pra algumas pessoas que o acessam, mas e aí, se aquele site não existisse, será que o mundo seria tão afetado assim? Fico pensando nisso e sei que tem gente que faz coisas ainda mais irrelevantes num cenário geral, mas elas não podem ficar em casa fazendo o que lhes aprouver. Estar com 23 anos e não inserida no mercado de trabalho é malvisto. Eu deveria estar investindo numa carreira, mas também fico pensando até que ponto isso de ter uma carreira é mesmo super necessário. Quer dizer, existe minha satisfação pessoal ali, o fato de eu precisar de dinheiro, o jeito como as pessoas me veem.  Mas não sei. Acho problemático estar numa posição em que eu não acrescento nada na vida de alguém. Algo que dure, eu quero dizer. É claro que a gente pode pensar que nada dura, e tudo isso se torna então muito relativo, porque se nada faz muito sentido é completamente possível que qualquer pessoa ocupe qualquer cargo e assim todos eles teriam a mesma relevância, já que são coisas efêmeras.  O que eu quero dizer é que, de repente, a pessoa não teve uma carreira brilhante e acrescentou muito mais coisas às vidas das pessoas do que grandes diretores de empresa. Sempre penso no meu vô. Ele ensacava café. Não fez faculdade nem nada, e eu sei que vivo com muita coisa que ele me ensinou. Não sei se eu , no meio da minha faculdade-pós graduação-textos escritos, serei tão relevante na vida de alguém quanto ele foi na minha. É claro que existe uma culpa de eu não estar produzindo também, eu me sinto velha, sei que preciso de uma coisa qualquer pra poder ter uma casa, dinheiro pra viajar e tudo o mais. Mas agora sei que não sou capaz. Sou um pequeno ruído na roda propulsora do mundo.  Não estou inserida no processo. É esquisito ser a peça com defeito, mas sobrevivemos. 

13.4.12

mas a vida é real, e de viés.

sinto bastante sono. prefiro dormir. ficar acordada tem sido um sacrifício. me disseram que ia ser assim por alguns dias, esse eterno querer andar pela sala de pijamas e me enfiar debaixo das cobertas mesmo que esteja calor. ouço uma música aqui e ali, queria escrever uma história que fosse mais metáfora e menos vômito, mas me sinto incapaz. os meus neurônios trabalham devagarzinho, repensando as histórias aqui e ali. onde eu errei, até que ponto devo ou não desculpas, até que ponto devo ser eu, até que ponto devo mudar. limpo as lentes dos meus óculos todos os dias ao acordar e percebo que ela tem riscos e manchas que já não saem com o detergente que o meu oftalmologista me mandou passar quando elas embaçassem. assim também é a vida, cheia de riscos que não saem mais, e a gente tem que se acostumar com eles. eu, em mim, tenho vários. são essas cicatrizes que não sararam que me fizeram essa pessoa um tanto descontrolada que sou. medo do abandono, os dois pés atrás e a eterna mania de ficar bem longe de coisas que tirem meus pés do chão (desde os amores até as rodas gigantes).

tomo meus remédios pra gripe, adormeço no sofá, suo, tenho estado febril. às vezes me sinto meio drama-queen, meio querendo mostrar pra todo mundo que "olhem, eu estou sofrendo de verdade". mas não é isso, não exatamente. é que eu preciso compartilhar com alguém, senão a dor fica maior, encroa, eu não sei explicar. os enjoos continuam. também fui avisada de que seria assim. tento comer nutella pra ficar melhor, passo mal, acabo no sofá da sala com a minha mãe fritando as massinhas de pão da infância e me dando água com gás. as pessoas se preocupam comigo, dizem que eu vou ficar muito magra se continuar assim, fraca talvez, me chamam pra ir no cinema, em shows. eu não quero ver gente. faço um esforço por eles, e também por mim, mas sinto vontade de chorar sem motivo, às vezes vendo tv, às vezes no meio da rua, e assim tudo fica um pouco difícil. tomei remédio pra gripe pra sentir sono e ver se eu falto na aula da pós pela manhã. evito contar a mesma história de novo, todos os nuances dela me machucam. sei que eu devia ter um pouco mais de força, mas agora já não é culpa minha, tenho que dar tempo ao tempo.

não era amor, também. amor é uma coisa um pouco pior. amor a gente sabe quando é porque chora enquanto ouve "eu te amo" do chico buarque. eu não rompi com o mundo, não queimei meus navios, e a gente nem confundiu tanto assim nossas pernas nas travessuras das noites eternas (embora tenhamos nos amados feito dois pagãos). eu não deixei meu sangue errar de veia e se perder na bagunça do teu coração. estive um passo antes disso. ou dois. quem sabe vários passos antes disso. foda-se. a gente não mede sentimento. fato é que tenho sentido uma certa falta, embora tenha problemas em admitir faltas porque sempre me julguei muito autossuficiente. pros outros eu ainda finjo que sou assim. meus amigos todos passam a mão na minha cabeça, mas sorriem. não ia ser agora que você ia se abater, não por isso, não desse jeito. mas foi. claro que não só por isso, mas foi o estopim. tenho me permitido ser triste, entrar no quarto e ouvir adriana calcanhoto, lembrar de um ou outro passeio. os dias tem sido um pouco mais vazios que o habitual, eu nem checo mais meu celular, deixo no quarto. às vezes perco as mensagens de um amigo ou outro, mas também não sinto tanta vontade assim de sair. há uma semana atrás eu estava cometendo o desastre que ia me custar caro, e agora, uma semana depois eu fico chorandinho dopada de remédio pra gripe no escuro do meu quarto.

às vezes me pergunto o que será que você está fazendo, se sente um pouco que seja a minha falta, se um-dia-quem-sabe isso vai vir a ser uma história, bem sucedida ou não, e não chego à conclusão nenhuma. desliguei o chat do meu e-mail, abandonei o skype, vou evitar as mensagens o máximo possível, não checo tanto assim o facebook e estou me educando pra não parecer uma máquina de indiretas no twitter. até porque não é indireta nenhuma, eu só não tenho muito bem pra quem contar tudo isso, sabe, essas dores todas que eu nem sei sentir direito. não sou muito boa em sentir não, sou melhor em sair correndo, sempre fui. minha melhor amiga me dá um colo pela metade, porque anda muito longe. primeiro ela, por ser igual eu - uma histérica, me deu uns conselhos todos arbitrários "olha aqui, você tá proibida de ligar pra ele". depois eu disse que liguei, contei tudo, ela disse que eu também tava bastante errada, é, talvez seja isso, talvez a gente tenha que entender que as pessoas também ficam bravas com as coisas que a gente faz, daí vai de você aceitar ou não tudo isso. e ficamos as duas meio silenciosas, enquanto ela me deixa chorar, só que pouquinho pra não estragar a maquiagem. ela cazuza, toda cheia dos rompantes e eu caio fernando, poetizando a dor e querendo mapa astral pra saber quando é que a vida vai dar certo.

depois me refastelo no colo da minha mãe, que diz que eu não posso me martirizar tanto assim, e me indica remédios homeopáticos. faz cafuné na minha cabeça dizendo que tudo vai passar, embora goste um pouco mais de mim agora que eu lavo os pratos depois do almoço e parei de deixar bagunça na sala. ela fica feliz quando eu me arrumo direito pra sair e diz que eu ando muito fresca. eu rio, digo que tem gente pior, ela concorda um pouco. "é que eu sou fresca, mas sou muito desorganizada". depois derrubo um pedaço do meu waffle no chão da padaria rica em que vamos comer e ela ri, dizendo que a perfeição é esse ideal inatingível. mas pelo menos eu tenho me esforçado. não sei se ela te agradeceria se pudesse, mas às vezes eu acho que ela tem visto em mim um novo potencial pro crescimento. fica orgulhosa, do jeito dela, só que ri porque as golas das minhas camisas continuam meio desastrosas. ela me mima do jeito que pode, mas evita terminantemente me dar as coisas na mão. tem estado preocupada, desconversa dependendo do assunto, e assiste sempre à novela comigo.

sei que eu não vou morrer. nem de tristeza, e nem de hematoma. fico pensando que de repente, olhando de longe, dava pra confundir esse sintoma todo com amor. mas amor é um pouco mais que isso. não tinha dado tempo de construir. eu sei que você deve ter se assustado uma ou outra vez achando que uma hora, do nada, eu ia te pedir em namoro, mas eu nunca cogitei isso. pelo menos não no meio dessas situações. não que não pudesse ser, é só porque não era o momento certo. e veja, não era mesmo. sinto saudades, vou hesitar um pouco em dizer isso. mas é esquisita a vida sem o contato quase que diário de uma notícia sua aqui e ali. não tenho ninguém pra falar do meu dia, também. talvez você tenha. não sei se nos encontraremos de novo. tem sido dias difíceis por aqui, tudo que eu sei é que eu tenho que me cuidar antes de pensar em qualquer coisa que seja. às vezes penso em escrever um e-mail, ou dar oi nesses chats perdidos por aí, mas acho inadequado. estou inadequada pra qualquer situação, por enquanto. tenho evitado aglomerações de pessoas, a luz muito forte do sol, derivados de leite, bebida alcoolica, lugares quentes, gente desagradável, falar o que não devo, usar 212 sexy, ouvir radiohead, de caetano veloso passo longe, não tomo decisões imediatas e tento não me martirizar. tenho muita preguiça de sair de casa, acho que o universo aqui dentro desse quarto de paredes descascadas já é imenso demais. corro, ainda, só que devagar porque ando bem fraca da vida.

fico com medo de encarar o tal do psicologo, me irrito em pensar no psiquiatra fazendo um prognóstico do que eu posso vir a ter se não me cuidar, mas sei que é hora de ajeitar a vida. é bom saber que não se é louca, não assim, crazy bitch. é tudo uma questão de equilibrar os chacras. pelo menos não tem remédios que me impedem de beber na conta, mas também não ando com saco pra alcool, acho que quero ser sóbria nesse tempo em que coloco as coisas no lugar. todo mundo tem me entendido mais ou menos, me chamam pra ir no cinema, mandam as mensagens pra mim. eu fico sentada em casa esperando a carona. talvez eu chore vendo titanic. talvez demore meses até eu tomar um rumo na minha vida, mas acho que é melhor assim, sem afobações. estive em uma ânsia de ser feliz, e ser feliz (quando acontece), vem de pouco em pouco. acho que a felicidade se constrói e eu me atropelei. você foi atropelado no processo também, sinceras desculpas. a vida adulta é um processo complicado. tem dessas de falarem as coisas na sua cara, mas também tem quem te abrace depois. tenho amadurecido muito no processo, step by step. me sinto faxinando a vida, colocando cada coisa na sua gaveta certa. lembro dos teus defeitos com certo apreço enquanto arrumo a casa. hoje passei a esponja três vezes no prato e ri sozinha. minha mãe diz que eu vou acabar sendo mais fresca que ela, diz que eu puxei a vó. tudo vai se ajeitando. eu vou me desesperar algumas vezes ainda, e em outras vai ter chocolate no meu cabelo. nem tudo é perfeito. nem eu, nem você.

eu acho que ainda acredito no lado bom da vida
(ou estou dopada de resfenol).

are you gonna be my girl?

- oi.
- oi.
- e aí, tudo bem?
- tudo bem, e você?
- bem também. quanto tempo né?
- pois é, muito tempo. lembra de quando você ainda me amava?
- lembro. lembro também que você me deixou.
- foi você que me deixou.
- foi você que se apaixonou por outro rapaz.
- daí você sumiu.
- não achei que a vida fazia sentido depois de te perder.
- isso é mentira sua.
- valeu a pena me deixar?
- não, a vida tem me açoitado.
- em que sentido?
- em todos. tudo deu errado.
- quer voltar pra mim?
- onde é que você tá morando mesmo?
- em Belo Horizonte, quer vir pra cá? a gente junta os trapos.
- pode ser, me espera, tô indo.
- vou botar outro prato na minha mesa.
- ok.
- e tenho que colocar outro travesseiro na cama. você prefere os mais altos, os mais baixos, ou o meu peito serve?


(sobre as coisas bonitas que se diz quando na verdade nada se quer).


12.4.12

tem dias que a gente se sente, como quem partiu ou morreu.

Lembro dela dizendo isso, enquanto lavava as louças na casa da minha avó. Eu não entendia muito bem o sentimento, e nem sabia que a frase vinha de uma das músicas do chico buarque. Só fui entender o sentimento quando sofri também. É preciso passar por, pra saber como se é. Olho pra minha casa arrumada e lembro das milhares de vezes em que ela, exausta, dizia que eu devia começar a ajudá-la nas tarefas domésticas, porque a vida tinha ficado complicada. Eu continuava assistindo tv. Depois ela me dizia que, existiria um dia em que todo esse meu não-saber-lidar ia me custar caro. O dia aconteceu. Ela disse que tinha me avisado, mas que não podia ser mais assim. E eu concordei. Fiquei sozinha em casa depois do mundo ter desabado na cabeça e fui lavar as roupas que ela pediu. Não sabia muito bem o que soltava tinta, o que não soltava, e como se tirava manchas das blusas brancas. Exceto aquela vez em que ela ficou bastante brava comigo, ela nunca tinha me exigido lavar as roupas. Nem as louças. Meu avô dizia de vez em quando também, que já tinha passado da idade de eu "ajudar a mãe", e eu achava tudo isso meio antiquado, como toda boa aquariana, não me enxergava fazendo as tarefas domésticas. Acho que por algum momento eu esqueci que um dia eu teria que morar sozinha. Nos meus delírios infantis de morar na inglaterra aos 18 anos, eu nunca me imaginei lavando e passando roupa. Devia ter ido no intercâmbio aos 16 pra ver se voltava uma pessoa menos dependente dos outros limparem a minha bagunça. Não fui. Tive que esperar chegar aos 23 pra acordar de uma vez por todas que não dá pra ser assim. "Você vai lavar toda a roupa que você sujou na viagem, e depois passar". Pela primeira vez eu não disse que ia fazer depois, esperando que ela esquecesse que tinha me pedido e fizesse por mim. Eu sempre fui acostumada aos outros fazerem as coisas por mim. Desde carregarem as minhas sacolas no mercado até olharem os carros na rua pra que eu não fosse atropelada. Eu lembro que depois que ele me deixou, tinha dificuldades até em atravessar as ruas movimentadas, e não me sujar com a maionese do lanche. Foi difícil me recompor. Tem sido difícil. Porque depois que ele se foi teve os meninos, sempre muito protetores, me buscando e me levando na porta de casa. Eu não soube me virar porque nem tive tempo pra isso. Mas peguei minhas roupas manchadas, botei de molho, ouvi ela dizendo que eu não precisava me martirizar também, que isso é uma coisa que se aprende, aos poucos, mas tem que aprender. Lavei minha saia que solta tinta, desfiz minha mala e coloquei tudo de volta no lugar, tirei as manchas da minha camiseta branca que eu quase estraguei. Ainda não sei passar as golas da camisa e tenho dificuldades em tomar as rédeas da minha própria vida. Mas vi meu quarto com as coisas nos lugares certos (exceto as cores das roupas dos cabides, porque minha mãe insiste em tirar da ordem), e me senti bem. Talvez as roupas sem manchas de comida e o meu quarto com as coisas nos lugares certos queiram dizer que a minha vida está prestes a não ser também a bagunça que sempre foi. E ainda bem. Amadureci mais em quatro meses do que cresci em 23 anos, e espero que tenha sido só o começo. Minha mãe está muito velha pra continuar cuidando de mim, e as outras pessoas não tem obrigação de. É hora de passar o bastão. Ainda bem.


11.4.12

não se afobe não, que nada é pra já.

o dr me olhou sem me dizer nada, há quinze anos que ele age da mesma maneira. me cumprimenta, me senta na cadeira, ouve meus reclames e já minimiza a parte da hipocondria, me coloca na maca, me examina, faz aquela tal de iridologia (é esse o nome?) que eu sei lá se acredito, mas é mais ou menos como astrologia, eu desacredito - só que tá sempre certo. me pergunta das coisas, e dessa vez foi aquilo: eu ando muito sem foco, não sei o que quero da minha vida, fico apática, não tomo decisões, e meu estômago tem estado horroroso. "do estômago a gente sempre soube, larissa", ele responde meio sério. então é isso "tem passado por stress?" e eu respondo que sim, acho que um monte deles. conto toda a trajetória. perdi o emprego, daí fiquei nessas de tentar achar alguma coisa da vida, as portas foram fechando e agora eu vim aqui. tudo isso ele ouve enquanto digita umas coisas no computador, eu sei lá o que ele tanto digita, mas fato é que tem a minha vida ali. a época do vestibular em que ele me receitou vitaminas, a época em que a minha vó ficou de cama e eu não conseguia mais comer, o tcc, a morte do meu vô, a depressão do meu pai. tudo isso tem ali, junto com os fitoterápicos que ele receita dizendo que eu tenho que ficar mais calma, senão você sabe, o estômago ataca, o fígado ataca. você é assim. dessa vez ele falou um pouco mais que o habitual. me disse que era normal, assim, essas crises nessa minha idade. a gente perde um pouco as perspectivas, mas que eu aparentava estar cansada demais. "sente vontade de fazer as coisas?" "não muito", daí eu disse que tenho pouca motivação, tinha inventado de correr, depois uns rompantes, nada deu muito certo, e que ando muito fragilizada. qualquer coisa eu choro, qualquer coisa eu tenho vontade de gritar que não aguento mais. tenho achado a vida pesada, quase não saio de casa, procurar emprego também me deixa meio desmotivada. ele me olha sem dizer nada, como se eu conversasse com o meu pai.

geralmente ele só imprime as receitas, diz que se eu precisar de alguma coisa é só ligar de novo, ele arruma um jeito de me atender. daí me dá a mão e me manda embora, estimando melhoras. dessa vez ele disse que não queria me assustar não, e que provavelmente não era nada de grave, mas que isso tudo era o começo de um quadro depressivo, e que de repente era melhor ver. um psicologo, um psiquiatra, alguém que te dê uma luz. você não é louca nem nada, é só que isso acontece, você vê, a gente tem que escapar por algum lado e esse foi seu escape. você se deprimiu, depois atacou seu estômago. a gente não sabe muito bem o que mais pode acontecer, mas não é hora de você ficar tomando decisões, nem fazendo planos e nem brigando com ninguém, porque tudo vai te frustrar. e tudo isso que você me disse de repente nem era você mesmo, principalmente essa vontade de chorar no canto, fazer as coisas sem saber muito bem o que tava fazendo, não é desconexão com a realidade, é só uma espécie de fuga. você tem andado angustiada, eu imagino. em todo caso, é melhor averiguar, ele dizia. você tem quadros desse tipo na família, te indico uns nomes, se preferir você pode procurar outros, mas é bom que procure. me deu uns nomes no papel, imprimiu as receitas, disse pra eu continuar caminhando que isso vai dar uma melhorada no meu quadro. e disse pra procurar alguém porque a gente nunca sabe, pode ser que piore. não é uma coisa assim que a gente se livra de uma hora pra outra, e pelo que a gente percebeu, o quadro vem de alguns meses já. se despediu, desejou melhoras, disse que eu podia ligar se precisasse.

voltei pra casa, coloquei as roupas de caminhar, os óculos escuros. achei que se de repente eu chorasse enquanto ia ninguém ia perceber. é tão esquisita a sensação de não estar agindo como se deveria agir por algum tipo de distúrbio químico. eu não sabia mais muito bem o que eu era, e o que era por causa do distúrbio, desequilíbrio, sei lá o nome disso. nem conseguia correr direito, a cabeça rodava, o peso na consciência por ter estragado tudo, feito aquele monte de merda. desde o começo do ano fazendo merda, deixando as coisas pra depois, atrasando os boletos da pós, não indo assinar a demissão no trabalho. era isso então? era isso aqueles choros sem motivo no meio da noite, as vontades esquisitas de correr até faltar o fôlego, as semanas inteiras sem tirar o pijama e ver a luz do sol. fluoxetina, prozac, eu ia ser mais uma dessas? procurar um psicólogo, pagar um quarto do meu salário pra ele me ouvir falando dos meus traumas, do meu passado, das coisas mal resolvidas. era o mal da geração, é claro que eu também ia sucumbir um dia. contar pra minha mãe, procurar médicos especialistas, ser tratada como um problema. justo eu, que sempre fui tão forte né. não. justo eu que sempre guardei tudo pra mim esperando ser capaz de resolver todos os problemas do mundo. não sou. falhei. eu também precisava de ajuda. e se eu não quis me dar, o corpo gritou.

voltei, fingi prestar atenção na novela, nos programas sobre looks, esperei dar o horário, fiz a ligação que precisava, acho que falei tudo meio pela metade, não sei falar no telefone, não sei lidar com esse tipo de problema, e ultimamente tenho tido problemas pra sair da minha cama. minha mãe finge que não ouve as conversas enquanto joga o jogo das bolhas no computador, mas a verdade é que ela sabe de tudo, ou pelo menos desconfiava, e esquece, sabe. tem hora que não dá mais, tem que contar logo de uma vez a verdade. e então é isso, mãe. da primeira vez foi assim, depois da segunda foi isso e da terceira era pra ser bonito e foi um desastre. difícil era explicar que o desastre era eu. pelo amor de deus, não foi isso que eu te ensinei, você não ficou morrendo de vergonha, olha o tamanho da sua cara de pau, meu deus você não pode ter uma cara de pau desse tamanho. pra começar você não devia nem ter passado mal, você entende? e agora, com que cara, com que cara? mas é isso mãe, eu ando muito apática e teve isso e o médico e tal e o choro. ela me pegava nos braços e não conseguia entender porque é que ela não me deixou crescer. eu não devia ter limpado tanto assim sua bagunça, porque aí, olha, a gente te joga no mundo e dá nisso. é claro que ninguém tem o direito de ser desrespeitoso com você, e isso acontecer, você sabe, tem mais é que ir embora mesmo. mas é que é isso, né filha, você viveu com gente que você teve que cuidar o tempo todo, depois foi cuidada e ninguém nunca te ensinou a ir pra frente, a dar a cara pra bater. é isso, não dá pra ficar no sofá arrotando papos idealistas de dez anos atrás. um dia a gente tem que trabalhar, viver, se portar, lidar com coisas desse tipo e limpar a própria bagunça. mesmo que não tenha sido nossa culpa. você tem que se mexer, alguém uma hora tem que te botar pra frente. eu sei que agora não é a hora também, você tem que se cuidar. mas depois que se cuidar tem que viver, ai filha, olha a vergonha, você jura que não ficou morrendo de vergonha? fiquei. mas não sabia o que fazer. daí não fiz nada. ai filha, que vontade de te bater, né? mas não é a hora. agora vê se cresce, a gente tem que crescer. dói, mas a gente tem que crescer. que papelão, minha filha, meu deus você nunca mais vai beber. eu chorava, ela me abraçava meio rindo e depois dizia que tudo bem, mas agora pede desculpas, você já pediu desculpas? agora a gente cuida de você pra ver se você toma um pouco de tenência. seus amigos não são ruins, eles só não tem nenhuma ideia muito fixa. e infelizmente, vocês não tem mais tempo pra isso.

lembrei do dia da gelatina. quis morrer dez vezes. aquela mulher não merecia isso. a gente ficou de pesquisar alguém bom pra cuidar de mim, e eu fiquei de crescer. ela me deu colo, chá e bolachas de coco. devia era te dar uns tapas, disse depois. estou preocupada com você, filha. eu também, mãe. mas vai dar tudo certo. logo tudo fica bem de novo. tudo passa. e o que tiver que ser, sempre é. eu me senti leve, ela continuou jogando o jogo das bolhas. tudo deve ter jeito, ainda. o tempo cura tudo, como já diria a minha vó. minha mãe e o dr. agnello também sabem disso.



10.4.12

so you don't know where you're going and you wanna talk.

não sabia que teria que de novo encarar o rosto velho e careca do dr. agnello que cuida de mim desde os 8 anos de idade e as primeiras crises do estômago. fazia tempo desde a última vez. na última vez dessas loucas crises eu tinha perdido isso que chamam de "amor da minha vida". o amor da minha vida, hoje, é só uma bonita lembrança de um homem que um dia me tratou muito bem. o amor da minha vida usava reticências espaçadas o tempo todo. inclusive aquelas de dois pontos, e dava espaço entre os parentesis. hoje eu não saberia lidar com ele, que nem assiste mais os jogos do milan (assim como eu não assisto mais os do barcelona). ele está feliz. eu já disse isso um milhão de vezes, mas ele está bem feliz. e eu fico feliz por ele. ele era o homem mais incrível que eu já conheci. e provavelmente, não era o amor da minha vida.

Dr agnello na ocasião me disse em suas poucas palavras que, eu estava somatizando muito stress. eu botei a culpa no tcc, e ele me receitou os remédios de sempre pra parar de vomitar a vida. desde então, eu e dr agnello não mais nos vimos. ele se ateu a cuidar da minha mãe, que ultimamente somatiza os stresses de todos nós, e sofre um bocado. os anos depois do ocorrido não foram felizes, nem ao menos agradáveis. foram vivíveis. 2010 teve gosto de morte e 2011 passou do jeito que podia, comigo vomitando no carro dos outros e na patente do meu banheiro, porque dei de abusar da bebida - e da vida. teve até aquela vez horrorosa que eu vomitei não só o carro como também toda a lataria de fora do carro do menino do trabalho, e depois também a minha roupa e a caneca onde eu tinha bebido e deus sabe como eu consegui subir as escadas, e chegar na minha cama. eu me desculpei no outro dia, e ele disse que tudo bem, esse tipo de coisa acontece, meio que rindo do meu desajeito. no mesmo ano teve o vinho que me desacordou durante a noite, a tal da gelatina louca. a gente fica assim, meio querendo esquecer a vida quando perde o grande amor. já não precisava mais tanto dos remédios do Dr. agnello porque dava conta de maquiar minha infelicidade no meio de todas as festas de república do mundo, muita cerveja e muita gente desconhecida. no fim do ano tudo teve uma certa calma, até que eu perdi meu emprego e a vida voltou a ser a mesma aventura incerta que era no começo disso tudo. sem amor, sem carreira, sem os amigos que tinham mudado de cidade. senti a falta dele de novo, quis morrer trinta vezes, mas continuei.

conheci outra pessoa, achei que quem sabe podia ter ali uma salvação, continuei vivendo, conheci outra cidade, outras pessoas, outros jeitos de ver a vida. tive uma esperancinha de que as coisas finalmente iam pro rumo certo, mas vez ou outra a coisa degringolava e eu percebia que talvez aquele não fosse o caminho mais certo do mundo. mas a gente precisa de esperança, sempre ela a esperança, e tem que continuar porque alguma coisa sempre-tem que continuar, então mesmo em meio às frustrações e a minha loucura eu continuava. eu apostava meio tímida as minhas fichinhas, mas apostava. enquanto isso tentava esquecer que não tinha nada da vida, nem um emprego, nem uma carreira e nem uma casa pra morar e nem mesmo eu cresci depois que ele me deixou e não estava mais ali pra me impedir de pular as janelas. e tudo vai indo, eu fui focando em emagrecer, fui tentando fechar os olhos pras coisas que eu sabia que aconteciam, mas que eu não queria encanar naquele momento, fui tentando calar a paranoia e correndo 8km diários. daí nessas últimas semanas eu dei de sentir os mesmos mal estares que sentia quando tive que encarar o dr. agnello, lá estava eu vomitando a vida de novo, mas nem dei confiança. tudo bem, é assim mesmo, eu só ando comendo comida leve, toda vez que comer uma comida mais pesada vou passar mal. e achava que tudo ok eu não conseguir comer mais que um pedaço de pizza, deixar metade do lanche no burguer king, comer duas colheres de arroz e uma concha de feijão e começar a sentir enjoo. tá tudo bem, é que eu não consigo mais comer muito, é a dieta.

aí que teve esse dia em que eu excedi demais a cota e passei mal mais uma vez. desacordei, estraguei uma casa, não conseguia ver comida na frente, passei uma manhã inteira tonta e descontrolada, querendo chorar nos cantos e achei que ok, tudo bem, eu-tomei-vinho-demais. no outro dia eu comi salada, mas passei mal porque o-suco-de-laranja-tava-quente-demais. no outro dia no café da manhã eu-dormi-muito-pouco-foi-por-isso. até que hoje, depois de uma coxinha e uma torta de morango de volta em casa, eu percebo que não teve dieta nenhuma, não foi vinho-demais nenhum, nem é que eu não consigo mais comer macarrão depois das onze da noite. não eram fatos isolados. era um fato só: eu tenho somatizado a vida que não sei lidar. e nesse último mês, dr. agnello me olharia e diria "larissa, o que acontece é que você tem somatizado muito stress". a gente vive uma vida toda pra precisar de um estopim horroroso pra se tocar que, olha, essa vida que você tava vivendo não era exatamente feliz, e toda essa sua frustração ia acabar aparecendo em algum lugar. e apareceu. olha eu vomitando a vida de novo. fico olhando pras paredes descascadas do meu quarto e descubro o inevitável: tenho sido muito infeliz. e infeliz de um jeito profundo mesmo, que não adianta, não tem noite agradável que conserte. eu sou aquela menina infeliz no canto da festa que uma hora ou outra vai sentar na cadeira e ficar olhando apática pro próprio pé.

minha apatia é muito anterior à tudo isso. é apatia de quem não quer pensar na própria vida e fica assim, vomitando pelos cantos porque precisa soltar a dor de algum jeito. ele me perguntava se eu estava feliz e eu dizia que sim, só que a verdade é que eu não lembro a última vez que fui feliz. talvez naquele primeiro fim de semana em fevereiro quando tudo ainda era um pouco novidade, mas não sei se. eu era feliz ali, mas tem tanta coisa que não era feliz que a verdade é que eu nunca me entreguei plenamente pra nada desde que me entreguei da última vez, e fui fazendo da vida essa bola de neve. acontece que sou forte demais pra chorar no ombro de quem quer que seja, e vou dizer que "não foi nada" toda vez que me perguntarem se aconteceu alguma coisa comigo. tenho um orgulho que é muito maior que a minha dor, e uma mania esquisita de nunca me permitir sofrer. tudo isso parece aquele papo clichê, mas é que sempre foi assim. seria mais fácil ser essa pessoa que sofre e chora, que fala na cara, que tem ataques de ciúmes e que não vive de indiretas e remoendo as coisas que não falou, mas meu orgulho impede. não quero ser aquela louca que sofre de ciúmes e que morre de amores, eu sou bem-resolvida demais pra isso. acontece que eu não sou. e não sendo vomito a força que eu finjo ter, mas não tenho. e desde os oito anos encaro o dr. agnello me dizendo que isso tudo é a minha infelicidade somatizada.

sou uma eterna infelicidade somatizada. e me sei apática. se me derem um soco, ficarei olhando. se cuspirem na minha cara, limparei e continuarei deitada. as pessoas me destroem e eu não tenho força o suficiente pra brigar. só fico ali, esperando um abraço. eu sei de um monte de coisas que preferi não contar. eu fui machucada em partes que ninguém nem imagina. só que continuo sorrindo. faço uma gracinha, peço desculpas, digo que a culpa é minha, finjo que não ouvi os desrespeitos todos e continuo vivendo. eu queria chorar no meio da augusta, sentada no meio fio, perguntando pra eles porque é que estavam fazendo tudo aquilo comigo. eu queria pedir colo na volta do show, mas me contentei em ouvir eles dizendo que eu sou uma menina muito sensata, e que ia saber o que fazer. eles nem sabem que meu coração ainda quebra em pedacinhos. eles não sabem que o meu discurso bem resolvido é ressentimento. eles não cuidam tanto-assim de mim porque eu digo que sei me cuidar sozinha, e que vou sobreviver. só que eu não sobrevivi. nesse ano eu acho que eu nem nasci ainda. estou ali morta em algum lugar. o que vive é o casco machucado que apesar de toda a bordoada do mundo, continua de pé. vai, bate mais um pouco, diz que eu sou um desastre, eu vou aguentar. diz que queria me bater, diz que eu não sou o tipo de mulher que você esperava que eu vou vestir o meu coturno e continuar em pé. me dá o tapa na cara que você queria me dar e segurou. eu não vou fazer nada. eu vou passar o meu batom vermelho e não conseguir aproveitar o show da minha vida porque sinto o peso do mundo nos ombros. mas vou fingir bem. depois chego em casa e vomito o mundo na privada. assim como tinha vomitado no último mês sem me dar conta. dou descarga em tudo que não grito, é o jeito que eu dei de me livrar de mim mesma.

dr. agnello já está acostumado, ele me receita remédios e eu paro de sujar paredes por aí. mal sabe ele que eu só queria um pouco de paz. pra um dia ser feliz, quem sabe.

4.4.12

protect me from what I want.

Lembro que um dia quis tatuar essa frase. a do título do texto. ainda tatuaria, se acreditasse em tatuagens. se acreditasse em qualquer coisa que possa durar em mim antes que eu enjoe. falei dessa necessidade de ser-sozinha e hoje me descobri uma pessoa sem trato. chegam perto de mim e eu me encolho, como um desses gatos desconfiados que já levaram muita bordoada na rua e tem medo de serem açoitados de novo. os cachorros costumam ir sem pensar muito. dizem que os cachorros são os seres que amam verdadeiramente. ou eles não tem muita memória dos maus tratos. gente que ama de verdade é meio assim mesmo. esquece o que foi ruim, foca no bom, continua amando. gente que ama-demais. nunca fui dessa gente. sempre fui gato açoitado na rua que levou bordoada e ficou debaixo de chuva ensanguentado de pancada. talvez porque eu também tenha dado lá minhas bordoadas nos outros. hoje tenho preguiça das relações sociais, das relações amorosas, de qualquer relação enfim. podem me deixar em casa, com a minha tv. eu vou me deprimir um pouco, mas é melhor do que ser tratada como um nada depois de anos de devoção. acredito muito em amizades, muito mais do que acredito em amor (dizem que vem de eu ser aquariana, e embora eu negue, eu acredito mesmo um pouco nisso de zodíaco). mas até as amizades acabam. era bonito, foi bonito, a gente se amava e hoje eles recusam meus convites pra sair. e tudo bem também, ninguém tem uma dívida eterna de nada comigo, eu abdiquei de coisas por eles porque quis. porque amava. hoje amo, mas amo mais ou menos. amo sabendo que posso ser abandonada no minuto seguinte, e esses amores são menos verdadeiros. todo mundo foi embora. acho que todo mundo vai embora um dia. só ficou ele, ele que me faz ter essas conversas loucas no meio das tardes quentes de londrina e me lembrar que eu não sou mais aquela pessoa que eu era aos vinte um anos. ok, ninguém é aquela pessoa que era há dois meses atrás, imagine há dois anos, mas eu já acreditei em alguma coisa. hoje a gente anda pela rua e se pergunta se quer mesmo ter filhos, casar, se quer mesmo fazer outros amigos. nos tornamos intolerantes. temos medo. medo como aqueles gatos que levaram muita pancada. e se for assim? e se a gente colocar um monte de energia numa relação e ela não valer de nada. as feridas doem mais numa pele que já foi machucada. as feridas doem mais na gente que não sabe mais confiar. eu não sei. a cada vez que pareço de novo estar me entregando a qualquer coisa nova, vou tentando dar um basta. as pessoas te frustram. as pessoas vão te frustrar. a gente não pode cruzar aquela linha tenue que separa as relações casuais dos amores de verdade. qualquer amor. amor-amor ou amor de amigo. não é seguro do lado de lá. é seguro aqui. as feridas cicatrizadas, o esconderijo escuro. os segredos bem guardadinhos. vou fugir se tentarem me pegar no colo. sei que vou continuar fugindo. ou tinha que ter alguma dessas pessoas que são mais cachorros que gatos pra amolecerem meu coração. uma dessas pessoas que salvam animais, que tentam uma vez após a outra resgatar o bicho ferido. que vão com parcimônia, que querem-mesmo que querem de verdade. nem sei se essa gente existe. tudo que eu tenho encontrado é uma gente igual a mim. dá dois passos pra frente e depois três pra trás. ou dá passos pra trás quando eu dou pra frente. e quando dá pra frente sou eu que vou pra trás. é todo mundo gato machucado de rua com ferida sangrante.  todo mundo tem medo. a gente se olha nos olhos e vê um espelho. e ao invés de se abraçar sai correndo. gato escaldado tem medo de água fria. nós vamos nos afastar tentando salvar a própria pele. e machucaremos-nos. eterno ciclo. medo de amar número dois.

ou tudo que eu já tinha escrito aqui e continuo sendo.

3.4.12

Leve, como leve pluma muito leve pousa.

"Leve, como leve pluma
Muito leve, leve pousa.
Muito leve, leve pousa.

Na simples e suave coisa
Suave coisa nenhuma
Suave coisa nenhuma.

Sombra, silêncio ou espuma.
Nuvem azul
Que arrefece.

Simples e suave coisa
Suave coisa nenhuma.
Que em mim amadurece" (Amor - Secos&Molhados). 


Queria escrever alguma coisa. Qualquer coisa no dia que me faltam as palavras. Sinto um turbilhão de coisas e não sei como transformá-las em prosa ou poesia. A vida nos toma muito tempo. O tempo todo muito tempo. Mesmo quando a vida em si nem existe. Preencho meus dias com corridas ao ar livre e pequenas frases jogadas ao acaso no mundo narcisista das redes sociais. Quero a atenção que sempre tive. A atenção de ser o melhor texto da sala, a piada mais engraçada do bar, a menina mais inteligente do grupo de amigos. Quero ser amada, como todo mundo quer. Sou sozinha. Sempre fui sozinha. Guardo comigo a condição de sempre ter sido solitária. Filha única, passava meu tempo entre gibis, livros e os programas de tv cultura. Nunca gostei muito de gente. Me irritavam as crianças que corriam. Nunca gostei de pique-esconde. Tinha pavor de ser a última a ser encontrada. Ou a primeira. Nunca me encantou o mistério do gato mia. Nunca pintaram na infância minha cara com rolha por conta do dorminhoco. Eu preferia os adultos, os amigos mais velhos, minhas bonecas e os livros do monteiro lobato. Ainda não sou muito dada a gente. Tenho um desses universos grandes em que hesito em deixar alguém entrar. Faço força pra conseguir descobrir alguém que saiba todos os meus segredos. Ninguém sabe. Tem sempre alguma coisa a esconder. Ou a calar. Todos aqueles que um dia quiseram entrar nesse universo que não faço questão de contar eu afastei. Preciso dos segredos porque senão não existe literatura. A literatura se faz do mistério, do escondido, das caixinhas que não se conta nem pro terapeuta (embora ultimamente eu não acredite em terapeutas). 

Ser sozinha é uma condição-karma. Ninguém gosta tanto assim de gente sozinha. Ninguém sabe lidar muito bem com a solidão. As pessoas querem estar juntas, preferem a presença e olham com um certo desprezo ou descaso aqueles que sentam sozinhos nas mesas dos cafés e compram um só ingresso pro cinema. Eu preciso estar sozinha. Preciso ter comigo a certeza de que sou eu que estou tomando as rédeas da minha vida. Por isso hesito ao pedir conselhos. Por isso por vezes falho nas relações amorosas. Tem gente que exige fazer parte da sua vida demais, fazer parte das suas particularidades demais. Quer deitar na cama e dividir o momento solitário com você. Não respeita o secreto. Não tem como viver com gente que não respeita o secreto. Preciso do silêncio. Preciso caminhar oito, dez quilômetros e não ouvir a voz de ninguém a não ser a minha própria música. Preciso do meu espaço de seis ou sete metros quadrados em que durmo e escrevo. Preciso tomar café na padaria e não encontrar ninguém conhecido. Preciso estar em contato porque sempre precisei. Desde pequena. Desde quando o barulho das crianças que brincavam de pique-esconde me irritava. Sempre soube muito mais ser sozinha do que ser junto. É difícil a condição. É difícil porque é preciso compartilhar pra viver. É preciso estar-junto. É preciso que se tenha alguém pra contar e outra pessoa embaixo do seu cobertor, mesmo que esporadicamente. Sei que me livrar da solidão é um exercício. Um exercício diário e saber enxergar e dar lugar pro outro. Um pedacinho da cama. Um pedacinho da vida. Uma história que nunca se contou pra ninguém. Um segredo.

Sei também que ser sozinha é um dom. O dom de saber que se é um ser completo. Não no sentido de não precisar de mais ninguém, mas no sentido de ser pleno. Existe plenitude na solidão. Felicidade em ir no shopping fazer compras sem ninguém ao lado, em ouvir sua própria seleção de músicas, escolher o canal da tv, ir ao cinema às 7 da noite ver um filme que ninguém gosta muito. A plenitude do ser. Estar sozinho e saber que se sente confortável em sua própria pele. No silêncio e no barulho que estar dentro de si faz. Ser sozinho não é ser solitário. É gostar de, de vez em quando, estar sem ninguém. É precisar do próprio espaço, é gostar das próprias idéias. É principalmente estar com outra pessoa porque se quer estar, e não porque sente necessidade de. Querer o outro é muito mais bonito do que precisar do outro. Porque querer é vontade plena, e precisar é necessidade, prisão, coisa pesada. Querer é saber que podia-se viver sozinho se precisasse, se o outro te deixasse, se de repente tudo terminasse. É ter consciência de que, caso não exista o outro, ainda se vive, se sobrevive, se pode ser feliz. É saber que podia-se estar completamente sozinha e quem sabe até bastante feliz, mas não se quer estar. Por escolha, porque faz bem. Porque sim. É que todas as vezes que me senti precisar de alguém pra viver era a coisa errada, o barco furado, o descontrole que levava ao caos. Só fui feliz mesmo nas vezes em que ao invés de precisar, quis perto. Por escolha. Podia não estar com, mas quis. 

E de repente existe alguma leveza nessa liberdade meio solitária que carrego desde a infância. Reencontrei-me. O descontrole nunca me pertenceu. As coisas que são verdadeiramente suas não são as coisas que você aprisionou. São as que deixaram-se ficar.


(qualquer texto escrito de madrugada vai parecer auto ajuda).

1.4.12

saudades do avô número em reticências

“O tempo só anda de ida
A gente nasce, cresce, envelhece e morre.
Pra não morrer
É só amarrar o tempo no Poste.
Eis a ciência da Poesia:
Amarrar o tempo no Poste!” (Manoel de Barros).


Uma vez nós estávamos sentados no banco de madeira velho (que eu acho que nem existe mais, a tia é cheia de jogar as memórias no antiquário e a casa agora é dela) e a minha vó ficou bastante irritada com uma das brincadeiras que ele fez. Ela disse que estava com muita raiva. Ele, sorrindo um sorriso engasgado, muito dele, disse que não era pra ela ter raiva não. A raiva dá na gente dois trabalhos: o de ficar com raiva, e o de "desficar". Pegou um papelzinho, e como quem ensina uma coisa muito séria disse: "olha, maria, eu vou te explicar uma coisa. A raiva, quando entra na gente, entra muito rápido, tipo um furacãozinho", e desenhou rapidamente um furacãozinho com a caneta que sempre carregava no bolso da camisa. "Mas pra sair, maria, ela tem que dar toda essa volta aqui ó",  disse ele fazendo com a caneta toda a volta que deu no furacãozinho, "e aí, maria, demora muito. Esse troço de raiva dá muito trabalho". Minha vó repreendeu-o dizendo "eta, estevo, deixa de bobice". E ele continuava rindo, porque nunca soube deixar de bobice. 

A vó era a parte prática da casa. Criou cinco filhos como lavadeira e foi quem botou um pouco de juízo na cabeça daquela gente que, se dependesse dele, ia viver de sonho. O vô nunca foi muito dado as racionalidades. Inventava nomes pras coisas. Nomes que não existiam. Viva de fazer piada com a vida dos outros, e mesmo sem ter tido "muito estudo" como ele mesmo dizia, vivia num mundo de livros. Uma vez a mãe tirou o livro do john locke de perto dele porque disse que "esse negócio de ficar se questionando com esse tanto vai acabar fazendo mal pra um homem dessa idade". Com ele eu aprendi o lúdico. Ele cuidava das minhas bonecas com bastante propriedade e ouvia as minhas histórias todas. Virei uma grande contadora de histórias pra ele, e me sentia muita satisfeita como detentora do conhecimento e caixinha de gargalhadas particular do meu avô. Mal sabia eu que ele sabia muito mais histórias do que eu tinha pra contar, mas ele costumava ser bastante generoso. Acho que ele é um desses homens que nunca cresceram, ou que souberam cativar bem a infância. 

Diz minha mãe, que quando as minhas primas eram pequenas, ele intermediava receitas de remédio entre elas. A fernanda era a enfermeira das bonecas da Gisele, então a Gisele informava a ele os sintomas da boneca, ele repassava pra Fernanda que passava uma receita de remédios que ele entregava pra Gisele de volta. Ele gostava muito de inventar histórias também. Vez ou outra vinha com "mentiras"pras minhas amigas, o que me deixava bastante irritada. Agora eu percebo que tinha é sorte de conviver com esse homem que tinha assim tantas histórias pra contar e inventar. Esse mineiro que quando diziam que ele tinha cara de nordestino ele dizia que era sim, de "feira" e que não tinha sotaque porque foi pra minas muito novo trabalhar. O que quando eu era pequena eu chamava de mentiras, hoje eu percebo que era todo um universo fantasioso em que valia a pena entrar. O universo em que ele contava histórias que na realidade não aconteceram pros amigos, e que fingia acreditar em coisas que na verdade não acreditavam. O universo do lúdico, da brincadeira, das travessuras, do jogar água nos gatos e escrever pequenos contos em pedaços de papel. Ele sempre tinha uma caneta no bolso. Eu herdei o costume. 

Sei muito pouco do que ele escrevia nos pequenos papéis logo depois de ler o jornal, ou as revistas, mas sei que ele inventava historietas. Escrevia numa caligrafia perfeita pra quem estudou tão pouco e tinha o humor refinado de quem aprendeu a rir em meio a desgraça. No meio dos sacos de café e no trabalho pesado de quem veio tentar a sorte, nasceu a poesia. A poesia que não era escrita em livros, nem estudada nos cursos de letras, mas essa poesia que nasce da vida. Desse homem que criou filhos que adquiriram gosto pela arte, que guardavam o pouco dinheiro que tinham pra comprar vinis. O homem que me ensinou que a beleza vem da vida. Vem da água com açucar que a gente coloca pros beija-flores pousarem, no arroz que a gente joga pra ver os passarinhos comerem, vem da música que a gente coloca nos toca-discos no domingo, vem de plantar na horta, de ver os antúrios crescerem, vem de fazer bambolê com pedaço de mangueira de jogar água no jardim. Riqueza mesmo é ter tempo de sentar embaixo do pé de limão e observar a rua, é contar histórias que não existiam, é ter o espírito puro de quem responde "boa noite" pro âncora do jornal, é fazer tampinha na laranja pro suco sair melhor.

Ele foi o primeiro poeta que eu conheci, meu primeiro contato com o lúdico, com a história, com a palavra-inventada. Foi vendo que a literatura podia fazer aquele "homem grandão" rir que eu tive vontade de escrever as minhas próprias histórias. Foi com ele que eu aprendi que a palavra tem poder. Foi com ele que eu aprendi a desconstruir, a chamar o que todo mundo chama de "carne de porco" de "porcaria". Ele foi o meu primeiro contato com a imaginação, com o desconexo, com as quatro balas na boca, com o políticamente incorreto de se rir dos tombos dos jogadores nos jogos de domingo que assistíamos juntos. Existe graça no erro, na falta, no chute pra fora. A beleza vem do acaso. A sabedoria vem de desenhar a raiva como um diagrama. Meu vô, assim como manoel de barros deve ter tido três infâncias. Na última (essa que eu conheci) costumava subir em telhados como um moleque, e inventar narrativas fantásticas sobre as coisas que queria ter vivido e não viveu. Se encantava com a beleza de um mundo que não era o nosso pela tela da tv, e aprendeu a esquentar café no microondas. Com ele eu aprendi que as coisas que a gente fala e não existem, nem sempre são mentiras, às vezes são só histórias. Invenção. E o mundo é muito chato se não for feito de invenção.

O mundo é muito chato se a gente não rir do que não pode rir e não fizer piada com a raiva alheia. Talvez seja isso. Talvez exista muita melhor no mundo do que esperar que o furacãozinho da raiva passe. Com ele eu aprendi a ser leve. A deitar na grama em cima da toalha. E a não comer antes do almoço porque "estraga o apetite". Juntos explorávamos a loja de bala e pedíamos pastel com uma coquinha de garrafa. Com ele o mundo era imenso e inusitado. Ele era meu homem inusitado que comia as cabeças dos peixes e os pescoços dos frangos, muito selvagem. O homem selvagem que sabia o nome dos passarinhos, e como cuidar das plantas. O homem que sem nunca ter publicado uma linha me ensinou a poesia e deu a primeira voz a minha literatura. É preciso transver o mundo, Vô. É preciso enxergar um universo paralelo na casinha onde se guardava as tralhas e a minha bicicleta. É preciso ter medo dos monstros onde não existe nada. É preciso enxergar além. É preciso tratar as bonecas como filhas. É preciso sorrir, o tempo todo sorrir com o seu sorriso. 

E agora, vinte três anos depois de termos nos conhecido, eu entendo que por vezes essa literatura malfeita que faço é meu jeito de não te deixar morrer nunca. Eu amarrei nosso tempo num poste, vô. 





(desde que você se foi, você é sempre o poema que eu quero ler e não tenho mais à mão).